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Abstenção de quase 60% reacende debate sobre voto no Chile

Primeiras eleições presidenciais realizadas no país desde o fim do voto obrigatório mostram afastamento de alguns setores do processo eleitoral

 
Candidatas presidenciais do Chile, Michelle Bachelet e Evelyn Matthei
Candidatas presidenciais do Chile, Michelle Bachelet e Evelyn Matthei - Reuters
A eleição presidencial que deu mais um mandato à socialista Michelle Bachelet no Chile foi a primeira realizada no país depois da aprovação do voto facultativo, em 2011. Bachelet venceu com mais de 62% dos votos, mas o índice de abstenção perto de 60% (maior ainda que os 50% registrados no primeiro turno) obrigou a presidente eleita a ressaltar a necessidade de fazer com que os chilenos "voltem a acreditar na democracia".
Além de instituir o voto facultativo, a reforma eleitoral de 2011 também estabeleceu o registro de votação automático para todos os chilenos com mais de 18 anos. A medida acabou por ampliar em cerca de cinco milhões o número de eleitores – de cerca de 8 milhões para mais de 13 milhões. No entanto, a disputa pelo Palácio de la Moneda mostrou uma apatia dos jovens com o processo eleitoral. Dados do primeiro turno mostraram que apenas 40% dos eleitores entre 18 e 34 anos compareceram às urnas.
“A abstenção mostra uma certa fadiga com os processos eleitorais. Mas também mostra uma vontade de setores que querem uma participação continuada, que não veem o pleito como a única grande festa da democracia, que democracia é só voto. Eles veem essa participação por meio da comunicação virtual e da rua”, disse o professor Alberto Pfeifer, especialista em América Latina e membro do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint– USP), citando os protestos estudantis de 2011 e 2012.
Obrigatoriedade – O elevado número de faltantes provocou um debate sobre a reinstituição do voto obrigatório. Na imprensa chilena, o ex-presidente Ricardo Lagos (2000-2006) disse que o voto obrigatório é “fundamental para que se possa recuperar a noção da importância do voto, do dever cívico com a democracia”. E até mesmo Camila Vallejo, a musa dos protestos estudantis que se elegeu deputada em novembro, disse que “como princípio, o voto tem que ser obrigatório, para fortalecer o compromisso com o que queremos para o país”.
Em entrevista ao jornal chileno La Tercera, Gloria de la Fuente, diretora do programa de qualidade da política do centro de estudos Fundação Chile 21, considerou que “seria um erro” retomar o voto obrigatório. “Não temos eleições suficientes para saber o que acontece, faltam mais análises, e em termos políticos seria confuso para a cidadania e acentuaria o desencanto com a política”. Ao mencionar medidas que poderiam ser tomadas para aumentar a participação do eleitorado, ela falou em realizar consultas populares junto com as eleições. “Se tivesse havido um plebiscito para saber se queríamos gratuidade na educação, a participação teria sido muito maior”.
O professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Mario Gaspar Sacchi, credita parte da culpa pelo baixo comparecimento dos eleitores nas presidenciais na conta do atual presidente, Sebastián Piñera. O especialista explica que, no Chile, os pleitos são decididos por uma maioria de centro, que não é fiel a um partido ou coalizão específica. Essa massa de eleitores costuma votar de acordo com a popularidade do antecessor. Como Piñera amargou índices crescentes de reprovação e mostrou inabilidade em lidar com demandas específicas, como na área educacional, esses eleitores não se entusiasmaram muito pela candidata governista. “E, mais importante, Bachelet sempre apareceu como favorita, então esses eleitores não viram necessidade de comparecer às urnas para mudar o resultado”, acrescentou. O próprio eleitorado de direita não mostrou entusiasmo por Matthei, que foi indicada apenas porque outros dois pré-candidatos da sua coalizão renunciaram em sequência.
Economia – O governo de Piñera foi marcado por bons resultados na economia, mas também pela insatisfação com a desigualdade presente no país. Mesmo favorita, durante os últimos dias de campanha, Bachelet fez apelos ao eleitorado para que comparecesse às urnas. O objetivo era aumentar o apoio para sua candidatura como forma de pressão para aprovar seu plano de reformas. Mesmo com a votação expressiva, no entanto, os votos conseguidos pela governista são suficientes para frear as ambições da socialista.
“Os resultados indicam que quase 40% do país acredita que seu projeto não é o certo”, disse ao Wall Street Journal José Ramón Valente, diretor-executivo da Econsult, uma consultoria de investimentos. Em sua opinião, muitos empresários prefeririam o Chile com as políticas moderadas de Piñera, que reduziu a burocracia, incentivou os pequenos empreendedores e atraiu bilhões em investimentos estrangeiros. Com Bachelet, ele afirma, “há muita incerteza, com os investidores preferindo esperar pra ver”. Ele afirma que a esperança é Bachelet se comporte também de forma moderada, como ocorreu na primeira vez em que ocupou a Presidência, entre 2006 e 2010.
O fato é que dificilmente a socialista terá como aprovar uma reforma Constitucional, já que, para isso, vai depender dos deputados da direita. Com maioria simples no Congresso, a aliança socialista conseguiria aprovar a reforma tributária e, com o apoio de mais um deputado, a educacional. E a oposição não deve facilitar a vida da presidente eleita, que assumirá o cargo em 11 de março. Embora a derrotada Matthei e sua agremiação, União Democrata Independente (UDI) tenham reconhecido a vitória, o presidente da sigla, Patricio Melero, já se apressou em avisar que a abstenção deve ser interpretada como um sinal de que a presidente eleita não recebeu carta branca para suas reformas. Para além da maioria  no Parlamento, ela terá de cativar a parcela da população que se absteve de votar.
Números – Nas eleições de 1999-2000, 2005-2006 e 2009-2010, quando o voto ainda era obrigatório, era comum que mais de 7 milhões de eleitores fossem às urnas, e a abstenção nunca passava de 14%. Nas presidenciais de 2009-2010, a última com voto obrigatório, 7,2 milhões de pessoas votaram em cada turno – a abstenção foi de 13% num universo de cerca de 8,3 milhões de eleitores.

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