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Assessor econômico de Marina defende 'choque de credibilidade'

Pesquisador da Universidade de Cambridge, Tiago Cavalcanti diz que Brasil precisa mudar a filosofia da gestão pública, com o estabelecimento de metas e resultados que evitem desperdícios

 
"Deveriamos ter reformas institucionais para melhorar o ambiente do negócio no Brasil", diz Tiago Cavalcanti
"Deveriamos ter reformas institucionais para melhorar o ambiente do negócio no Brasil", diz Tiago Cavalcanti 
A trajetória do economista Tiago Cavalcanti guarda várias semelhanças com a do ex-candidato à Presidência Eduardo Campos. Ambos são pernambucanos, se formaram em economia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e foram convidados para cursar doutorado na Universidade de Illinois Urbana Campaign, nos Estados Unidos. Campos decidiu priorizar a carreira política; já Cavalcanti aceitou o convite e, após concluir a pós-graduação, se tornou professor de desenvolvimento econômico na renomada Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Antes disso, os caminhos de Campos e Cavalcanti se cruzaram novamente. Após um encontro, Cavalcanti aceitou colaborar com a área econômica do programa de governo do PSB. E não parou por aí. 
Atualmente, mesmo de longe, Cavalcanti ainda contribui ativamente com a campanha de Marina Silva, que encabeçou a candidatura do PSB após a morte de Campos, em um acidente aéreo, em agosto. O interlocutor de Cavalcanti no Brasil é Alexandre Rands, irmão de Maurício Rands, coordenador do programa de governo do PSB. Quando passou a fazer parte do time, Cavacanti disse que convidou outras pessoas, como o professor do Insper Marco Bonomo.
Leia também:
O que esperar da equipe econômica de Marina Silva

