Pular para o conteúdo principal

Contra China, Japão busca se rearmar

Premiê Shinzo Abe defende abandono da Constituição pacifista e criação de Forças Armadas regulares para conter hegemonia chinesa

 
 
TÓQUIO - Depois de quase 70 anos de orientação defensiva, as forças militares do Japão estão prestes a assumir um papel potencialmente belicista para conter a hegemonia da China no Extremo Oriente e as ameaças de ataques da Coreia do Norte.

Empenhado em conferir ao Japão Forças Armadas com poderes reais, o primeiro-ministro nacionalista, Shinzo Abe, promete levar seu objetivo às últimas consequências, mesmo que para isso tenha de atropelar a Constituição pacifista escrita no pós-guerra e em vigor desde 1947. As ameaças, justifica seu gabinete, tendem a crescer na região enquanto o Japão continuar de mãos atadas.
Abe não está sozinho nessa empreitada. Os EUA vêm discretamente apoiando há mais de 15 anos a mudança constitucional para converter as Forças de Autodefesa japonesas em Forças Armadas preparadas para o ataque, segundo Christopher Nelson, especialista em Ásia da consultoria Samuels International, de Washington. "Os EUA precisam do Japão com autorização legal para se defender e a seus aliados. Ninguém acredita de verdade que o Japão se torne um país agressor na região, como a China vem propagando."
O aval para Abe seguir adiante deve ser dado pelo presidente americano, Barack Obama, durante visita a Tóquio nos dias 22 e 23 de abril. Os EUA mantêm três bases militares em solo japonês - Camp Zama, em Tóquio, e Fort Buckner e Torii Station, ambas em Okinawa - e sua 7.ª Frota ronda o arquipélago.
No entanto, os americanos estão cientes de que, mesmo com o reforço de suas posições no Oriente e na Austrália, não conseguirão conter sozinhos eventuais avanços da China. Washington recebe apelos incessantes das Filipinas e do Vietnã em razão das ameaças de Pequim e está observando os movimentos chineses em torno das ilhas Senkaku/Diaoyu.
Até a chegada de Obama, Abe terá recebido de um comitê de especialistas seu relatório sobre como reinterpretar o Artigo 9.º da Constituição. O texto impõe claras restrições às forças militares nacionais do Japão ao mencionar que o povo japonês "renuncia para sempre da guerra como um direito soberano e a ameaça ou uso da força como meio de solução de disputas internacionais". Para endossar esse objetivo, de acordo com o artigo, "não serão mantidas forças de terra, naval e aérea". "O direito de beligerância do Estado não será reconhecido."
Integrante do comitê, Shinichi Kitaoka, da Universidade do Japão, informou que o relatório final permitirá às Forças de Autodefesa, sob a nova interpretação da Constituição, defender países aliados e nações amigas se houver um pedido formal e se os interesses japoneses nesses locais estiverem ameaçados. Abe, por sua vez, afirmou no Comitê de Orçamento da Câmara dos Deputados que sua condição de primeiro-ministro eleito lhe confere autoridade para adotar uma nova interpretação da Constituição. A declaração assustou líderes, incluindo em seu partido, o Liberal Democrático. A alternativa legal seria obter apoio de mais de dois terços da Câmara e do Senado a uma emenda constitucional e, depois, a maioria dos votos em referendo.
O Japão do século 21 se vê em situação bem diferente à vivenciada no fim dos anos 40. A China, reconhecida como potência nuclear no século passado, aumentou suas pressões militares sobre o Japão e outros países com os quais trava disputas territoriais - Malásia, Filipinas, Vietnã, Brunei, Indonésia e Taiwan. Sob proteção chinesa, a Coreia do Norte ameaça a Coreia do Sul, o Japão e os EUA com seus testes de mísseis e de ogivas nucleares.
As desérticas ilhas Senkaku/Diaoyu, formações rochosas rodeadas por reservas petrolíferas reivindicadas por Pequim e Tóquio, estão no centro da tensão mais recente entre Japão e China. Esse atrito acentuou-se em novembro, quando os chineses anunciaram sua nova Zona de Identificação de Defesa Aérea do Mar da China Oriental, cujo traçado envolve Senkaku/Diaoyu e uma ilha sul-coreana.
Guerra. Abe, empossado no mês seguinte, criou o Conselho de Segurança Nacional e determinou a elaboração de uma estratégia de defesa. Em janeiro, valeu-se do Fórum Econômico Mundial de Davos para fazer um alerta sobre o expansionismo chinês, com o cuidado de não mencionar o nome do país rival.
"Temos de conter a expansão militar na Ásia, que pode se tornar incontrolável. Se a paz e a estabilidade estiverem abaladas na Ásia, o efeito dominó será enorme no mundo todo. Os ganhos com o crescimento asiático não podem ser desperdiçados com a expansão militar."
O problema está no fato de o Japão ser visto com desconfiança no Sudeste e Leste da Ásia, com a ocupação japonesa na 2.ª Guerra ainda fresca na memória. Segundo Kerry Brown, da Universidade de Sydney, essas atitudes afetam ainda mais a confiança dos vizinhos asiáticos. "Por razões simbólicas, ter o Japão com uma força militar mais ativa deixará muita gente ansiosa na região", afirmou Brown.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular