Pular para o conteúdo principal

Diálogo com Irã à beira do abismo


Potências mundiais insistem que exigências sejam atendidas, mas oferecem pouco a Teerã 

TEERÃ - O problema da política do risco calculado, como a adotada em relação ao programa nuclear do Irã, está no fato de que uma queda no abismo é muito fácil. Nas duas primeiras rodadas das recentes conversações entre o Irã e o P5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança Permanente da ONU, mais a Alemanha), realizadas em Istambul, em abril, e em Bagdá, em maio, ambas as partes pelo menos ainda tropeçavam à beira do precipício. Agora, depois da terceira rodada, em Moscou, eles estão se agarrando quase que com as unhas.

Nenhum dos lados estava disposto ao compromisso em nenhuma das questões fundamentais. Eles concordaram - muito pouco, aliás - com a realização de uma reunião de especialistas no início de julho, mas ninguém espera que ela produza algum avanço. Até lá, estarão vigorando novas sanções europeias e americanas às exportações de petróleo do Irã.
Enquanto isso, o Congresso dos EUA pressiona por outras mais e personalidades influentes desse país afirmam que o jogo das negociações acabou. Os rumores sobre a eventualidade de uma guerra continuam insistentes em Israel, enquanto, no clima político extremamente carregado deste ano eleitoral nos EUA, aumenta a ansiedade pela possibilidade de a escalada escapar do controle.
Embora as posições de ambas as partes nas negociações não sejam tão discrepantes como no passado, até o momento, suas reivindicações básicas revelaram-se irreconciliáveis.
Atualmente, as seis potências mundiais insistem em três coisas. Em primeiro lugar, o Irã deve parar o enriquecimento de urânio a 20% (nível exigido para os reatores de pesquisa, mas já muito próximo do urânio para a fabricação de armas). Em segundo lugar, o Irã precisa trocar seu atual estoque de urânio enriquecido a 20% por aquele utilizado como combustível que só pode ser usado no reator de pesquisa de Teerã. A exigência final é que o Irã feche sua instalação de enriquecimento subterrânea em Fordo, perto de Qom.
Em troca de tudo isso, não serão impostas novas sanções e o acesso a peças de reserva de aviões será facilitado. Mas o Irã quer mais: no mínimo, o reconhecimento formal do seu "direito inalienável de enriquecer" urânio, do direito de manter funcionando suas s instalações e a retirada de grande parte das inúmeras sanções que lhe foram impostas (por se recusar a cumprir as resoluções do Conselho de Segurança, que exige a suspensão de toda atividade de enriquecimento).
Há vários subtextos implícitos no atual impasse, analisado em um relatório do International Crisis Group divulgado este mês. Certamente, o P5+1 tem a percepção de que o Irã está em graves dificuldades em virtude das sanções, além de profundamente temeroso de um iminente ataque aéreo israelense.
Eleições. Mas, no contexto da desordem econômica que impera na Europa e do esforço do presidente Barack Obama para conseguir se reeleger, o Irã vê o Ocidente igualmente desesperado para evitar um conflito que provocaria um aumento vertiginoso dos preços do petróleo. Seus líderes creem que seu poder de barganha se fortaleceu com as novas instalações e estoques do país e, embora afetado pelas sanções, seu orgulho não lhe permite ceder diante deles.
A realidade é que cada lado exagera seus pontos fortes e também os pontos fracos do outro lado. Particularmente, as potências globais subestimam a capacidade de recuperação do Irã e Teerã superestima a capacidade dos EUA, em um ano eleitoral, de conter uma possível aventura militar de Israel. Será necessária alguma modificação nas respectivas posições.
Sem dúvida, o Irã - com sua longa história de segredos e dissimulação - merece a intensa hostilidade e a desconfiança que seu programa nuclear continua provocando. Mas a opinião comum dos especialistas das áreas de segurança e inteligência do mundo todo é que, embora o Irã talvez queira a capacidade para construir uma arma nuclear, está longe de construir uma arma atômica que possa ser utilizada e não tomou nenhuma decisão para tanto. Na realidade, pesando custos e benefícios, os líderes iranianos têm inúmeras boas razões para não cruzar a linha do perigo.
Mas essas avaliações se revelarão ingênuas a não ser que o Irã pelo menos suspenda o enriquecimento a 20%, torne impossível a utilização do seu estoque de urânio a esse nível para aplicações militares e atenda às exigências em relação a Fordo, abrindo as instalações para um monitoramento de fato.
Em troca, o P5+1 deverá estar preparado para modificar de modo significativo suas atuais exigências fundamentais, independentemente das dificuldades políticas que isso acarretar, principalmente para Obama neste ano eleitoral. Agora, as potências globais deveriam reconhecer abertamente que - gostando ou não, quer seja uma boa política quer não - a posição legalmente correta no âmbito do Tratado de Não Proliferação Nuclear é que o Irã tem de fato o direito de enriquecer urânio para uso civil e, o que é ainda mais importante, o P5+1 deverá estar disposto não apenas a repudiar novas sanções, mas também a retirar as sanções atuais, enquanto o Irã adotar as medidas razoáveis que se exigem dele.
Isso não significa um acordo com o diabo, mas o reconhecimento de que a situação atual é insustentável; um confronto altamente inflamável está mais próximo do que possamos imaginar; e a catástrofe só será evitada por uma diplomacia serena e equilibrada, infelizmente do tipo não encontrado até o momento.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular