Quito quer negociar com Londres, mas espera 'retratação'
Presidente equatoriano pede que governo britânico se retrate do 'gravíssimo erro' cometido ao ameaçar violar sua sede diplomática para prender Assange
Entenda o caso
- • Julian Assange é acusado de agressão sexual por duas mulheres da Suécia, mas nega os crimes, diz que as relações foram consensuais e que é vítima de perseguição.
- • Ele foi detido em 7 de dezembro de 2010, pouco depois que o site Wikileaks, do qual é o proprietário, divulgou milhares de documentos confidenciais da diplomacia americana que revelam métodos e práticas questionáveis de muitos governos - causando constrangimentos aos EUA.
- • O australiano estava em prisão domiciliar na Grã-Bretanha, até que em maio de 2012 a Justiça determinou sua extradição à Suécia; desde então, ele busca meios jurídicos para ter o caso reavaliado, com medo de que Estocolmo o envie aos EUA.
"Não esperaríamos nem uma desculpa, não pedimos isso, mas apenas que a Grã-Bretanha se retrate do gravíssimo erro cometido ao ameaçar o Equador de violar sua sede diplomática para prender o senhor Julian Assange", disse o presidente Rafael Correa. "Apesar dessa impertinência, dessa grosseira e inaceitável ameaça, seguimos abertos ao diálogo", completou. Correa tenta assim abrir caminho para superar a crise provocada pelo asilo diplomático concedido em 16 de agosto por Quito a Assange, de nacionalidade australiana, que está refugiado na embaixada equatoriana em Londres desde 19 de junho.
Assange, 41 anos, é objeto de um pedido de extradição da Suécia para que responda por acusações de agressão sexual que ele nega ter cometido. O fundador do WikiLeaks teme que a Suécia o extradite para os Estados Unidos, onde é investigado por espionagem pela publicação de milhares de documentos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão, além de telegramas confidenciais do Departamento de Estado, o que poderia resultar em uma condenação à prisão perpétua ou pena de morte.
Justiça - O Equador também cogita seu comparecimento à ONU ou à Corte Internacional de Haia como opções jurídicas para o caso Assange. As hipóteses foram levantadas na terça-feira pelo líder equatoriano, Rafael Correa, em um diálogo com jornalistas estrangeiros e nacionais na cidade de Guayaquil, onde voltou a defender o direito soberano de seu país de conceder asilo ao ativista. "Estamos estudando as diferentes estratégias jurídicas, mas queremos que isto se resolva pelo diálogo", indicou o presidente, após insistir que Assange poderá permanecer indefinidamente na Embaixada de seu país em Londres.
A Corte Internacional de Haia e o Conselho de Segurança da ONU estão entre as opções, e o vice-chanceler equatoriano, Marco Albuja, ressaltou que no campo diplomático já foram obtidos importantes apoios à posição de seu país, como os da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba) e da União das Nações Sul-Americanas (Unasul). Além disso, o vice-chanceler disse acreditar em uma resposta similar na próxima reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), e afirmou que a pressão mundial sobre a Grã-Bretanha é parte da batalha diplomática.
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Possibilidades - O ministro das Relações Exteriores da Austrália, Bob Carr, afirmou não acreditar que Assange seja extraditado da Suécia para os Estados Unidos em caso de risco de enfrentar um tribunal militar ou a pena de morte. O chanceler afirmou que a Austrália não pode intervir em casos externos a sua jurisdição, mas que Estocolmo indicou que o hacker provavelmente não será enviado aos Estados Unidos. "Não é um tema da diplomacia australiana, é um tema de apoio consular", disse. "A Suécia indicou que não extraditará ninguém que enfrente a possibilidade de pena capital ou se for um assunto militar ou dos serviços secretos", completou.
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Relação promíscua - Analistas internacionais afirmam que, para se entender a decisão do governo equatoriano de conceder asilo a Assange, é preciso ter em conta que Correa e Assange têm interesses comuns. “Os dois acreditam que os Estados Unidos são um 'império' que precisa ser controlado”, afirmou à rede CNN Robert Amsterdam, advogado especializado em direito internacional. A relação do presidente equatoriano e do criador do WikiLeaks é, aliás, estreita. Correa, por exemplo, já participou do show de TV comandado por Assange, “The World Tomorrow”, transmitido pelo canal de televisão russa R-TV. No programa, ambos trocaram elogios. O australiano definiu Correa como um “líder transformador”. “Seu WikiLeaks nos fez fortes”, respondeu Correa.
Para o analista político equatoriano Jorge Leon, a concessão do asilo a Assange está relacionada às eleições presidenciais, programadas para fevereiro de 2013. Segundo ele, a presença de Assange no país pode ser "útil para reforçar a imagem de esquerda de Correa". Não deixa de ser irônica essa aproximação entre um homem que se proclama defensor incondicional do direito de expressão, como Assange, com um dos grandes perseguidores da imprensa independente, como Correa. O presidente equatoriano é famoso por processar jornalistas e recomendar a ministros que não deem entrevistas. Em seu pronunciamento deste domingo, Assange também agradeceu a países como Venezuela e Argentina, que também procuram controlar o trabalho da imprensa. Para Amsterdam, Assange parece agora estar mais interessado em se salvar do que em defender a imprensa livre.
Neste domingo, na cidade equatoriana de Guayaquil, está prevista uma reunião de ministros das Relações Exteriores da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) sobre o caso Assange. No encontro, o Equador busca conseguir apoio dos demais países para o asilo de Assange. A Organização dos Estados Americanos (OEA) convocou uma reunião para o dia 24 de agosto em Washington.
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