Jornalista e ativista da oposição ao governo foi espancada depois de exibir fotos de imóveis de luxo dos políticos sob o comando de Viktor Yanukovich
Manifestantes mostram foto da jornalista e ativista Tetyana Chornovil, espancada horas depois de publicar fotos sobre integrantes do governo na Ucrânia (Gleb Garanich/Reuters)
Manifestantes exigiram nesta quinta-feira a demissão do ministro do Interior da Ucrânia, depois que uma jornalista freelancer e ativista da oposição, conhecida por documentar as extravagâncias da elite política do país, teve o seu carro perseguido - ela foi espancada durante a noite. Carregando fotos do rosto inchado e ferido de Tetyana Chornovil, centenas de manifestantes se encaminharam para o Ministério do Interior em Kiev.
O ataque à jornalista de 34 anos reacendeu os protestos na Ucrânia, que vinham perdendo fôlego mais de um mês depois de o governo ter rejeitado um acordo com a União Europeia (UE), preferindo se aproximar de Moscou. Manifestantes pró-UE continuam a ocupar o centro de Kiev, mas o número de ativistas tem caído desde a oferta de ajuda de 15 bilhões de dólares feita pela Rússia este mês – a Ucrânia recebeu a primeira fatia, de 3 bilhões, esta semana.
O ministro do Interior, Vitaly Zakharchenko, já havia se tornado alvo da oposição depois da repressão policial a manifestantes no mês passado. O ataque contra a jornalista, na madrugada de terça para quarta-feira, ocorreu horas depois de Tetyana ter divulgado na internet fotos identificadas como sendo da casa do ministro, como parte de uma campanha para exibir a opulência da elite política sob o governo do presidente Viktor Yanukovich. Saiba mais Por que UE e Rússia querem tanto a Ucrânia? Ucrânia, um país com histórico de tragédias
O líder opositor Vitali Klitschko fez um chamado aos jornalistas para entrarem em greve em solidariedade a Tetyana. “Eles estão espancando jornalistas e tentando calar suas vozes. Estão destruindo seu direito a exercer sua profissão”, disse, em comunicado. “Apenas covardes são capazes de bater em uma mulher à noite de forma bárbara. Alguém ainda tem esperanças de que as autoridades vão mudar para melhor e ouvir alguém?” Continue lendo o texto
Os interesses de UE e Rússia no duelo pela Ucrânia
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Os interesses da União Europeia
A UE negociou durante anos uma aproximação com seis ex-repúblicas soviéticas – Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Bielo-Rússia, Armênia e Azerbaijão – mas teve suas expectativas frustradas com a não adesão dos principais países ao acordo que é chamado de Parceria Oriental. Mesmo assim, não abandonou a ideia de atrair o sexteto, para distancia-lo da Rússia. Além disso, a parceria poderia ser cozinhada em banho-maria para postergar ao máximo a integração total dos países ao bloco europeu, como aponta Rainer Schweickert, especialista em leste europeu do Instituto de Economia de Kiel, na Alemanha.
Concebido em 2008, o acordo propõe vantagens econômicas e comerciais para os países do leste, que abririam seu mercado consumidor para os produtos e serviços da UE. Os europeus, por sua vez, também teriam acesso a setores estratégicos da economia ucraniana, como tecnologia bélica e aeroespacial de ponta, extração de minério de ferro e produção de aço (o principal produto de exportação de Kiev). Em contrapartida, o bloco oferece apoio técnico para a consolidação de "valores comuns como a democracia, o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos, assim como os princípios da economia de mercado, o desenvolvimento sustentável e a boa governança”, como diz o texto fundador da Parceria Oriental.
“Para a UE, o acordo é uma maneira de criar um ambiente mais seguro no Oriente sem ter que admitir alguns desses Estados como membros efetivos. Os países do Oriente ganhariam garantias de Estado de Direito, respeito aos direitos humanos e democracia. Nada mal para alguns deles, que vivem ‘quase ditaduras’ sob o imperialismo russo e com crescimento econômico limitado”, explica Vedung.
