O mito do presidente visionário
História da ascensão global dos EUA contradiz especialistas em liderança, que valorizam mais figuras 'transformadoras' do que as 'incrementadoras'
No debate sobre o papel que os EUA devem desempenhar no mundo de hoje, vale a
pena indagar como foi que se estabeleceu a primazia global americana no século
passado. Afinal, George Washington festejava a "situação apartada e distante" em
que os EUA se mantinham do restante do globo. Há quem veja em nosso papel global
um desígnio da divina providência; outros o atribuem a mudanças impessoais numa
economia de escala continental. Mas e quanto aos nossos líderes? As pessoas que
ocuparam a cadeira presidencial fizeram alguma diferença?
Especialistas em liderança dão mais valor a presidentes transformacionais, com visões grandiosas e um estilo capaz de inspirar as outras pessoas, do que a líderes incrementais, que têm um estilo que privilegia as conversas e as negociações. Depois de realizar um estudo cuidadoso sobre os líderes que presidiram a ascensão global dos EUA no século 20, descobri que muitos deles foram decisivos - mas nem sempre da maneira que previam os especialistas.
Ainda que dois presidentes com objetivos transformacionais (Franklin Roosevelt e Harry Truman) tenham feito contribuições particularmente importantes para o estabelecimento da era da primazia americana, dois outros, com objetivos incrementais e estilo negociador (Dwight Eisenhower e George H. W. Bush) podem ter sido igualmente importantes em razão de sua prudência gerencial, que permitiu a implementação de mudanças estruturais favoráveis sem perturbações desastrosas.
Por exemplo, se Eisenhower não tivesse resistido à pressão de seus comandantes militares, que recomendavam o uso de armas nucleares contra a China, ou se Bush tivesse sido malsucedido ao administrar a retirada pacífica das forças soviéticas da Alemanha e gerir o próprio colapso do império soviético, o mundo em que vivemos hoje seria bem diferente.
Uma avaliação criteriosa do papel das lideranças precisa seguir o conselho de Sherlock Holmes: olhar para os cães que latem, mas também para os que não latem. Em política externa, o que deixa de acontecer pode ser tão importante quanto o que acontece.
Os especialistas em teoria da liderança costumam valorizar bastante os líderes transformacionais, mas não encontrei evidências que justifiquem tal preferência. A melhor performance em termos éticos coube ao incremental e negociador George H. W. Bush, ao passo que Woodrow Wilson, um líder transformacional e inspirador, ficou entre os piores.
Indivíduos. Sim, as lideranças foram um fator importante no estabelecimento da primazia americana. Se as causas tivessem sido puramente estruturais, o processo seria muito mais tranquilo. Afinal de contas, tanto no início quanto no fim do século 20, os EUA representavam cerca de um quarto da economia mundial.
O país se fortaleceu internacionalmente com a 1ª Guerra, mas isso logo se perdeu com a adoção de uma equivocada política isolacionista. Uma mudança na estrutura dos recursos de poder não tem como explicar a fase de retração do período entre guerras. Uma boa explicação precisa levar em conta as decisões (eventualmente imprudentes) tomadas por quem esteve no comando do país.
Em meados do século 20, os EUA chegaram a representar quase metade da economia mundial, além de deter o monopólio das armas nucleares. Ao longo das duas décadas seguintes, essa participação voltou aos 25% que foram a norma ao longo do século. Ainda que tenha sido um declínio de ordem estrutural, a causa desse segundo período de retração remete às decisões equivocadas que John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon tomaram em relação ao Vietnã.
Nos anos 70, o quinhão dos EUA na economia mundial retornara ao patamar anterior, mas isso não levou Nixon a prever um cenário de multipolaridade e o fim da primazia americana. Ao contrário, nos anos 80 e 90, essa primazia só fez aumentar. A principal causa disso foi a mudança econômica estrutural de longo prazo que enfraqueceu a União Soviética.
Novamente, porém, o papel dos líderes foi decisivo - sobretudo no que diz respeito à aceleração da derrocada soviética involuntariamente promovida por Mikhail Gorbachev, mas também no tocante ao acerto das escolhas de Ronald Reagan e George H. W. Bush, que permitiram aos EUA capitalizar as mudanças estruturais.
Em outras palavras, a atuação dos presidentes é decisiva, mas não do modo que os especialistas em liderança preveem. A tese desposada por esses teóricos, de que os líderes transformacionais fazem toda a diferença, e de que líderes incrementais são meros gestores, representa uma simplificação excessiva do papel da liderança.
Mudança. Ansiar pelo surgimento de líderes transformacionais não é a melhor maneira de entender as necessidades de liderança da política externa dos EUA no século 21. Ironicamente, o primeiro presidente americano deste século, George W. Bush, iniciou seu mandato com foco nas questões internas do país e, num primeiro momento, implementou uma política externa de caráter incremental.
No entanto, em seguida tornou-se um líder transformacional em razão do 11 de Setembro. O resultado de sua visão ambiciosa foi o oposto das bem-sucedidas políticas adotadas por seu pai, que, numa frase que ficou famosa, declarou não dar bola para "esse lance de visão". Moral da história: cuidado com especialistas e líderes ostentando dons transformacionais.
Especialistas em liderança dão mais valor a presidentes transformacionais, com visões grandiosas e um estilo capaz de inspirar as outras pessoas, do que a líderes incrementais, que têm um estilo que privilegia as conversas e as negociações. Depois de realizar um estudo cuidadoso sobre os líderes que presidiram a ascensão global dos EUA no século 20, descobri que muitos deles foram decisivos - mas nem sempre da maneira que previam os especialistas.
Ainda que dois presidentes com objetivos transformacionais (Franklin Roosevelt e Harry Truman) tenham feito contribuições particularmente importantes para o estabelecimento da era da primazia americana, dois outros, com objetivos incrementais e estilo negociador (Dwight Eisenhower e George H. W. Bush) podem ter sido igualmente importantes em razão de sua prudência gerencial, que permitiu a implementação de mudanças estruturais favoráveis sem perturbações desastrosas.
Por exemplo, se Eisenhower não tivesse resistido à pressão de seus comandantes militares, que recomendavam o uso de armas nucleares contra a China, ou se Bush tivesse sido malsucedido ao administrar a retirada pacífica das forças soviéticas da Alemanha e gerir o próprio colapso do império soviético, o mundo em que vivemos hoje seria bem diferente.
Uma avaliação criteriosa do papel das lideranças precisa seguir o conselho de Sherlock Holmes: olhar para os cães que latem, mas também para os que não latem. Em política externa, o que deixa de acontecer pode ser tão importante quanto o que acontece.
Os especialistas em teoria da liderança costumam valorizar bastante os líderes transformacionais, mas não encontrei evidências que justifiquem tal preferência. A melhor performance em termos éticos coube ao incremental e negociador George H. W. Bush, ao passo que Woodrow Wilson, um líder transformacional e inspirador, ficou entre os piores.
Indivíduos. Sim, as lideranças foram um fator importante no estabelecimento da primazia americana. Se as causas tivessem sido puramente estruturais, o processo seria muito mais tranquilo. Afinal de contas, tanto no início quanto no fim do século 20, os EUA representavam cerca de um quarto da economia mundial.
O país se fortaleceu internacionalmente com a 1ª Guerra, mas isso logo se perdeu com a adoção de uma equivocada política isolacionista. Uma mudança na estrutura dos recursos de poder não tem como explicar a fase de retração do período entre guerras. Uma boa explicação precisa levar em conta as decisões (eventualmente imprudentes) tomadas por quem esteve no comando do país.
Em meados do século 20, os EUA chegaram a representar quase metade da economia mundial, além de deter o monopólio das armas nucleares. Ao longo das duas décadas seguintes, essa participação voltou aos 25% que foram a norma ao longo do século. Ainda que tenha sido um declínio de ordem estrutural, a causa desse segundo período de retração remete às decisões equivocadas que John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon tomaram em relação ao Vietnã.
Nos anos 70, o quinhão dos EUA na economia mundial retornara ao patamar anterior, mas isso não levou Nixon a prever um cenário de multipolaridade e o fim da primazia americana. Ao contrário, nos anos 80 e 90, essa primazia só fez aumentar. A principal causa disso foi a mudança econômica estrutural de longo prazo que enfraqueceu a União Soviética.
Novamente, porém, o papel dos líderes foi decisivo - sobretudo no que diz respeito à aceleração da derrocada soviética involuntariamente promovida por Mikhail Gorbachev, mas também no tocante ao acerto das escolhas de Ronald Reagan e George H. W. Bush, que permitiram aos EUA capitalizar as mudanças estruturais.
Em outras palavras, a atuação dos presidentes é decisiva, mas não do modo que os especialistas em liderança preveem. A tese desposada por esses teóricos, de que os líderes transformacionais fazem toda a diferença, e de que líderes incrementais são meros gestores, representa uma simplificação excessiva do papel da liderança.
Mudança. Ansiar pelo surgimento de líderes transformacionais não é a melhor maneira de entender as necessidades de liderança da política externa dos EUA no século 21. Ironicamente, o primeiro presidente americano deste século, George W. Bush, iniciou seu mandato com foco nas questões internas do país e, num primeiro momento, implementou uma política externa de caráter incremental.
No entanto, em seguida tornou-se um líder transformacional em razão do 11 de Setembro. O resultado de sua visão ambiciosa foi o oposto das bem-sucedidas políticas adotadas por seu pai, que, numa frase que ficou famosa, declarou não dar bola para "esse lance de visão". Moral da história: cuidado com especialistas e líderes ostentando dons transformacionais.
Comentários
Postar um comentário