Cristina Kirchner:
problemas com credores em momento turbulento no país (Alejandro Pagni/AFP)
Argentina pode estar próxima de uma nova moratória
Justiça de Nova York determina que
o país pague em dezembro US$ 1,3 bi em dívidas ao fundo NML Capital, além dos
US$ 3,3 bi que vencem no mesmo mês
Além de pagar 3,3 bilhões de dólares em títulos
com vencimento em 15 de dezembro, a Argentina terá de desembolsar um adicional
de 1,3 bilhão de dólares a credores de um fundo que não aceitaram negociar uma
dívida com o governo do país – débito, aliás, que remonta ao calote dado por
Buenos Aires em 2001. A decisão foi tomada nesta quarta-feira pelo juiz federal
Thomas Griesa, da corte de Nova York, nos Estados Unidos. De acordo com o jornal
Financial Times, o acréscimo deste valor ao montante que deve ser pago
no mês que vem pode significar uma nova declaração de moratória pelo governo
argentino. Os maiores jornais locais, o
Clarín e o
La Nación,
ecoaram o mesmo alerta (
confira a repercussão) – mais um problema para a
presidente Cristina Kirchner, que vem enfrentando protestos e greves de uma
população cada vez mais insatisfeita com sua gestão.
Depois do calote dado em 2001 (
veja lista das maiores moratórias da
história), o governo argentino negociou com seus credores a troca
de títulos inadimplentes por outros com vencimentos futuros. As trocas foram
feitas em 2005 e em 2010. Com isso, o país conseguiu reestruturar em torno de
93% destes papeis. No entanto, credores do fundo NML Capital, com sede nas Ilhas
Cayman, não aceitam a proposta de Buenos Aires e exigem o pagamento da dívida.
No final de outubro, em um movimento de pressão para que a Argentina honre sua
dívida, credores do fundo conseguiram que o governo de
Gana
autorizasse o confisco de uma fragata argentina até que o país efetue o
pagamento.
Cem anos de moratórias
Alemanha, 1931
Falência de bancos na Alemanha durante a
crise de 1929
O calote da Alemanha, decretado em 1931, é considerado até hoje um dos
maiores da história. Após a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes –
acordo de paz assinado em 1919 pelas potências europeias e que pôs fim ao
conflito – exigiu que o país pagasse reparações em ouro às nações aliadas. Com a
economia arrasada pela guerra, a Alemanha teve, ao longo de toda a década de
1920, de se endividar profundamente para conseguir honrar ao menos parte desse
compromisso – tomando empréstimos, sobretudo, dos Estados Unidos. Quando a crise
financeira de 1929 chegou, o país já estava sem liquidez para conseguir pagar a
dívida externa e vivia um momento de hiperinflação. O endividamento excessivo
fez com que as contas públicas entrassem em colapso em 1931. A moratória foi
decretada, causando enormes prejuízos aos EUA e à economia mundial. O país devia
70 bilhões de marcos, o equivalente a 98% de seu Produto Interno Bruto (PIB)
daquele ano. Devido à situação caótica em que a Alemanha se encontrava (levando
consigo toda a Europa Central), as reparações pelos danos da Primeira Guerra
foram perdoadas em 1932, na Conferência de Lausane.
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Alemanha, 1931
Falência de bancos na Alemanha durante a
crise de 1929
O calote da Alemanha, decretado em 1931, é considerado até hoje um dos
maiores da história. Após a Primeira Guerra Mundial, o Tratado de Versalhes –
acordo de paz assinado em 1919 pelas potências europeias e que pôs fim ao
conflito – exigiu que o país pagasse reparações em ouro às nações aliadas. Com a
economia arrasada pela guerra, a Alemanha teve, ao longo de toda a década de
1920, de se endividar profundamente para conseguir honrar ao menos parte desse
compromisso – tomando empréstimos, sobretudo, dos Estados Unidos. Quando a crise
financeira de 1929 chegou, o país já estava sem liquidez para conseguir pagar a
dívida externa e vivia um momento de hiperinflação. O endividamento excessivo
fez com que as contas públicas entrassem em colapso em 1931. A moratória foi
decretada, causando enormes prejuízos aos EUA e à economia mundial. O país devia
70 bilhões de marcos, o equivalente a 98% de seu Produto Interno Bruto (PIB)
daquele ano. Devido à situação caótica em que a Alemanha se encontrava (levando
consigo toda a Europa Central), as reparações pelos danos da Primeira Guerra
foram perdoadas em 1932, na Conferência de Lausane.
