Uma perigosa disputa na Ásia
Reivindicação japonesa por grupo de ilhas rochosas abre possibilidade de Washington ser arrastado para conflito
Quando a flotilha de 21 barcos de pesca chegou a um grupo de ilhas que está
no centro de uma disputa territorial cada vez mais intensa com a China, os
capitães alertaram dezenas de ativistas e políticos a bordo para que não
tentassem desembarcar.
De qualquer maneira, dez dos ativistas pularam na água infestada de tubarões, nadando até a costa e içando a bandeira japonesa, num ato que evoca lembranças dolorosas das incursões do Japão no século 20 pela Ásia.
"Achamos que estão nos arrastando para um incidente internacional", disse Masanori Tamashiro, capitão de um dos barcos que fez uma viagem de oito horas para os desabitados rochedos a noroeste de Ishigaki, conhecidos como Senkakus no Japão e Diaoyu na China.
Esse é um sentimento compartilhado em todo o Japão, onde um pequeno grupo de nacionalistas tem pressionado para que o país aja com mais audácia para conter a explosiva ascensão econômica da China e da Coreia do Sul e as ambições territoriais chinesas.
Os nacionalistas têm conseguido adesões à sua causa nos últimos meses, beneficiados pela fraqueza política do governo, o que vem forçando o partido no poder a assumir uma posição mais firme sobre as ilhas. Mas eles também se aproveitam da inquietação generalizada dos japoneses com relação à China e a disputa envolvendo as Senkakus tornou-se um detonador internacional em potencial, levando à possibilidade de que os Estados Unidos, há longo tempo defensores do Japão, possam ser empurrados para o conflito.
O temor dos japoneses intensificou-se há dois anos, durante o último e violento embate sobre as ilhas, quando a China, em retaliação à prisão do capitão de um barco de pesca pelo Japão, privou o país da matéria-prima necessária para sua indústria eletrônica já em dificuldades.
Essa inquietação ficou mais pronunciada nos últimos meses em razão da China expandir suas reivindicações a mais de 40 ilhas no vizinho Mar do Sul da China, desafiando o Vietnã, as Filipinas e outros, além de corroborar suas alegações com medidas agressivas, tendo enviado enormes barcos de patrulha para a região.
No Japão pacifista não existe muita disposição para um confronto de grande porte com a China. Mas, segundo analistas, há um consenso crescente de que é preciso conter a China à medida que, na região, vai se deteriorando o poder dos EUA e de um Japão que economicamente está desaparecendo.
"Estamos todos nos preparando para uma luta decisiva na região", disse Narushige Michishita, especialista em assuntos de segurança no National Graduate Institute for Policy Studies, em Tóquio. "Quando a distribuição do poder muda de uma maneira tão drástica, as pessoas começam a redesenhar limites."
É isso exatamente o que está ocorrendo no Mar do Sul da China, que tem atraído mais atenção internacional do que as batalhas territoriais do Japão. Mas especialistas afirmam que essa guerra de palavras cada vez mais intensa entre Japão e seus vizinhos do Leste Asiático, incluindo China e Coreia do Sul, é potencialmente mais explosiva. Ao contrário das disputas no Mar do Sul da China, que envolvem uma competição por recursos naturais, a briga pelas ilhas no Leste da Ásia tem mais a ver com a história, tem raízes num persistente sentimento de rancor - que pode se inflamar facilmente - pelo domínio brutal do Japão sobre seus vizinhos em décadas passadas.
Tais sentimentos ficaram expressos no fim de semana, quando centenas, possivelmente milhares, de chineses, realizando protestos tolerados pelo governo, foram às ruas em diversas cidades para denunciar a reivindicação japonesa sobre as ilhas.
"As apostas são muito mais altas no Leste da Ásia porque são países importantes muito próximos e os conflitos são mais diretos e carregados de emoção", afirma Kent Calder, diretor do Edwin O. Reischauer Center for East Asian Studies, na Johns Hopkins University.
