Obama, para dentro e por fora
O retraimento americano é natural. Há um cansaço imperial e Obama reflete o estado de espírito nacional, em particular depois do custo em todos os sentidos das empreitadas no Afeganistão e Iraque, marcas registradas da administração Bush. Obama prefere usar termos mais suaves como recalibramentos e viradas. Essencialmente, é uma virada para dentro, uma virada doméstica, embora acompanhada da promessa de mais investimentos geopolíticos e geoeconômicos na região da Ásia/Pacífico.
São viradas, porém, desajeitadas. Nesta terça-feira, o presidente está iniciando uma viagem pela região Ásia/Pacífico (era para ter viajado em outubro, mas houve o adiamento devido à crise de paralisação parcial do governo em Washington). São escalas no Japão, Coreia do Sul, Filipinas e Malásia. A visita se propõe a acalmar aliados dos EUA quando a China é cada vez mais assertiva na região, enfronhada em várias disputas sobre águas territoriais. Um exemplo concreto é a expectativa do anúncio do mais amplo acesso americano a bases navais filipinas desde a devolução do vasto complexo de Subic Bay em 1992.
Existe esta apreensão dos aliados diante do retraimento americano, como na crise síria, quando Obama fixou uma linha vermelha que não poderia ser cruzada pelo ditador Bashar Assad no uso de armas químicas e recuou quando elas foram utilizadas. A mensagem foi bem captada pelos russos, que estão entre os grandes beneficiários dos vacilos e amadorismos da politica externa americana. Basta ver a “invasão/não invasão” da Ucrânia, coisa de profissional.
E aqui vamos deixar claro que a flacidez diplomática dos EUA tem sinal verde de uma opinião pública interna que está indiferente às encrencas e às desolações internacionais, seja na Síria, seja na Ucrânia. Já a oposição republicana, dividida entre alas mais belicosas e outras mais isolacionistas, basicamente atua de forma oportunista e dispara a torto e a direito contra a Casa Branca.
Neste contexto de erros de cálculos da Casa Branca, indiferença da população americana e disfunção em Washington, é natural a dúvida de aliados como o Japão se realmente eles podem contar com os EUA, uma superpotência hoje avessa ao confronto, a não ser em caso de ataque direto aos seus interesses. E o governo de Shinzo Abe não ajuda muito com sua postura hipernacionalista e até insensível ao cruel papel japonês na Segunda Guerra Mundial. Felizmente nas últimas semanas, o primeiro-ministro Abe deu uma recalibrada para não constranger tanto os aliados e protetores americanos.
E as promessas de comprometimento americano são mal vendidas. Na verdade, Obama exagerou na dose com o recalibramento para a Ásia/Pacífico. Como ele irá concretizar a meta de direcionar 60% dos ativos militares dos EUA para a região em 2020? A superpotência americana corta gastos do Pentágono e, ao mesmo tempo, tem seus compromissos como a mais importante polícia na ordem mundial.
Washington negligenciou a Europa como se fosse um museu, mas está aí o dinossauro russo botando para quebrar. E qual é a resposta essencial de Obama? Existe uma fuzilaria retórica contra Putin, além de sanções cosméticas, enquanto de cara o presidente americano descartou o uso de força militar na crise ucraniana. Está aí uma prova da atuação desastrada de Obama: nem diplomacia efetiva e nem dissuasão convincente. Como no oceano Pacífico, aliados americanos no mar Báltico questionam se podem contar com os EUA.
Na viagem que está iniciando, Obama irá precisar acalmar seus aliados, a destacar os japoneses, enquanto não enfurece os chineses, com os quais os americanos têm um complexo balé de cooperação e competição. A politica externa americana pode acabar no pior dos mundos: agravar as relações com Rússia e China (sem conter os seus avanços) e, ao mesmo tempo, deixar mais apreensivos os aliados dos EUA.
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