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Produtos da China ganham espaço na indústria de calçados em Franca

Chineses passam de concorrentes a fornecedores para empresários locais.
Sindicato diz que importação prejudica criação de empregos no setor.


Operário trabalha em máquina importada da China em fábrica de Franca, SP (Foto: Clayton Castelani/G1)Operário trabalha em máquina importada da China em fábrica de Franca, SP (Foto: Clayton Castelani/G1)
As 340 máquinas com caracteres chineses gravados nos painéis e toneladas de zíperes e tecidos importados na fábrica em Franca (SP) não deixam dúvidas: a China deixou de ser apenas competidora e entrou no maior polo de calçados masculinos do Brasil como fornecedora – e, aos poucos, ganha espaço dentro da região.
A fábrica com as máquinas chinesas pertence ao empresário Renato Raimundo, 43 anos, que tem nas relações comerciais com o país asiático a base do seu negócio. Importando e adaptando componentes fabricados na China às necessidades dos calçadistas brasileiros, ele afirma ter conquistado centenas de clientes na cidade.
O método de trabalho de Raimundo é simples. Ele consulta fabricantes locais sobre os acessórios necessários para acompanhar as tendências do mercado, aciona seus fornecedores e compra grandes quantidades – a empresa tem 200 mil metros quadrados de espaço para estoque – para assim diluir os custos da importação. No Brasil, ele ajusta a matéria-prima ao gosto do freguês: zíperes são cortados e montados no tamanho exato da encomenda, o "couro" sintético recebe o bordado da moda.
“Fui à China pela primeira vez em 1999, nem inglês eu falava. Comecei com um cheque especial de R$ 1.100 para trazer o primeiro contêiner. Nossa empresa emprega hoje 200 pessoas numa área de 7 mil metros quadrados”, conta o empresário.
Renato Raimundo importa e adapta produtos chineses aos calçados brasileiros (Foto: Clayton Castelani/ G1)Renato Raimundo importa e adapta produtos chineses aos calçados brasileiros
Faltam pesquisas para mensurar a participação dos insumos importados dentro do polo produtor francano, mas comparações feitas a partir das importações de calçados prontos mostram que o fenômeno observado na cidade do interior paulista apenas reflete o que acontece no país.
Segundo o Sindicato da Indústria de Calçados de Franca (SindiFranca), 34 milhões de pares confeccionados na Ásia entraram no Brasil em 2011 – aumento de 19% sobre 2010 – ao custo de US$ 427,7 milhões. O número chega perto dos 37 milhões de pares fabricados no mesmo ano pelas 1.015 empresas ligadas ao Sindifranca. A produção anual brasileira é de aproximadamente 895 milhões de pares.
José Carlos Brigagão do Couto, presidente do SindiFranca e coordenador do Comitê da Cadeira Produtiva de Couro e Calçados da Fiesp, afirma que a fórmula do sucesso chinês é sustentada por um tripé: tecnologia de ponta nas indústrias, baixíssimos custos de produção e a evolução da qualidade dos produtos. “Há 30 anos eles visitam a Francal [feira de calçados que começa nesta terça-feira em São Paulo] e aprenderam conosco, mas não copiaram nossos erros”.
Os erros, na avaliação de Couto, são exemplificados pela carga tributária, que equivale a 83% do salário pago ao trabalhador, encarecendo a mão de obra brasileira. “O operário de uma fábrica de calçados na China custa US$ 100 por mês; o brasileiro, US$ 780”, afirma. "O empresário chinês não recolhe tantos tributos e ainda ganha incentivos do governo para gerar empregos".
O fato é que solados de borracha, palmilhas, cadarços e forros sintéticos – historicamente ofertados por fabriquetas da cidade e arredores – já são importados com preços médios 50% menores. Redução de custo que o empresário brasileiro não pode desprezar, afirma o gerente de produção Leandro Sate Taveira, 37 anos, cuja fábrica produz 1.200 pares por dia. "É caro demais fazer sapato no Brasil, nós fabricamos na raça. Sem alternativas mais baratas ficaria impossível", conta.
Conservador quanto ao tipo de peça que manda trazer da China – prefere usar solados de borracha nacionais, por exemplo –, Taveira usa insumos importados principalmente em peças decorativas de calçados femininos. As aquisições mais recentes foram 8 mil pares de semijoias em formato de coração para decorar sandálias que estarão nas lojas no próximo verão. O produto antes comprado por R$ 9 em Limeira, também no interior paulista, atravessou o Atlântico ao custo de R$ 5 o par. "Com esse preço, não dá para recusar".
Leandro Taveira mostra sandálias decoradas com semijoias chinesas (Foto: Clayton Castelani/ G1)Leandro Taveira mostra sandálias decoradas com semijoias chinesas (Foto: Clayton Castelani/ G1)
Triangulação chinesa
Apesar da incorporação de peças vindas da China aos calçados nacionais, o SindiFranca está empenhado em comprovar que fabricantes chineses criam empresas de fachada em países como Vietnã e Indonésia para exportar para o Brasil. O procedimento, conhecido como "triangulação", foi criado para evitar a tarifa antidumping de US$ 13,85 imposta a cada par de calçado inteiramente fabricado na China que entra no Brasil. "Como a taxa é só para os chineses, eles mandam sapatos até pela Itália", explica Couto.
José Brigagão Couto, presidente do SindiFranca (Foto: Clayton Castelani/ G1)José Brigagão Couto, presidente do SindiFranca
 
a sobretaxa (aplicada pelo governo brasileiro desde 2010 por considerar que a China praticava preços abaixo do custo de produção, o chamado dumping) não dá vantagem competitiva ao produto nacional. Segundo o SindiFranca, um calçado masculino feito no Brasil tem um custo de produção de US$ 40. O chinês chega aos portos por US$ 34, já incluindo a tarifa antidumping.
Os fabricantes reclamam ainda que, como o antidumping só vale para produtos acabados, alguns fabricantes estariam recorrendo à prática chamada de "elisão": o sapato sai da China dividido em duas ou mais partes – sola e cabedal, por exemplo – e entra no Brasil por diferentes portos. Dentro do país, as partes seguem para uma única manufatura, onde são montadas.
Para o representante do SindiFranca e da Fiesp, a entrada indiscriminada dos importados foi a principal responsável pela redução de 11,2 mil postos de trabalho no setor calçadista nacional em 2011. Couto reconhece, no entanto, que provar e desmantelar esquemas que barateiam as importações são soluções paliativas. "Isso não vai mudar, porque a maneira deles trabalharem é diferente. Nós precisamos é mudar a nossa".

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