Potencialmente, as ramificações para os Estados Unidos também são mais preocupantes, dizem os analistas. Os Estados Unidos insistem para Japão e Coreia do Sul assumirem mais o ônus de se defenderem contra China e Coreia do Norte, mas o recente impasse sobre as ilhotas que se colocam entre eles contribuíram para a decisão da Coreia do Sul de renunciar a um acordo para compartilhar inteligência militar com o Japão.
Um risco maior, embora remoto, para os Estados Unidos, é de que o país seja arrastado para um conflito armado entre China e Japão, que os americanos são obrigados a defender por força de um tratado.
"Existe uma possibilidade real de que, se a diplomacia fracassar, ecloda uma guerra", afirma Kazuhiko Togo, ex-diplomata que tem escrito artigos sobre a questão das ilhas.
A atual disputa entre Japão e China foi iniciada pelo governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, grande defensor de causas conservadoras. No primeiro semestre deste ano, ele afirmou que gostaria que Tóquio comprasse as ilhas do seu proprietário atual, um cidadão japonês, para melhor se defender da China. Sob pressão para não parecer fragilizado antes das eleições, o premiê japonês, Yoshihiko Noda, rapidamente declarou que o governo central compraria as ilhas. Isso provocou represálias por parte de ativistas de ambos os países.
Primeiro, ativistas de Hong-Kong desembarcaram na última semana em Uotori, a maior das ilhas em disputa, e estavam entre os 14 chineses presos pelo Japão e rapidamente deportados. Então, os nacionalistas japoneses retaliaram, desembarcando na mesma ilha no domingo.
Num sinal do quanto é pequeno o círculo de ativistas japoneses, um dos oito parlamentares na flotilha, Eriko Yamatani, do Partido Democrático Liberal, de oposição, também fez parte de um recente episódio que ajudou a dar início à mais recente disputa entre Coreia do Sul e Japão pelas ilhas.
A flotilha partiu da Ilha de Ishigaki, ao sul de Okinawa, que fica cerca de 130 quilômetros das Senkakus. Yoshiyuki Toita, de 42 anos, membro da Câmara de Vereadores de Ishigaki, foi um dos poucos moradores locais que se juntaram à expedição. "O Japão chegou a um ponto que precisa mudar", disse ele. "A era em que só dependemos dos Estados Unidos acabou."
Mesmo assim, ele concorda com a opinião dominante, de que o Japão precisa se ligar mais estreitamente aos Estados Unidos. Mas o governo do Japão adotou pelo menos algumas medidas, mostrando sua disposição de rechaçar a China. Uma pesquisa de opinião realizada em outubro indicou uma crescente apreensão, com mais de 70% dos japoneses afirmando não ter "sentimentos de amizade" em relação à China.
Tais sentimentos já se fazem sentir em Ishigaki, que faz parte de Okinawa, onde um profundo pacifismo nasceu do forte ressentimento contra o Exército Imperial Japonês que forçou civis a cometerem suicídio durante a 2.ª Guerra Mundial - e também contra a presença de tropas americanas na região após a guerra.
À medida que navios de guerra e barcos de patrulha chineses têm navegado com mais frequência nas águas próximas de Ishigaki, alguns moradores da ilha começam a falar mais num apoio dos americanos e das forças militares japonesas, mesmo que o sentimento contrário às bases americanas continue forte.
Desde os fatos ocorridos há dois anos, quando a China cortou os fornecimentos de matéria-prima, o prefeito de Ishigaki, Yoshitaka Nakayama, passou a içar a bandeira do Sol Levante na frente da prefeitura, pela primeira vez desde a 2.ª Guerra.
Por outro lado, ele diz que valoriza as relações de comércio e turismo, cada vez mais intensas, com o mundo de língua chinesa, especialmente Taiwan, que também reivindica seu direito às Senkakus.
Tamashiro, o capitão do barco de pesca, também expressa sentimentos conflitantes, mesmo levando ativistas para visitar as ilhas.
