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'Deixar a Europa seria muito ruim para os britânicos', diz Tony Blair


Para o ex primeiro-ministro, a UE precisa de mudanças, mas se o país deseja ter algum peso nos dias atuais, é preciso continuar no bloco

O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, pretende fazer um referendo sobre o futuro do país dentro da União Europeia. Seu predecessor Tony Blair explica por que será extremamente arriscado e diz que o referendo ignora os benefícios que a adesão à UE trouxe para o país.

O primeiro-ministro Cameron gostaria de obter condições melhores para o Reino Unido na União Europeia e anunciou um referendo sobre a permanência do país na UE para 2017. Que concessões a Europa e a chanceler alemã, Angela Merkel, deveriam fazer?
Não chamaria de concessões, em absoluto. A parte do discurso de David Cameron com a qual concordo inteiramente é quando ele aborda a necessidade de reformas e mudanças na Europa. Isso é claro e é correto. A Europa enfrenta enormes desafios competitivos e é uma questão que sucessivos premiês britânicos têm levantado, inclusive eu. A chanceler Merkel seria uma aliada nessas questões. Mas a parte do discurso do premiê que considero problemática não é tanto sobre a Europa, mas quanto ao relacionamento britânico com a Europa. Tenho dificuldades com relação a essa ideia de nos comprometermos agora a realizar um referendo com uma opção de saída. O que colocamos em jogo é se o Reino Unido sai da União Europeia. É uma questão bem separada e diferente de saber se a Europa deve passar por uma reforma ou não.
Não é uma posição conveniente para o Reino Unido permanecer dentro da UE? Cada vez que David Cameron está insatisfeito com a Europa ele ameaça deixar o clube.
Sim, mas se você acredita como eu que se o Reino Unido deixar a Europa isso seria péssimo para o país, então esta é uma ameaça que acarretará seu próprio prejuízo. Numa circunstância em que você tem somente um Estado-membro contra você, há o risco de as pessoas pensarem, bem vamos em frente e saímos. A questão vital é se isso tem a ver com a direção dos 27 ou se é um contra 26. Nós, britânicos, deveríamos ter um papel importante na configuração dessa nova Europa. O que ocorre nas discussões sobre a crise do euro é muito importante para o meu país, como também para o seu país. Devemos participar plenamente delas e agir assim sem colocar em risco nossa participação como membro da União Europeia. A probabilidade é de que David Cameron vai propor determinadas reformas, e provavelmente conseguirá algum consenso, mas nem todos concordarão, o que não é uma surpresa, pela minha própria experiência nas negociações europeias. O que resta então? Isso vai deixá-lo somente com a opção de saída? Não é bom para o Reino Unido, independentemente de ser bom ou não para a Europa, questionarmos nossa afiliação à UE - e depois deixar o assunto em suspenso por quatro ou cinco anos.
Como deve a Europa reagir?
Acho que a Europa deve reagir se voltando para a questão da reforma. Quando Cameron levantar a necessidade de reformas, conseguirá muito apoio neste caso. A crise da zona do euro sob muitos aspectos deixou clara a necessidade de uma reforma; na verdade não a criou, esta necessidade já existia de qualquer maneira. Se você pensar na questão da aposentadoria na Itália ou numa reforma do mercado de trabalho na Espanha - são mudanças que de qualquer modo deveriam ser realizadas. Estou certo de que o resto da Europa lidaria com esses problemas, mas não acho que isso nos dará mais poder de negociação para dizer, bom, se vocês não fizerem o que desejamos, nos retiramos. É preciso ser muito cuidadoso quanto a isso, porque a Europa vai se ressentir.
Mas há um debate muito vivo no Reino Unido sobre a União Europeia, o que Angela Merkel e outros líderes da UE não ousariam lançar em seu próprio país.
Sim e esse debate vai continuar. Mesmo que os líderes políticos insistam ou não, o fato é que a sociedade vai continuar a debater. A China tem uma população três vezes maior do que a União Europeia inteira e nós teremos a maior economia no mundo. Se o Reino Unido deseja ter algum peso nos dias atuais, precisamos da Europa. O argumento lógico a favor da Europa no século 21 está mais forte que nunca. Tem a ver essencialmente com poder, e não mais com a paz. Não vamos lutar um contra o outro caso não tenhamos mais a Europa, mas seremos mais fracos, menos poderosos, com menos influência. Tudo tem a ver com o peso coletivo que é adicionado e dá suporte para os nossos interesses nacionais. Não se trata de substituir a sua nação pela Europa.
No passado, a Europa mostrou-se preocupada consigo mesma?
Acho que ela está obrigada a se preocupar neste momento. O problema da Europa é muito simples: por razões várias, como a globalização, a demografia e a tecnologia, todos os países desenvolvidos terão de mudar radicalmente. O modelo social da Europa tem de passar por uma reforma se ela pretende continuar competitiva. Isso não significa abandonar os valores do modelo social, mas reconhecer que o mundo em torno de nós mudou e temos de mudar junto com ele. O problema hoje é admitir que a Europa vai existir num contexto geopolítico e econômico completamente diferente. Não se trata de uma disputa entre direita e esquerda. Não tem a ver com ideologia. Mas de compreender o quão rápido e o quanto o mundo mudou e como temos de mudar para não ficarmos para trás.
Este é um argumento que faz com que a saída britânica da UE pareça ainda mais estranha.
Nós obtemos da Europa o que não conseguimos mais obter por nossa própria conta. Simplesmente não somos suficientemente grandes. Mas também este é o caso da Alemanha. A Indonésia, que com o tempo vai se tornar um país bastante poderoso, é três vezes maior do que a Alemanha. Este é o mundo em que vivemos hoje, não importa se Índia, Brasil ou Rússia. A Europa nos dá a capacidade, como um país de médio porte, de assumirmos um papel de grande potência.
De onde surgiu essa repentina pressão para o Reino Unido deixar a União Europeia?
Não acho que exista um grande desejo da parte da sociedade britânica de deixar a Europa. Mas há uma minoria muito forte e barulhenta. Basicamente, trata-se de uma forma ultrapassada de nacionalismo. É o caso do Independence Party, que se comporta e argumenta de um modo muito antiquado. É similar a outros movimentos radicais em toda a Europa e mesmo nos EUA, como o Tea Party. Mas no final ele não pode nem deve determinar a política do país.
O sr. acha que os pró-europeus britânicos defenderam com paixão sua participação na UE?