Crítico da atual gestão econômica do governo, Cavalcanti diz que é preciso um "choque de credibilidade" na economia, principalmente na política monetária. "O primeiro erro grave (da atual gestão) é de diagnóstico. O problema do Brasil não é de demanda, mas de oferta", afirmou em entrevista ao site de VEJA. Entre outros pontos, Cavalcanti defende uma maior transparência na política fiscal, uma mudança na filosofia da gestão pública, com o estabelecimento de metas e resultados que evitem desperdícios, além de um fortalecimento da participação do setor privado em projetos públicos. Em linha com o que vem sendo defendido por Marina, Cavalcanti também acredita na independência formal do Banco Central (BC), no aumento do superávit primário, em uma reforma tributária e na trajetória de queda da meta de inflação. Veja trechos do bate-papo. 
Qual é  principal erro da política econômica do governo Dilma Rousseff?
O primeiro erro grave é de diagnóstico. O problema do Brasil não de demanda, mas de oferta. A taxa de desemprego é baixa, apesar de estar com tendência crescente, e a inflação é relativamente alta, mesmo com alguns preços controlados artificialmente.
O Brasil tem uma infraestrutura precária, uma mão-de-obra com baixa qualificação para padrões internacionais e um péssimo ambiente de negócio. Além disso, investimos muito pouco. Nossa taxa de investimento (18%) é parecida com a da Inglaterra que já tem uma infraestrutura razoável, mas bem abaixo dos países emergentes como China (acima de 40%) ou Chile (acima de 23%). Enquanto tínhamos capacidade produtiva ociosa (alto desemprego ou empregos precários) e a bonança externa devido ao alto preço das commodities, o Brasil cresceu. Mas, depois, parou.
Além disso, a política macroeconômica (fiscal e monetária) piorou muito nos últimos anos. A ideia do governo Dilma era a de que para aumentar a taxa de investimento e incentivar a produção industrial, o Brasil precisaria de uma nova matriz macroeconômica: taxa de juros baixa, câmbio depreciado e inflação baixa através do controle de alguns preços. Os conselheiros de Dilma falavam isso. Vimos que essa não foi uma política acertada.
Quais os ajustes necessários para a economia deslanchar em 2015?
O Brasil precisa corrigir as fontes dos problemas. Sabemos que congelar preços não é a solução para o problema da inflação. O correto é deixar o preço do petróleo seguir a tendência internacional. Também é preciso corrigir outros preços administrados. Paralelamente, a política monetária precisa de um choque de credibilidade e o Banco Central (BC) tem de seguir a meta estabelecida. Segundo, a política fiscal precisa de transparência, sem os famosos artifícios contábeis. Com isso, e um aumento no superávit primário, a dívida do Brasil poderia voltar para uma tendência sustentável.
O Brasil também precisa retomar a agenda de reformas. Arrecadamos, em proporção à renda, a mesma coisa que o Canadá e bem mais que o Chile. Mas nossos serviços públicos são bem piores que nesses dois países. Não precisa ter um choque enorme para diminuir o Estado, mas o Brasil pode sim reduzir os desperdícios no setor público, melhorando a gestão através de um planejamento e uma filosofia de metas e resultados neste setor. Com isso, podem sobrar mais recursos para investimento público e políticas sociais. Ainda é preciso aumentar a infraestrutura pública com a participação do setor privado. Neste caso, é preciso regras claras e transparência, que podem melhorar através do fortalecimento das agências reguladoras.
Por fim, são imprescindíveis reformas institucionais para melhorar o ambiente do negócio no Brasil. Abertura e fechamento de firmas, melhora na burocracia, rapidez para pagar impostos, etc. Deve-se criar metas para uma melhora institucional.
Em quais áreas da gestão pública há desperdícios que poderiam ser enxugados?
Teria de estudar a fundo as contas do governo. Mas, por exemplo, a diminuição na transferência de recursos do Tesouro para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). O BNDES poderia focar mais em algumas atividades e em setores com efeitos claros de trasbordamento ou retornos crescentes à escala, como em projetos de infraestrutura e inovação.
A reforma tributária é mesmo possível?
Deve-se ter um sistema tributário simples, que não incentive a evasão fiscal. Portanto, é preciso uma reforma que possa substituir a tributação complexa atual e introduzir uma tributação simples no valor adicionado, diminuindo a quantidade de tributos.
Como você avalia a atual meta de inflação? Ela deveria ser alterada? 
A meta deve ser de tendência negativa, ou seja, deve ser reduzida. Diria que o que está no programa de governo está bom.
Como Marina, se ganhar, conseguirá fazer todos os investimentos prometidos em áreas sociais e, ao mesmo tempo, enxugar gastos do Estado?
Acho primeiro que se passa por uma mudança na filosofia de gestão. É preciso planejar, definir metas e cobrar resultados. Dado o tamanho do Estado e a qualidade dos serviços que ele oferece, tenho certeza que há muito espaço para diminuir desperdícios. Eduardo Campos fez isso. Além disso, é importante definir incentivos para recompensar bom desempenho no setor público. O tamanho do Estado em relação à renda pode diminuir ao passar dos anos, mesmo sem cortes nos gastos. Basta que os gastos aumentem com a inflação e a taxa de crescimento do PIB real aumente em 1 ou 2 pontos porcentuais.
Educação pública, saúde pública e o Bolsa Família são conquistas da democracia. A gestão de um hospital pode ser privada, mas o suporte financeiro pode ser público. Não há nada de errado nesta filosofia. A esquerda gosta de apontar os países da Escandinávia como exemplo de países com uma alta participação do Estado e um alto nível de renda e  de qualidade de vida. É verdade, mas a filosofia é diferente. Não é um Estado produtor. É um Estado de bem-estar social que tem uma filosofia de gestão privada com metas e avaliação de resultados.
A independência do BC garantida por lei é necessária?
Sou a favor da autonomia do Banco Central. No passado, muita gente reclamou da Lei de Responsabilidade Fiscal e todo mundo agora acha que essa é uma lei importante para o controle de gastos no Brasil. Mudanças institucionais têm sempre resistência. O Banco Central da Inglaterra é gerido por um canadense que foi presidente do Banco Central do Canadá, e foi escolhido porque o Canadá passou pela crise de forma mais suave.
Os governos Dilma e Lula foram caracterizados pelo desenvolvimentismo; FHC era neoliberal. Marina quer ‘casar’ essas duas marcas. Qual a principal característica do programa da candidata? 
Não gosto de rótulos. Eles inibem o debate e cegam as discussões. Acho que há bastante evidência empírica de políticas que podem levar a um maior desenvolvimento e melhoria na qualidade de vida das pessoas. É preciso dar os incentivos corretos. Marina está trazendo o meio ambiente para o centro das discussões e como prioridade do seu projeto de governo. Acho que isso é um avanço imenso. Questões ambientais são problemas de primeira ordem. É preciso combater a desigualdade também. Não só na ponta, transferindo renda diretamente, mas também na origem. Neste caso, temos o problema da desigualdade de oportunidades. É aí que temos que realmente mudar o Brasil com investimento públicos nos primeiros anos de vida (onde o retorno é maior), creches e escolas integrais.
O senhor aceitaria compor a equipe econômica de um eventual governo de Marina Silva?
Essa é uma questão difícil. Tenho minha família, emprego na Universidade de Cambridge e alguns projetos pessoais relacionados à minha carreira acadêmica. Mas se for dentro das minhas qualificações e algo que genuinamente possa ajudar, então pensaria seriamente. No fundo, foi por isso que decidi fazer economia.

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