"Basicamente, os pescadores não querem que a política perturbe seu meio de vida", afirmou. Mas o fretamento de um barco a US$ 4.500 para uma visita às Senkakus, "rende um bom dinheiro", disse ele. /
Ativistas queimam bandeira militar japonesa
em Hong Kong
De qualquer maneira, dez dos ativistas pularam na água infestada de tubarões, nadando até a costa e içando a bandeira japonesa, num ato que evoca lembranças dolorosas das incursões do Japão no século 20 pela Ásia.
"Achamos que estão nos arrastando para um incidente internacional", disse Masanori Tamashiro, capitão de um dos barcos que fez uma viagem de oito horas para os desabitados rochedos a noroeste de Ishigaki, conhecidos como Senkakus no Japão e Diaoyu na China.
Esse é um sentimento compartilhado em todo o Japão, onde um pequeno grupo de nacionalistas tem pressionado para que o país aja com mais audácia para conter a explosiva ascensão econômica da China e da Coreia do Sul e as ambições territoriais chinesas.
Os nacionalistas têm conseguido adesões à sua causa nos últimos meses, beneficiados pela fraqueza política do governo, o que vem forçando o partido no poder a assumir uma posição mais firme sobre as ilhas. Mas eles também se aproveitam da inquietação generalizada dos japoneses com relação à China e a disputa envolvendo as Senkakus tornou-se um detonador internacional em potencial, levando à possibilidade de que os Estados Unidos, há longo tempo defensores do Japão, possam ser empurrados para o conflito.
O temor dos japoneses intensificou-se há dois anos, durante o último e violento embate sobre as ilhas, quando a China, em retaliação à prisão do capitão de um barco de pesca pelo Japão, privou o país da matéria-prima necessária para sua indústria eletrônica já em dificuldades.
Essa inquietação ficou mais pronunciada nos últimos meses em razão da China expandir suas reivindicações a mais de 40 ilhas no vizinho Mar do Sul da China, desafiando o Vietnã, as Filipinas e outros, além de corroborar suas alegações com medidas agressivas, tendo enviado enormes barcos de patrulha para a região.
No Japão pacifista não existe muita disposição para um confronto de grande porte com a China. Mas, segundo analistas, há um consenso crescente de que é preciso conter a China à medida que, na região, vai se deteriorando o poder dos EUA e de um Japão que economicamente está desaparecendo.
"Estamos todos nos preparando para uma luta decisiva na região", disse Narushige Michishita, especialista em assuntos de segurança no National Graduate Institute for Policy Studies, em Tóquio. "Quando a distribuição do poder muda de uma maneira tão drástica, as pessoas começam a redesenhar limites."
É isso exatamente o que está ocorrendo no Mar do Sul da China, que tem atraído mais atenção internacional do que as batalhas territoriais do Japão. Mas especialistas afirmam que essa guerra de palavras cada vez mais intensa entre Japão e seus vizinhos do Leste Asiático, incluindo China e Coreia do Sul, é potencialmente mais explosiva. Ao contrário das disputas no Mar do Sul da China, que envolvem uma competição por recursos naturais, a briga pelas ilhas no Leste da Ásia tem mais a ver com a história, tem raízes num persistente sentimento de rancor - que pode se inflamar facilmente - pelo domínio brutal do Japão sobre seus vizinhos em décadas passadas.
Tais sentimentos ficaram expressos no fim de semana, quando centenas, possivelmente milhares, de chineses, realizando protestos tolerados pelo governo, foram às ruas em diversas cidades para denunciar a reivindicação japonesa sobre as ilhas.
"As apostas são muito mais altas no Leste da Ásia porque são países importantes muito próximos e os conflitos são mais diretos e carregados de emoção", afirma Kent Calder, diretor do Edwin O. Reischauer Center for East Asian Studies, na Johns Hopkins University.
