'Bíblia' e autoajuda no 'marinês'
Candidata recorre a passagens seculares para se expressar em momentos difíceis da campanha. Autores de autoajuda também fazem parte de seu repertório
Marina Silva recorre a referências bíblicas em seus discursos
A fé de Marina — adepta desde 1995 da Assembleia de Deus Novo Dia, em Brasília — se reflete em seu posicionamento diante de questões como o aborto – que é contra – e o casamento gay – que tergiversa. Mas não é só: o "marinês" tem uma forte dose de autoajuda, que a candidata nunca escondeu: em 2010, quando concorreu pela primeira vez à Presidência da República, Marina tinha como guru o psicanalista Augusto Cury, autor do best seller O Vendedor de Sonhos e O Código da Inteligência. Na época, Marina chegou a convidá-lo para ingressar no Partido Verde (PV), legenda pela qual disputou as eleições – ele aceitou ajudou na elaboração do plano de governo.
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Desde que se consolidou como verdadeira ameaça à reeleição de Dilma Rousseff (PT), a candidata do PSB à Presidência tem comparado repetidamente em seus discursos os ataques orquestrados pelo PT à sua candidatura à história de Davi e Golias. O embate entre o gigante poderoso e o guerreiro armado com apenas uma pedra é citado por Marina para evidenciar o desequilíbrio de forças entre sua campanha e a do partido adversário, dono do maior tempo de TV na propaganda eleitoral. “É muito fácil ter a máquina do governo, prefeituras, ter aqueles que vocalizam as mentiras e as calúnias em um batalhão de Golias contra um Davi”, disse durante comício em Fortaleza (CE), no último dia 12.
A história do Velho Testamento cede lugar a uma menção aos Evangelhos quando Marina reclama de ser o principal alvo da artilharia dos dois principais partidos do país, PT e PSDB. “Quem vai ganhar as eleições não são as estruturas, mas as posturas. Vamos ganhar a eleição mostrando a outra face”, disse Marina durante visita a um hospital filantrópico em João Pessoa (PB) no último dia 13.
A declaração faz referência à frase dita por Jesus Cristo no Sermão da Montanha: “Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra”.
Outra passagem da Bíblia foi usada por Marina no pior momento de sua campanha desde a morte trágica de Eduardo Campos, ex-cabeça de chapa, em um acidente de avião junto com outros seis integrantes de sua campanha, no dia 13 de agosto, na cidade de Santos (SP). Diante da notícia de que o ex-governador de Pernambuco teria recebido propina do esquema de desvio na Petrobras, conforme delação premiada de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal, Marina citou a Bíblia: “Conhecereis a liberdade e ela te libertará”.
As referências bíblicas são mais comuns em discursos e comícios e desaparecem quando a candidata grava os programas da propaganda eleitoral ou participa de debates. Indício da intenção da campanha em evitar críticas direcionadas à fusão de religião e política. Marina é defensora do Estado laico e viu seu índice de rejeição subir nas redes sociais quando mudou o trecho do programa de governo que defendia a institucionalização do casamento homossexual. Enquanto defensores da causa gay se revoltaram, a manobra encontrou apoio entre as lideranças evangélicas, que declararam apoio a ela em seguida. Ante o aumento de sua rejeição, passou a defender mais claramente sua postura em relação ao Estado laico. Na noite desde domingo, em Manaus, reafirmou que tem uma fé significativa, mas criticou os que associam sua religiosidade a uma ameaça à laicidade do Estado, caso eleita. "O Estado laico é uma conquista da nossa Constituição, fruto de uma luta do movimento protestante para que nenhuma religião fosse oficial. Defende os interesses de quem crê, seja qual for a sua crença, e os interesses de quem não tem crença, porque o presidente da República não é eleito para ser um padre, para ser um pastor, para ser um rabino. É eleito para ser um presidente de todos os brasileiros, para respeitar os interesses de todos os homens e mulheres, independente da religião, da orientação sexual", afirmou.
Mais do que reverberar suas raízes religiosas – Marina chegou a cogitar a vida no convento quando saiu do Seringal Bagaço, no Acre, para estudar em Rio Branco –, as referências bíblicas em seu discurso não deixam de ser uma tática eficiente de dialogar com os setores mais conservadores, que englobam a maioria da população. “Ela defende valores universais contra os quais ninguém tem como discordar. Esse discurso de valor encontra guarida porque a sociedade brasileira é muito tradicional e ela encarna um pouco isso”, diz Eugênio Giglio, professor de Marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio de Janeiro (ESPM-Rio) e pesquisador de marketing político. Neste domingo,em Manaus, Marina falou também sobre a época em que queria ser freira: "Foi aqui em Manaus que vi o primeiro piano de cauda no Colégio Santa Doroteia. Nunca me esqueço que eu ia passando perto do colégio e escutei uma musica linda. Resolvi entrar. Estava com os pés sujos de lama, tirei a minha sandalinha para não sujar o tapete vermelho e a freira que estava ensinando música para uma aluna disse: 'Não precisa tirar a sandália'. Ali eu ouvi pela primeira vez música clássica. Foi a primeira janelinha para o mundo, porque foi aqui que foi plantada a semente de querer ser freira quando crescesse. E toda vez que eu dizia que eu queria ser freira a minha avó dizia: 'Minha filha, freira não pode ser analfabeta'. E assim surgiu o sonho de estudar".
Autoajuda – Na mesma proporção das passagens bíblicas, Marina se apoia em frases feitas extraídas de livro de autoajuda para turbinar seus discursos. Uma de suas passagens preferidas é de autoria do escritor ítalo-americano Leo Buscaglia, autor de diversos livros sobre a arte de amar e criador da disciplina Amor na University of Southern California, nos Estados Unidos, onde foi professor: “Quanto mais estrelas no céu, mais claro o caminho”, ela costuma repetir ao falar sobre seu projeto de arregimentar as melhores mentes de todos os setores da sociedade para compor seu governo caso eleita.
Sempre que cita Eduardo Campos, Marina recorre a uma frase: “Não há nada mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”. A frase atribuída ao escritor Victor Hugo já havia se tornado mantra de Campos e foi dita algumas vezes também por sua mulher, Renata, para homenageá-lo logo após o acidente que o matou.
(Com reportagem de Marcela Mattos, de Manaus)
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