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Itália, 1940
Soldados italianos aguardam discurso de
Benito Mussolini sobre a guerra
A guerra também foi a razão do calote da dívida italiana na década de 1940. O
país se recuperava lentamente das perdas do início da década passada, quando a
Segunda Guerra Mundial começou, em 1937. Quando a Itália aderiu ao conflito, já
em 1940, sua economia havia adquirido alguma estabilidade. No entanto, os gastos
astronômicos com a campanha militar, à altura da sandice do ditador Benito
Mussolini, desestabilizaram de vez as contas públicas. A situação tornou-se
crítica com a derrota do Eixo (aliança da qual fazia parte junto com o Japão e
que era encabeçada pela Alemanha). O calote da dívida italiana durou entre 1940
e 1946 e a situação só foi revertida pelo Plano Marshall colocado em prática
pelos Estados Unidos – que cedeu empréstimos para a reconstrução dos países
europeus. Apesar de ter sido criado para beneficiar os países da Europa
Ocidental, como França e Inglaterra, o plano foi estendido e permitiu, não só o
milagre econômico alemão, mas também a recuperação da Itália.
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México, 1982
Posto de gasolina da Pemex na cidade do
México
Principal parceiro comercial dos Estados Unidos nas Américas, o México
desfrutou de crédito internacional abundante ao longo dos anos 1970. No final da
década, a indústria petrolífera local – importante fonte de arrecadação de
impostos – sofreu com a queda dos preços da commodity no mercado internacional.
Este fator, aliado ao excessivo endividamento e à má gestão das finanças
públicas, fez com que o país se tornasse insolvente no início dos anos 1980. A
gota d’água para que irrompesse a crise veio de um plano de austeridade adotado
pelo governo americano para conter pressões inflacionárias. De 1979 a 1987, os
EUA não só aumentaram os juros de 3,5% para 10% ao ano, como também reduziram as
linhas de crédito aos países da região. Assim, o México (e as demais nações
devedoras) viu-se obrigado a arcar com taxas mais altas, além de pagar mais para
adquirir dólares necessários ao serviço da dívida. Assim, quando resolveu
declarar o calote, a dívida mexicana era de mais de 80 bilhões de dólares.
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Chile, 1982
Augusto Pinochet durante uma aparição
pública
O Chile experimentou ao longo da década de 1970, sob a ditadura do general
Augusto Pinochet, um processo de abertura econômica e forte desenvolvimento –
financiado, sobretudo, por capital americano. Com o aumento das taxas de juros
nos Estados Unidos, a partir de 1979, a rolagem da dívida dos países
latino-americanos – incluindo o Chile – tornou-se insustentável. A derrocada
veio com o calote do México, em 1982, que fez com que uma nuvem da desconfiança
se instalasse sobre toda a região, gerando um arrefecimento jamais visto na
oferta de crédito internacional. Tal como seus vizinhos, o Chile viu sua
economia tornar-se insolvente e devastada. Em 1982, houve ainda uma grave crise
bancária, que afetou 11% do Produto Interno Bruto (PIB). A situação foi piorada
pela política cambial chilena, que, três anos antes, havia estabelecido o câmbio
fixo ao dólar. Com a insolvência geral, a moeda teve de ser desvalorizada. O
governo de Pinochet declarou, então, calote por 90 dias nos compromissos da
dívida soberana do país, que alcançava 17 bilhões de dólares.
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Polônia, 1982
Estudantes em manifestação pela democracia
na Polônia
A Polônia atravessou, ao longo da década de 1980, forte crise econômica
causada por uma conjunção de fatores. A primeira delas foi a dependência da
União Soviética, o bloco das repúblicas socialistas da Europa que entrou em
crise justamente neste período até sua derrocada em 1991. Somam-se a isso uma
política fiscal ineficiente – um estado corrupto e gastador – e um choque de
preços no mercado internacional. A economia polonesa desembocou, então, num dos
piores quadros de hiperinflação do continente europeu. Em 1989, a elevação de
preços alcançou 244%. Estava dada a receita para a perda de riqueza da população
e queda na produção, com consequente declínio da arrecadação de impostos.
Durante a década, o país deixou de honrar diversas vezes com o pagamento de sua
dívida. A primeira foi em 1982, quando a dívida chegou a 25 bilhões de dólares.
Na época, o país declarou calote no pagamento de 1 bilhão de dólares em títulos
americanos. Segundo um estudo da economista Carmen Reinhart, da Universidade de
Maryland, os sucessivos calotes da Polônia perduraram até 1994. No entanto, o
contexto político teve forte influência para que os Estados Unidos continuassem
apoiando os poloneses. No final da década de 1980, o país estava preste a sair
da União Soviética, que então rivaliza com os EUA, e passava por um processo de
redemocratização, em um movimento que recebeu apoio maciço do governo
americano.
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Brasil, 1987
Ex-ministro Dilson Funaro em pronunciamento
no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo
Afetado pela crise da dívida dos países latino-americanos, que restringiu e
encareceu o crédito internacional, o governo brasileiro sofria para administrar
a hiperinflação. Em 1986, o então presidente José Sarney deu sinal verde para
que o então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, pusesse em prática um abrangente
plano econômico: o Plano Cruzado, que congelou preços e salários, alterou a
moeda vigente, entre outras medidas. A ideia era conter a alta dos preços,
reorganizar as finanças públicas e, assim, escapar de uma moratória. Naquele
mesmo ano, Funaro chegou a um entendimento com os bancos privados para
renegociar o endividamento do país. No entanto, para surpresa geral, o ministro
mudou de ideia e, em 20 de fevereiro de 1987, o presidente Sarney anunciou a
suspensão dos pagamentos aos credores da dívida brasileira – que remontava a
mais de 100 bilhões de dólares. A medida foi unilateral, contenciosa e, hoje,
tida como irresponsável porque o país possuía condições para seguir em
negociação. Anos depois, o presidente José Sarney admitiu: “O certo era ter
chamado os bancos para negociar”. A dívida do Brasil só conseguiu ser
completamente reestruturada no final de 1993, por Fernando Henrique Cardoso, no
Ministério da Fazenda, e Pedro Malan, na presidência do Banco Central.
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Rússia, 1998
O ex-presidente russo, Boris Yeltsin
A transição política na Rússia, após o colapso da União Soviética, trouxe
sequelas econômicas. Com o processo de abertura, as principais empresas estatais
foram parar nas mãos de famílias influentes – o que colocou o país nas mãos de
poderosos oligarcas com pouca habilidade de gestão. Este fator se somou à
depreciação da moeda local, o rublo, após a crise dos Tigres Asiáticos (em
1997), e à queda do preço do petróleo, um dos principais pilares da economia
russa. Em 1998, o país, então liderado por Boris Ieltsin, tinha de arcar com
compromissos de parte da dívida interna de 32 bilhões de dólares em títulos com
vencimento até o final de 1999. Além disso, havia os juros de uma dívida de 40
bilhões de dólares das empresas privadas russas. Sem vislumbrar uma saída,
Ieltsin anunciou o calote em setembro de 1998, causando transtorno no mercado
internacional e desencadeando uma crise de confiança em relação aos países
emergentes – com o Brasil no topo da lista.
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Argentina, 2001
Manifestantes em protesto contra o FMI na
Argentina
Autora do maior calote da história, a Argentina anunciou o não pagamento de
sua dívida de 150 bilhões de dólares em dezembro de 2001. A medida havia sido
preparada no governo do presidente Fernando de la Rúa, que renunciou antes do
anúncio. A divulgação coube ao recém-empossado presidente Adolfo Rodríguez Saá,
que durou apenas sete dias no poder. A medida instaurou o caos imediato nas
economias latino-americanas. Felizmente, o Brasil – que recuperava sua
credibilidade junto aos investidores internacionais após sucessivas crises nas
décadas anteriores – sofreu menor impacto. Na proposta de renegociação de sua
dívida externa, o governo argentino dispôs-se a pagar apenas 30% do total. Aos
investidores que viram seu capital virar pó, não restou nada além de aceitar a
oferta. No ano seguinte ao calote, o Produto Interno Bruto (PIB) argentino
recuou 11%. Uma nova ameaça de moratória ocorreu em 2004, mas não chegou a se
concretizar. Até hoje, o país está em um radar nada honroso dos investidores.
Segundo a consultoria CMA, a Argentina é o sexto país com maior probabilidade de
anunciar um calote num prazo de cinco anos.
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Equador, 2008
Rafael Correa, presidente do Equador,
dentro do jato Legacy 600
Desde que assumiu a presidência do Equador, em 2006, Rafael Correa já
ameaçava dar o calote na dívida externa. Em novembro de 2008, em reação à sua
baixa popularidade no país, o presidente decidiu colocar a proposta em prática.