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Os interesses da União Europeia
A UE negociou durante anos uma aproximação com seis ex-repúblicas soviéticas – Ucrânia, Geórgia, Moldávia, Bielo-Rússia, Armênia e Azerbaijão – mas teve suas expectativas frustradas com a não adesão dos principais países ao acordo que é chamado de Parceria Oriental. Mesmo assim, não abandonou a ideia de atrair o sexteto, para distancia-lo da Rússia. Além disso, a parceria poderia ser cozinhada em banho-maria para postergar ao máximo a integração total dos países ao bloco europeu, como aponta Rainer Schweickert, especialista em leste europeu do Instituto de Economia de Kiel, na Alemanha.
Concebido em 2008, o acordo propõe vantagens econômicas e comerciais para os países do leste, que abririam seu mercado consumidor para os produtos e serviços da UE. Os europeus, por sua vez, também teriam acesso a setores estratégicos da economia ucraniana, como tecnologia bélica e aeroespacial de ponta, extração de minério de ferro e produção de aço (o principal produto de exportação de Kiev). Em contrapartida, o bloco oferece apoio técnico para a consolidação de "valores comuns como a democracia, o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos, assim como os princípios da economia de mercado, o desenvolvimento sustentável e a boa governança”, como diz o texto fundador da Parceria Oriental.
“Para a UE, o acordo é uma maneira de criar um ambiente mais seguro no Oriente sem ter que admitir alguns desses Estados como membros efetivos. Os países do Oriente ganhariam garantias de Estado de Direito, respeito aos direitos humanos e democracia. Nada mal para alguns deles, que vivem ‘quase ditaduras’ sob o imperialismo russo e com crescimento econômico limitado”, explica Vedung.
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Os interesses da Rússia
O presidente da Rússia, Vladimir Putin
Para Evert Vedung, especialista em União Europeia e professor emérito de ciência política da Universidade de Uppsala, na Suécia, a Ucrânia está numa encruzilhada e o povo ucraniano é refém da Rússia. “Para Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia] a Ucrânia significa muito. O país foi a joia da coroa do império soviético e, anteriormente, ajudou a consolidar o império russo. Imagine lugares paradisíacos como a Criméia e cidades poderosas como Kiev. A Rússia não quer abrir mão disso”.
Vedung refere-se ao Rus de Kiev, reino do século XIII com sede na capital ucraniana e que se estendia desde os Cárpatos até o rio Volga, ao leste de Moscou. Por muito tempo, o reino foi a população eslava dominante no leste europeu e, posteriormente, formou a atual Ucrânia, a Bielo-Rússia e a própria Rússia. Para ressaltar a importância da Ucrânia para a Rússia, o historiador britânico Tony Judt relembra em seu livro Pós-Guerra, Uma História da Europa desde 1945, que “tanto Nikita Kruschev quanto Leonid Brejnev [ambos ex-presidentes da URSS] eram russos nascido cujas origens estavam no leste da Ucrânia — sendo que Kruschev voltou para lá na década de 1930 como primeiro-secretário do Partido Comunista da Ucrânia”.
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Laços de sangue
O presidente ucraniano, Viktor Yanukovich (esq), ao lado do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz
Além do interesse de Moscou em manter o país sob sua esfera de influência, há ainda outro componente importante atuando contra a vontade da maioria dos ucranianos de se aproximar da Europa, o grande número de pessoas que se identificam com a Rússia – mais de 20% da população da Ucrânia fala russo como primeiro idioma. As províncias do leste ucraniano são russófilas, com maioria absoluta de falantes de russo. O próprio atual presidente, Viktor Yanukovych, vem do extremo leste do país, foi alfabetizado em russo e aprendeu ucraniano para poder entrar na política.
Segundo Angelo Segrillo, especialista em leste europeu e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP, o conceito de nacionalidade, nos países eslavos é diferente do nosso entendimento ocidental. “No Ocidente há o predomínio do ‘jus soli’ [direito de solo], enquanto os países eslavos seguem o conceito de ‘jus sanguini’ [direito de sangue]”. Na prática, isso significa que um cidadão não precisa nascer na Rússia para se considerar um russo, basta ele ter ascendência russa. E é isso o que acontece com milhões de cidadãos ucranianos que se consideram, de fato, russos. “Para eles, o conceito de nacionalidade é bem diferente do conceito de cidadania. Perante a lei, são cidadãos ucranianos, mas comportam-se e sentem-se de nacionalidade russa”, completa o professor.
