Iraque
A 5 quilômetros do terror
O avanço dos jihadistas do Estado Islâmico sobre o território curdo foi, por ora, contido, mas o grupo continua lançando mão do seu repertório de maldades
Soldados peshmergas nos arredores de Makhmour, cidade que eles retomaram das mãos dos terroristas (Alice Martins/VEJA)
A cidade de Erbil, cujo centro fica a 30 quilômetros de Makhmour, foi o último bastião do relativamente tranquilo e próspero Curdistão iraquiano a resistir à incursão do Isis. Mais ao sul, Bagdá também se mantém, por ora, livre do Estado Islâmico. Boa parte do Exército iraquiano foi mobilizada para defender a capital. O Isis ainda detém o domínio de um terço dos territórios da Síria, onde está baseado, e do Iraque, e segue com seu plano de instalar entre os rios Tigre e Eufrates o princípio de um califado de índole brutal e expansionista.
No Iraque, os jihadistas têm sido atrozes com yazidis, cristãos, xiitas e até sunitas como eles. “Eles colocam bombas em todo lugar, até nos cadáveres de seus próprios combatentes”, diz Mustafa Qadir Aziz, ministro da Defesa iraquiano. Mas Erbil, onde quase toda a população é da etnia curda, resistiu. Enriquecida pelo petróleo e com uma sociedade de contornos democráticos raros para os padrões do Oriente Médio, que inclui participação de mulheres na política e tolerância religiosa, a capital do Curdistão iraquiano foi considerada um tesouro precioso demais para ser rifado. Para defenderem a população de 1,5 milhão de habitantes, entre os quais funcionários do consulado americano, e as filiais de inúmeras empresas estrangeiras de petróleo, os Estados Unidos passaram a bombardear alvos do Estado Islâmico no dia 8 de agosto. Os moradores, que antes se preparavam para fugir de casa, voltaram ao trabalho, aos shoppings e aos parques de diversões. Agora, fazem coro em louvor aos soldados. Nas rádios, as músicas românticas foram substituídas por hinos nacionalistas. “Somos todos peshmergas”, diz um deles.
No front em Makhmour e nos checkpoints da estrada, alguns soldados ostentam a expressão “US Army” (“Exército dos EUA”, em inglês) na camiseta. Não, não são americanos. São voluntários curdos que, para ser aceitos nas fileiras peshmergas, compraram do próprio bolso uma roupa camuflada e um par de botas por 70 dólares. Metade das forças de defesa da cidade é formada por esses abnegados. O presidente americano Barack Obama garante que não enviará suas tropas para combater no Iraque, de onde saíram há dois anos e meio. Existem, sim, alguns analistas militares dos Estados Unidos em Erbil, sempre muito vorazes nos bufês dos restaurantes dos hotéis da cidade. Eles trabalham em uma sala de operação com oficiais peshmergas. Após conseguirem a localização dos seus alvos, enviam os dados aos Estados Unidos e os caças descarregam suas bombas na hora marcada. As batalhas por terra contra o Isis são encabeçadas pelas forças peshmergas, mas também há soldados do Exército iraquiano, e por guerrilheiros do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), uma organização criada na Turquia que, por ironia, está na lista americana de entidades terroristas. Os peshmergas estão recebendo armas dos Estados Unidos e da França. O objetivo é continuar avançando contra as fileiras terroristas, para obrigá-las a recuar até a Síria. O secretário de Defesa americano Chuck Hagel, porém, admite que isso não será o bastante para livrar o mundo dessa ameaça. Na semana passada, o Isis divulgou na internet um vídeo em que o jornalista americano James Foley, sequestrado em 2012, é decapitado com uma faca por um carrasco de rosto coberto e sotaque inglês. Ele é um dos 4 000 estrangeiros, que não são sírios nem iraquianos, recrutados pelo Estado Islâmico. Mesmo que o grupo perca território no Iraque, usará a Síria como plataforma de recrutamento, treinamento e planejamento para realizar atentados mundo afora.
Por ora, Erbil, a cidade mais vibrante do norte do Iraque, está livre da ameaça jihadista. Na concessionária Jaguar, Land Rover e Toyota, os clientes continuam comprando carros de mais de 80 000 dólares em dinheiro vivo, já que não existe o costume de depositar valores no banco ou de usar cartões de crédito. “Tenho apenas dois seguranças, que nem sequer têm treinamento com armas pesadas”, diz o inglês Chris Ward, gerente da loja, de propriedade de uma família curda. Os curdos prezam a recente riqueza material de sua região, mas orgulham-se ainda mais de outro bem: os valores democráticos. “Daqui a cinco ou dez anos, teremos uma democracia como a dos países da Europa ou Israel”, diz o historiador Saadi Uthman Haruti, da Universidade de Salahddin. Apenas 5 quilômetros separam a linha de defesa desse enclave de civilização da barbárie do Estado Islâmico.
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