Gerente da Petrobras alertou Graça sobre desvios — e foi afastada
A gerente de Abastecimento da estatal, Venina Velosa da Fonseca, percebeu em 2008 irregularidades nos contratos; desde então, tentou alertar a empresa, mas foi ignorada
A presidente da Petrobras, Graça Foster, foi alertada por gerente sobre desvios (Evaristo Sá
/Estadão Conteúdo
Venina, que é geóloga na estatal desde a década de 1990, começou a suspeitar que havia problemas quando percebeu que os gastos com pequenos contratos de prestação de serviços avançaram de 39 milhões para 133 milhões de reais em 2008, sem razão aparente. Em sua apuração interna, a gerente detectou que a estatal estava pagando por serviços de comunicação que sequer estavam sendo prestados. Sua primeira atitude foi informar Paulo Roberto Costa, seu superior direto, e pedir mais rigor na fiscalização dos contratos. Costa, relata Venina, apontou para o retrato de Lula em sua sala e perguntou" você quer derrubar todo mundo?". A gerente então encaminhou as denúncias ao presidente Gabrielli que, após auditoria interna, acabou demitindo o diretor de comunicação, Geovanne de Morais.
Venina Velosa da Fonseca com Jorge Gerdau
Leia também:
A farra dos contratos sem licitação na Petrobras
A gerente prosseguiu com suas investigações e apurou o que viria a ser um braço do esquema de desvio de dinheiro e cartel de empreiteiras mostrados hoje pela Lava Jato. Em email a Graça, que ainda era diretora de Gás e Energia, a funcionária aponta irregularidades em contratos bilionários referentes a Abreu e Lima, além de questionar o fato de acordos de tão alto valor serem firmados com dispensa de licitação. Em retorno, obteve o silêncio de Graça.
O desgaste interno fez com que Venina fosse transferida para o escritório da Petrobras em Cingapura, em 2009, onde ela foi afastada da área operacional e direcionada a um curso de especialização. Em 2011, já de volta ao Brasil, voltou a escrever para Graça, a quem confidenciou que sentia vergonha de trabalhar na empresa. "Diretores passam a se intitular e a agir como deuses e a tratar pessoas como animais", escreveu. Em 2012, depois de ficar cinco meses no Rio de Janeiro sem qualquer atribuição, voltou a Cingapura ao escritório da estatal. Foi então que levantou novas suspeitas de superfaturamento de compra de combustível que a Petrobras fazia no país asiático. Venina informou a sede sobre suas descobertas, mas novamente foi ignorada.
Leia também:
Petrobras: uma década de história em sete gráficos
Petrobras suspende pagamento de contratos também no exterior
Falta de pagamentos em Abreu e Lima leva Petrobras à Justiça
De volta ao Brasil em 2014, a gerente fez uma apresentação sobre as irregularidades apuradas na Ásia e sugeriu a criação de uma área de controle interno para conter perdas nos escritórios internacionais, mas nada foi feito. Em 19 de novembro, Venina foi afastada da empresa juntamente com outros funcionários suspeitos de envolvimento na Lava Jato. Ficou sabendo sobre seu afastamento por meio da imprensa. No dia seguinte, escreveu um email à presidente da estatal. "Desde 2008, minha vida se tornou um inferno. (...) Ao lutar contra isso, fui ameaçada e assediada. Até arma na minha cabeça e ameaça às minhas filhas. Levei o assunto às autoridades competentes da empresa, inclusive Jurídico e Auditoria, o que foi em vão. (...) Voltei a me opor ao esquema que parecia existir no projeto Rnest. Novamente fui exposta a todo tipo de assédio. Ao deixar a função, fui expatriada e o diretor hoje preso levantou um brinde, apesar de dizer ser pena não poder me exilar por toda a vida".
Em nota, a Petrobras informou que aprimorou processos de compra e venda de combustível em seus escritórios internacionais e que, em auditoria, não encontrou "nenhuma não conformidade" nas operações entre 2012 e 2014. Sobre Abreu e Lima (Rnest), a empresa afirma que realizou apurações e enviou relatório aos órgãos de controle e autoridades competentes. A empresa não se posicionou sobre a razão do afastamento da funcionária.
Comentários
Postar um comentário