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Laços comerciais
Se as ligações históricas e culturais não fossem suficientes para a Rússia morrer de amores pela Ucrânia, o país é ainda um dos clientes mais importantes de Moscou e também abriga instalações militares e mísseis do espólio soviético. Depois da independência, em 1991, Kiev tornou-se automaticamente dependente das importações de matéria-prima provenientes da Rússia, sobretudo gás natural e petróleo. Por isso, além de ser credor da Ucrânia, a Rússia ainda a ameaça com a possibilidade de subir os preços das commodities e, em caso extremo, simplesmente cortar o fornecimento de gás – fato que já ocorreu em janeiro de 2009, em pleno inverno, quando o país mais precisava do gás para se aquecer. Só em gás, Kiev paga 16 bilhões de dólares anuais a Moscou.
Recorrendo novamente às preciosas informações do livro de Tony Judt, o historiador nos conta que “situada bem no meio das rotas de acesso da Rússia para o mar Negro (e o Mediterrâneo) e também a Europa Central, a Ucrânia era um sustentáculo da economia soviética. Contando com apenas 2,7% da superfície da URSS, o país abrigava 18% da população e gerava quase 17% do Produto Interno Bruto da União, ficando atrás apenas da própria Rússia. Nos últimos anos da União Soviética, a Ucrânia continha 60% das reservas nacionais de carvão e a maior proporção de titânio (vital para a produção de aço) da URSS; e o solo ucraniano, extremamente rico, era responsável por mais de 40% da produção agrícola soviética”.
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A ameaça da União Eurasiana
A ascensão da Rússia preocupa a União Europeia, explica a pesquisadora grega Elena Lazarou, coordenadora do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. “Depois de um período de hibernação após o fim do comunismo que estilhaçou a URSS, a Rússia está voltando a incomodar a Europa”, diz a pesquisadora.
Com históricas tendências imperialistas, a Rússia tem um projeto geopolítico ousado – construir a chamada União Eurasiana para competir com a União Europeia. “O objetivo final de ambos é o mesmo – a formação de uma zona de livre comércio que se estende de Dublin a Vladivostok. A única diferença real é que, devido ao seu tamanho, a União Eurasiana será capaz de negociar um acordo com a União Europeia em termos que são muito mais vantajosos do que os Estados individuais poderiam extrair”, escreveu Nicolai Petro, professor visitante de ciência política da Universidade de Rhode Island em Kiev, em artigo publicado no New York Times. Petro prossegue afirmando que os críticos da União Eurasiana, por seu tamanho territorial e poder, temem que “cedo ou tarde, ela vá se transformar em uma nova encarnação da URSS”.
"A nossa polícia não protege mais o povo, mas luta contra ele, o machuca e o oprime", afirmou a manifestante Valentina Gorilova, de 47 anos. Alguns dos manifestantes, com as mãos acorrentadas, se ajoelhavam em frente aos policiais como forma de deboche.
A Organização para Segurança e Cooperação na Europa, e a embaixada dos Estados Unidos em Kiev condenaram o ataque. Segundo a embaixada, "uma série de eventos similares” foram registrados nas últimas semanas contra indivíduos, propriedades e atividade política, “com o aparente objetivo de intimidar ou punir os que têm ligação com os protestos". “Violações das liberdades civis como esta são inaceitáveis e não têm espaço em uma sociedade moderna e democrática”, ressaltou comunicado da representação diplomática.
O presidente Yanukovich pediu nesta quarta-feira que a polícia encontre os responsáveis pelo ataque à jornalista. Dois homens foram presos, e a polícia disse já ter identificado um terceiro. Em um comunicado oficial, o presidente disse que “condena esta manifestação de violência” e diz que o caso deve ser resolvido e os responsáveis devem responder pelo ato.
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