O fim da linha para Putin na Ucrânia?
Em artigo, Robert Skidelsky diz que a política de enfrentamento de Putin frente ao Ocidente provocará sanções que diminuirão o seu apoio entre a população
Robert Skidelsky
O presidente russo, Vladimir Putin (Ivan Sekretarev/Pool/Reuters)
Deixemos de lado os antecedentes geopolíticos e morais do imbróglio na Ucrânia. Os russos têm a justificativa, acredito, em sua postura de que o Ocidente se aproveitou da debilidade da Rússia pós-comunista para invadir o espaço histórico do seu país. A doutrina Monroe pode ser incompatível com o direito internacional contemporâneo, mas todas as potências com força suficiente para impor uma esfera estratégica de interesse o fazem.
Também acredito que se justifique a opinião de Putin de que um mundo multipolar é melhor do que um mundo unipolar se é para fazer avançar a causa da prosperidade humana. Nenhuma potência ou coligação é suficientemente sábia ou desinteressada para reclamar a soberania universal.
Dessa maneira, não deve ser nenhuma surpresa que a Rússia e outros países tenham começado a construir uma estrutura institucional para a multipolaridade. A organização de cooperação de Xangai, que inclui a Rússia, a China e quatro ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, estabeleceu-se em 2001. No mês passado, os cinco países do Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – criaram o novo Banco de Desenvolvimento e Acordo de Reservas de Contingência para diversificar as fontes de crédito oficial aos países em desenvolvimento.
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A política "não condicionada" dos membros dos Brics desafia explicitamente as condições impostas pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional aos solicitantes de crédito, embora a política ainda não tenha sido testada. Na verdade, é impossível imaginar os líderes chineses aprovando um crédito a um país que diz reconhecer Taiwan ou que aceita as reivindicações de independência tibetanas.
Mas o fato é que a Rússia é demasiado frágil para desafiar ainda mais o Ocidente, pelo menos da forma que o fez na Ucrânia. O PIB da Rússia é de aproximadamente dois trilhões de dólares e sua população de 143 milhões de pessoas está diminuindo rapidamente. Os Estados Unidos e a União Europeia têm um PIB combinado de aproximadamente 34 trilhões de dólares e uma população de 822 milhões, com a população dos EUA crescendo a níveis acelerados. Isto significa que o Ocidente pode causar muito mais danos à Rússia do que a Rússia pode causar ao Ocidente.
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Nem a União Soviética no auge de seu poder era uma superpotência. Com uma economia de aproximadamente um quarto do tamanho da dos Estados Unidos, ela pôde manter o equilíbrio militar gastando quatro vezes mais do seu rendimento nacional em defesa, como os EUA fizeram – em detrimento do nível de vida dos cidadãos comuns do país.
Hoje, o equilíbrio de poder é ainda mais desigual. A economia da Rússia é menos dinâmica e seus armamentos estão deteriorados. Conserva uma extraordinária capacidade nuclear, mas é inconcebível que a Rússia a use para conseguir os seus objetivos na Ucrânia.
Assim, ficamos ante um final da crise em que Putin não poderá reter seu espólio – a Crimeia e o controle das áreas de língua russa na região oriental da Ucrânia – nem retroceder. A Rússia deverá devolver esses territórios como condição para normalizar as suas relações com o Ocidente. No entanto, é mais provável que Putin apoie os separatistas do leste da Ucrânia o maior tempo possível – talvez com assistência militar encoberta como ajuda humanitária – e se recuse absolutamente a entregar a Crimeia.
Isto conduzirá a uma nova escalada de sanções ocidentais: restrições às exportações de gás e às exportações em geral, suspensão da Organização Mundial do Comércio, a retirada da Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2018 e assim por diante. Isto, em conjunto com o endurecimento das sanções atuais, incluída a exclusão de bancos russos de mercados de capitais ocidentais, provocará escassez grave, declínio de padrões de vida e mais problemas para a classe dominante russa.
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A reação natural dos russos será apoiar seu líder. Entretanto, o apoio a Putin, embora seja amplo, pode não ser intenso. É um respaldo que se dá antes que se tenham debatido os custos que terão as políticas de Putin. O controle estatal dos meios de comunicação e a repressão da oposição freiam essa discussão.
É natural e até mesmo correto pensar em possíveis acordos: a garantia de neutralidade da Ucrânia, uma maior autonomia regional, dentro de uma Ucrânia federal, uma administração internacional interina na Crimeia que supervisione um referendo sobre seu futuro e medidas similares. (Continue lendo o texto)
Todos os líderes mentem e dissimulam em certa medida, mas a escala de desinformação que sai do Kremlin é enorme. Então, uma pergunta deve ser feita: o Ocidente está preparado para fazer as pazes com Putin?
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Os líderes cujas aventuras de política externa acabam em derrota geralmente não sobrevivem muito tempo. Mecanismos formais são usados para destroná-los – como ocorreu, por exemplo, na União Soviética, quando o Comitê Central forçou Nikita Kruschev a deixar o poder em 1964 – ou ainda, mecanismos informais entram em jogo. A elite do poder de Putin começará a fraturar-se – na verdade, é possível que esse processo já tenha começado. Crescerá a pressão para a sua retirada. Será dito que não é necessário que seu país caia junto com ele.
É provável que um cenário assim, inimaginável há apenas alguns meses, já esteja se configurando à medida que a crise na Ucrânia se aproxime de seu fim. A era Putin poderia terminar mais cedo do que nós pensamos.
Robert Skidelsky é membro da Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha e professor emérito de política econômica na Universidade de Warwick.
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