Um dos grandes mitos é que os pró-europeus não se manifestam no Reino Unido. Nós o fazemos!
Mas não parece que provocam muito impacto.
Fiz um discurso, como também Peter Mandelson e Lord Heseltine ou Ken Clarke. O problema no Reino Unido, contudo, é uma mídia muito influente e com grande peso, com posições antieuropeias, o que torna as coisas difíceis.
Como então o sr. argumenta?
Veja, a maioria das pessoas no meu país não acorda de manhã pensando em não estar na União Europeia. Mas, sim, em emprego, em nível de vida, hipotecas, crime, saúde, educação. Assim, se você faz uma declaração dramática como fez o premiê britânico, dizendo 'eu lhe dou a chance de deixar a União Europeia', você vai atrair muita publicidade. Um discurso sobre a Europa na verdade não faz manchetes.
Seu Partido Trabalhista está agora na defensiva?

Bem, isso depende de saber se é sensato deixar a União Europeia. Por que gostaríamos de levantar uma questão sobre nossa participação na União Europeia? Por que fazer isso agora? O Partido Trabalhista tem de afirmar inequivocamente que o Reino Unido tem de permanecer; isso ajudará o partido a criar pontes para a comunidade empresarial, o que é importante. O mais sensato é defender mudanças dentro da Europa, criar alianças para alcançarmos isso e permanecer dentro da maior união política e o maior mercado comercial e de negócios do mundo. A propósito, por que desejaríamos entrar no debate, e dizer que devemos sair? Não acho que teremos mais influência ameaçando deixar a UE.
Por que o Reino Unido se afastou tanto da UE nos últimos anos?
Se existe um benefício proporcionado por esse debate que foi iniciado agora, acho que é o fato de que fará as pessoas pararem para pensar. Todos estão irritados com a Europa. É difícil tratar com suas instituições, existem regras demais que irritam as pessoas. A Europa é uma criação imaginativa extraordinária que ainda está se formando. Se você conversar com alemães, italianos, espanhóis e britânicos sobre a Europa, eles vão se queixar tanto quanto elogiar. É a vida. Não significa que devemos nos retirar.
Cameron teve como objetivo aqueles muitos cidadãos da Europa que estão fartos de Bruxelas?

Imagine que as pessoas nas ruas de Atenas. Roma ou Madri se oponham inteiramente a algumas das mudanças propostas por Cameron. O problema da Europa é que o conceito da moeda única com um mercado único é muito sensato. Mas temo que na sua execução não houve um alinhamento adequado do desejo político de se ter uma moeda única com as decisões econômicas necessárias para que as coisas funcionassem corretamente. E essa falta de alinhamento é o que estamos enfrentando agora. E precisamos lidar com esse problema em circunstâncias ruins, em meio a uma crise. Mas continuo afirmando que precisamos enxergar a longo prazo. No momento, e possivelmente nos próximos anos, a Europa viverá um período de grande incerteza, As medidas adotadas pelo Banco Central Europeu (BCE) nos deu algum espaço para respirar em termos de liquidez, e é por isso que os rendimentos sobre títulos caíram. Mas isso não resolveu o problema de solvência ou de crescimento. Assim, ainda acho que a Europa tem muitos desafios pela frente. Mas a longo prazo ela vai se levantar por causa dos fundamentos subjacentes que existem. É a razão pela qual existe um Asean Group, a União Africana, a união de países latino-americanos. Os agrupamentos regionais têm muito sentido nos dias atuais. A Europa deve decidir o que deseja de fato fazer e se concentrar nisso.
A Europa é boa nesse tipo de ação?
Não. É por isso que a UE causa irritação, ira e desacordo. Mas não significa que a ideia básica está errada. O que a Europa deve fazer é estabelecer objetivos muito claros e com muito foco.
Por exemplo?

O foco deve ser no emprego, na economia, assegurar que você vai se movimentar num mercado único de uma maneira que permita uma participação subsidiária adequada. Deve se assegurar que estamos ganhando o máximo de vantagem competitiva que o mercado único pode nos dar. Na política energética existe muita coisa que podemos fazer, envolvendo os sistemas de redes por exemplo. Da mesma maneira, no caso da imigração e do crime é preciso controlar nossas fronteiras, um controle adequado da imigração e de combate ao crime. Com frequência tudo isso acaba numa confusão burocrática. No campo da política externa e da defesa comuns muita coisa também pode ser feita se a Europa se concentrar nisso. O fato de a França partir para o Mali sozinha é realmente duro para os franceses. Se houvesse uma política externa e de defesa comum, poderíamos fazer muito mais.
Qual pode ser o resultado do referendo na sua opinião, quando for finalmente realizado?
No final, acredito, há uma sólida maioria que defende a nossa permanência na União Europeia. Você sabe, referendos são instrumentos imprevisíveis de vontade democrática. Por isso, não é sensato realizar um referendo salvo se for obrigado a isso. O que os governos devem fazer é governar.

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