Potencialmente, as ramificações para os Estados Unidos também são mais preocupantes, dizem os analistas. Os Estados Unidos insistem para Japão e Coreia do Sul assumirem mais o ônus de se defenderem contra China e Coreia do Norte, mas o recente impasse sobre as ilhotas que se colocam entre eles contribuíram para a decisão da Coreia do Sul de renunciar a um acordo para compartilhar inteligência militar com o Japão.
Um risco maior, embora remoto, para os Estados Unidos, é de que o país seja arrastado para um conflito armado entre China e Japão, que os americanos são obrigados a defender por força de um tratado.
"Existe uma possibilidade real de que, se a diplomacia fracassar, ecloda uma guerra", afirma Kazuhiko Togo, ex-diplomata que tem escrito artigos sobre a questão das ilhas.
A atual disputa entre Japão e China foi iniciada pelo governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, grande defensor de causas conservadoras. No primeiro semestre deste ano, ele afirmou que gostaria que Tóquio comprasse as ilhas do seu proprietário atual, um cidadão japonês, para melhor se defender da China. Sob pressão para não parecer fragilizado antes das eleições, o premiê japonês, Yoshihiko Noda, rapidamente declarou que o governo central compraria as ilhas. Isso provocou represálias por parte de ativistas de ambos os países.
Primeiro, ativistas de Hong-Kong desembarcaram na última semana em Uotori, a maior das ilhas em disputa, e estavam entre os 14 chineses presos pelo Japão e rapidamente deportados. Então, os nacionalistas japoneses retaliaram, desembarcando na mesma ilha no domingo.
Num sinal do quanto é pequeno o círculo de ativistas japoneses, um dos oito parlamentares na flotilha, Eriko Yamatani, do Partido Democrático Liberal, de oposição, também fez parte de um recente episódio que ajudou a dar início à mais recente disputa entre Coreia do Sul e Japão pelas ilhas.
A flotilha partiu da Ilha de Ishigaki, ao sul de Okinawa, que fica cerca de 130 quilômetros das Senkakus. Yoshiyuki Toita, de 42 anos, membro da Câmara de Vereadores de Ishigaki, foi um dos poucos moradores locais que se juntaram à expedição. "O Japão chegou a um ponto que precisa mudar", disse ele. "A era em que só dependemos dos Estados Unidos acabou."
Mesmo assim, ele concorda com a opinião dominante, de que o Japão precisa se ligar mais estreitamente aos Estados Unidos. Mas o governo do Japão adotou pelo menos algumas medidas, mostrando sua disposição de rechaçar a China. Uma pesquisa de opinião realizada em outubro indicou uma crescente apreensão, com mais de 70% dos japoneses afirmando não ter "sentimentos de amizade" em relação à China.
Tais sentimentos já se fazem sentir em Ishigaki, que faz parte de Okinawa, onde um profundo pacifismo nasceu do forte ressentimento contra o Exército Imperial Japonês que forçou civis a cometerem suicídio durante a 2.ª Guerra Mundial - e também contra a presença de tropas americanas na região após a guerra.
À medida que navios de guerra e barcos de patrulha chineses têm navegado com mais frequência nas águas próximas de Ishigaki, alguns moradores da ilha começam a falar mais num apoio dos americanos e das forças militares japonesas, mesmo que o sentimento contrário às bases americanas continue forte.
Desde os fatos ocorridos há dois anos, quando a China cortou os fornecimentos de matéria-prima, o prefeito de Ishigaki, Yoshitaka Nakayama, passou a içar a bandeira do Sol Levante na frente da prefeitura, pela primeira vez desde a 2.ª Guerra.
Por outro lado, ele diz que valoriza as relações de comércio e turismo, cada vez mais intensas, com o mundo de língua chinesa, especialmente Taiwan, que também reivindica seu direito às Senkakus.
Tamashiro, o capitão do barco de pesca, também expressa sentimentos conflitantes, mesmo levando ativistas para visitar as ilhas.
"Basicamente, os pescadores não querem que a política perturbe seu meio de vida", afirmou. Mas o fretamento de um barco a US$ 4.500 para uma visita às Senkakus, "rende um bom dinheiro", disse ele. /
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