Pular para o conteúdo principal

Os jogos geopolíticos de Putin

A crise na Ucrânia mostra ao presidente russo os limites de sua influência sobre Kiev

 
 
Na última vez em que a geopolítica se intrometeu numa Olimpíada, durante os Jogos de Pequim, de 2008, Vladimir Putin foi o vitorioso da crise: seu Exército castigou duramente a vizinha Geórgia, cujo governo fatalmente havia superestimado a disposição do Ocidente em intervir em seu nome. A mensagem enviada por aquela miniguerra foi clara: depois de um longo período entrincheirado, o urso russo ainda tinha apetite pelo poder político e as garras para se satisfazer.

Desta vez, os Jogos Olímpicos foram realizados em solo russo e a violência vem convulsionando uma outra nação da órbita tradicional de Moscou. No entanto, a mensagem enviada pela crise na Ucrânia é bem diferente. Até agora, os eventos de Kiev têm sido uma lição sobre os limites da influência russa e como é implausível o direito de Putin de oferecer um modelo de civilização que rivalize com o Ocidente democrático liberal.
Parece claro que tal rivalidade é o objetivo de Putin. Depois de um século em que a Rússia se definiu como poder revolucionário combatendo os capitalistas reacionários do Ocidente, o ex-agente da KGB busca um retorno do papel ideológico que sua nação desempenhou sob o comando dos czares.
Como observou Michael Dougherty na revista The Week, essa mudança em termos de atitude foi visível durante todo o período posterior ao 11 de Setembro, mas ficou nítida diante das recentes manobras domésticas de Putin - o processo por blasfêmia do grupo Pussy Riot, medidas reprimindo o direito dos gays, a retórica que compara os "valores tradicionais" da Rússia com o relativismo europeu e americano.
Significativamente, esta retórica não é apenas para consumo doméstico, mas dirigida também para o mundo em desenvolvimento. No entanto, há uma enorme diferença entre a grande estratégia de Putin e seus antepassados soviético e czarista. Os czares desejavam criar uma "Aliança Sagrada" para defender o velho regime. A Rússia atual, porém, brutalizada pelo comunismo e, posteriormente, controlada por oligarcas e trapaceiros, não é uma sociedade tradicional no sentido do termo e a única coisa que comunga com muitos dos seus aliados no mundo em desenvolvimento é o desprezo pelas normas democráticas. Na era dos Romanov, a ideia conservadora do trono e o altar ainda tinha legitimidade política. No entanto, não há nenhum direito comparável que Putin possa reivindicar para sua própria autoridade.
Não quer dizer que o enfoque geopolítico de Putin seja totalmente absurdo. Pelo contrário, com frequência ele pratica o grande jogo geopolítico com mais eficiência do que americanos e europeus. Contudo, a fraqueza da Rússia é a corrupção do governo e a falta de atrativo do seu suposto tradicionalismo. É o que observamos no caso da Ucrânia. Apesar dos equívocos cometidos pela UE, Putin luta para ganhar uma batalha de influência num país em que tanto os Romanov como os soviéticos dominaram com facilidade.
Essa luta é particularmente reveladora, uma vez que a recessão expôs a União Europeia como uma instituição totalmente desgovernada, cujas loucuras relegaram muitos dos seus Estados ao caos econômico. No entanto, mesmo esse fato não convenceu a maioria dos ucranianos a acatar com entusiasmo o abraço de Moscou. É preciso muito mais do que um mau governo para tornar a alternativa autoritária oferecida por Putin mais atraente do que o projeto europeu.
Num paralelo interessante, vale analisar o que vem ocorrendo do outro lado do mundo, onde o laboratório que Hugo Chávez criou para a revolução bolivariana vem descambando para o mesmo tipo de violência que vemos na Ucrânia. Do mesmo modo que o tradicionalismo de Putin, a tese neossocialista de Chávez teve por objetivo contestar a ordem mundial liderada pelos EUA.
A lição em ambos os casos não é que a civilização liberal do período moderno tardio mereça predominar sem contestação. Mas, 25 anos após a Guerra Fria, de Kiev a Caracas, ainda não há alternativa plausível.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular