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Submetidos a impostos, cristãos relatam tensão com islâmicos radicais 

Cobrança provocou revolta entre muçulmanos seculares e cristãos coptas 

Quando um comboio de mais de uma dezena de veículos blindados da polícia e do Exército egípcio entrou em Dalga, no último dia 16, certo alívio tomou conta da minoria cristã e de muçulmanos moderados da cidade de 120 mil habitantes. Dalga, a 300 km ao sul da capital Cairo, é um dos redutos da Irmandade Muçulmana e testemunhava protestos diários de simpatizantes do presidente deposto Mohamed Mursi. A cidade se tornou notícia depois que ativistas denunciaram o pesadelo vivido pela comunidade cristã ao ser obrigada a pagar uma taxa de “submissão” a islâmicos radicais.
“A população cristã da cidade vinha pedindo ajuda a um bom tempo, mas autoridades no Cairo relutavam em agir por medo de provocar mais violência, já que a área é um bastião de islamitas no interior do país”, disse, em entrevista ao site de VEJA o ativista Ishtar Iskandar, da organização Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais.
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Desde julho, segundo a imprensa egípcia, membros e apoiadores da Irmandade Muçulmana tomaram o controle da cidade, intimidando autoridades locais e muçulmanos moderados. Os islâmicos radicais também passaram a pressionar cristãos a pagarem uma taxa conhecida como jizya, recorrendo a uma prática que remonta há séculos, quando o imposto era pago a líderes locais islâmicos por quem não se convertesse ao Islã. A jizya era paga por não muçulmanos dominados “para que sua existência fosse assegurada”, afirmou o jornal The Washington Times, em reportagem recente.
Segundo ativistas, os cerca de 20 000 cristãos de Dalga se viram acuados e forçados a pagar a taxa, já que polícia e autoridades locais pouco faziam para garantir sua segurança. A tensão entre islâmicos radicais e cristãos aumentou depois do golpe contra Mursi. Muitos islamitas acusam os cristãos de estarem por trás da derrubada do membro da Irmandade Muçulmana, que havia sido eleito em junho do ano passado. No Cairo e em Alexandria, cristãos e muçulmanos seculares se uniram para defender igrejas, orfanatos, casas e lojas contra ataques de radicais. Em Dalga, autoridades e ativistas acusam os radicais de incendiarem cerca de vinte igrejas e casas, usando até sprays para marcar estabelecimentos comerciais pertencentes a cristãos. “Muitas famílias coptas fugiram de Dalga devido à pressão psicológica a que estavam sendo submetidas. Alguns dos muçulmanos que se opuseram ao tratamento dado aos cristãos também tiveram de abandonar suas casas e fugir”, salientou Iskandar.
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Taxa variava – Por telefone, o comerciante cristão Hani, morador de Dalga, disse ao site de VEJA que sua loja foi marcada com spray vermelho. “Eles pintavam um crucifixo para identificar os locais onde voltariam depois para coletar o imposto. Essas pessoas não são muçulmanos, são bandidos, uma gangue de criminosos que mancham a imagem do Islã”, acusou Hani, que pediu que seu sobrenome não fosse divulgado, por medo de represálias.
Segundo o comerciante, desde que Mursi foi deposto a população cristã de Dalga se vê em meio a um fogo cruzado entre radicais simpatizantes do ex-presidente e autoridades. “A ira dos apoiadores de Mursi se voltou contra os cristãos. Na rua, ouvi xingamentos de islamitas que me acusavam de apoiar o golpe. E, quanto mais tentávamos argumentar, pior ficava”.
A dona de casa cristã Miriam contou que ir à igreja passou a ser algo arriscado nos últimos meses. “O padre mesmo pediu para que evitássemos a igreja em certos dias, temendo pela segurança das pessoas”.
Ela confirma a cobrança da jizya. “Quando os islamitas assumiram o controle da cidade, faziam várias declarações absurdas, mas nós jamais imaginávamos que voltaríamos ao passado distante e seríamos obrigados a pagar um imposto por sermos minoria. Até amigos muçulmanos ficaram chocados com a lei”, disse. “Quase todos os dias eles vinham coletar o dinheiro, cerca 200 libras egípcias (65 reais). Se nos recusássemos a pagar, éramos ameaçados”.
Falando a jornalistas, o padre Yunis Shawqi, conhecido clérigo de um monastério em Dalga, disse que o valor da taxa variava, dependendo da área da cidade, mas que o valor chegava até 500 libras egípcias (160 reais). Ele afirmou que aproximadamente 140 famílias coptas foram obrigadas a pagar, diariamente, 200 libras egípcias. Outras quarenta famílias, segundo ele, teriam deixado a cidade por se recusarem a pagar o imposto. O monastério do padre Shawqi foi destruído no dia 3 de julho, dia da deposição de Mursi, por supostos membros da Irmandade Muçulmana.
Crimes – Segundo jornais locais, dois funcionários públicos cristãos – que eram da mesma família – foram mortos a tiros por se recusarem a pagar a taxa. O assassinato teria sido responsabilidade de um grupo criminoso, cujo chefe tem antecedentes criminais. “No caso dos dois primos, a gangue era muçulmana. Mas estamos falando de criminosos com antecedentes de violência contra outras pessoas, tanto muçulmanas quanto cristãs”, enfatizou Iskandar, fazendo uma distinção entre gangues criminosas e perseguições de cunho religioso.
Cristãos coptas representam cerca de 10% da população de mais de 80 milhões no Egito. Durante sucessivos governos, a comunidade cristã acusou os governantes de discriminação e de pouco se esforçar para coibir atos de violência. No início deste mês, ativistas, jornalistas e políticos muçulmanos e cristãos enviaram uma carta ao governo interino do Egito pedindo ações mais efetivas para proteger a comunidade cristã, principalmente em regiões mais pobres do interior do país.
A repercussão negativa das notícias sobre a situação dos cristãos em cidades menores levou o governo temporário a lançar uma ofensiva. Em Dalga, helicópteros sobrevoaram a cidade no último dia 16. De acordo com o governo, os islamitas ofereceram pouca resistência. Mas cartazes do ex-presidente Mursi continuam espalhados pela cidade. E os cristãos que moram na cidade, embora mais aliviados, não demonstram entusiasmo com a presença do Exército. “Eu, assim como meus parentes e amigos, achamos que a sensação de segurança vai durar pouco. Os radicais têm influência muito forte por aqui. Acredito que outras famílias cristãs devem se mudar da cidade. Eu mesmo não sei até quando posso aguentar essa pressão”, desabafou o cristão Hani.

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