Adepto da ideologia esquerdista de que o capital estrangeiro está na raiz dos
males da economia, Correa usou o calote como forma de mostrar reação a uma
suposta tentativa de neocolonialismo. O Equador havia anunciado moratórias em
1999 e em 2001. Sua dívida total, em 2008, era de 10 bilhões de dólares – ou 25%
de seu Produto Interno Bruto (PIB). A proporção é baixa se comparada à de outros
países – a Argentina acumulava uma dívida de 150% do PIB quando deu o calote, em
2001. Um dos principais credores da dívida equatoriana era o Brasil, sobretudo o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que havia liberado
um crédito de mais de 200 milhões de dólares para a hidrelétrica de San
Francisco, construída pela Odebrecht. O país vizinho passou a alegar problemas
na obra para justificar o súbito não pagamento. O conflito diplomático gerado
culminou com a saída do embaixador brasileiro de Quito, Antonio Porto – que só
reassumiu seu posto em 2009, quando Correa voltou a negociar com o BNDES. No
mesmo ano, o presidente equatoriano também conseguiu renegociar com os demais
credores internacionais. No ano do calote, curiosamente, as finanças do Equador
não foram ‘problema’ para que Correa comprasse um jato Legacy 600 novinho em
folha, fabricado pelo Embraer, por 30 milhões de dólares.
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Dubai, 2009
Arranha-céu Burj, em Dubai
O mercado financeiro se assustou quando, em novembro de 2009, a holding
estatal Dubai World anunciou o calote de uma dívida de 14,2 bilhões de dólares
junto a credores externos. O risco de insolvência no paraíso do luxo localizado
no Oriente Médio afetou a credibilidade de nações que despontavam na região,
como o Catar e os Emirados Árabes. A principal causa da dificuldade em honrar o
pagamento foi a especulação imobiliária ocorrida no país, que era financiada por
dinheiro proveniente de Wall Street. Sem dinheiro para financiar os megaprojetos
de infraestrutura, o país pediu moratória de seis meses. No entanto, quatro
meses após o pedido, a Dubai World veio a público informar que pagaria 100% de
sua dívida com a ajuda do governo do país.
Impedimento – A decisão da Justiça americana determina ainda
que o país não pode pagar os 3,3 bilhões de dólares aos credores que aceitaram
renegociar sua dívidas (a vencerem no próximo mês) e ignorar o débito dos
credores do NML. De acordo com o juiz Griesa, o pagamento deve ser efetuado com
urgência. "Quanto menos tempo for dado à Argentina, menos tempo ela terá para
planejar evasões e maior a segurança contra uma evasão maior", escreveu em sua
sentença. A decisão foi tomada em resposta à declaração feita por Cristina
Kirchner, em 26 de outubro, de que não daria "nem um dólar aos abutres", como se
refere a esse fundo de credores.
A Argentina prosseguirá com sua estratégia de apelação da decisão do tribunal
e ameaça levar a batalha legal à Suprema Corte dos Estados Unidos. Segundo o
ministro da Economia argentino, Hernán Lorenzino, o juiz Thomas Griesa não tem
autoridade para decidir em um caso aberto por credores que se recusaram a
participar de duas reestruturações da dívida do país. Ele descreveu o veredito,
em coletiva de imprensa nesta quinta, como "colonialismo legal".
Jornais – A decisão do juiz norte-americano ganhou
destaque nos principais jornais argentinos. No
Clarín, o colunista de
economia, Daniel Fernández Canedo, enumera na análise intitulada "Chaves de uma
decisão que deixa o país em uma nova encruzilhada" todos os pontos da decisão de
Griesa e alerta que os analistas de mercado esperam, de fato, um novo calote. Em
um dos pontos, o articulista diz que o governo deverá avaliar se deve depositar
em juizo os 1,3 bilhão de dólares que deve aos chamados "fundos abutres". Ele
alerta a presidente Cristina e sua equipe de que, a depender do como resolvam
agir, os custos para a Argentina serão muito altos. "Tanto a YPF quanto as
principais empresas do país precisam de financiamento a taxas de juros mais
baixas possíveis. Uma estratégia de enfrentamento duro subiria ainda mais o
custo do dinheiro para o país", destaca a coluna.
Segundo o jornal
La Nación, o ministro Hernan Lorenzino disse que
pagar os tais "abutres" é injusto e ilegal, de acordo com normas internas do
país. O jornal critica a maneira como a Casa Rosada trata os credores,
classificando-os "uma raça especial e maginal do sistema financeiro que têm como
objetivo a pura especulação". No jornal espanhol
El País, a decisão da
corte norte-americana também chamou a atenção para o risco de uma nova
moratória: "Um juiz dos Estados Unidos pôs a Argentina a beira de um calote
técnico".
Mercados — A resolução da Justiça americana teve impacto
imediato no mercado financeiro local. De acordo com o Clarín, os títulos da
dívida pública argentina tiveram queda de 13,58% na bolsa de valores. Já o
índice Merval da Bolsa de Buenos Aires fechou o pregão desta quinta em forte
baixa de 3,33%, aos 2 242,40 pontos. No mercado de câmbio, o preço do dólar
subiu levemente e fechou a 4,78 pesos para compra e a 4,83 pesos para venda.
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