Três anos depois de revolta, Tunísia tem nova Constituição
Texto estabelece o islamismo como religião do Estado ao mesmo tempo em que protege a liberdade de crença e a igualdade entre os sexos
O presidente da Tunísia, Moncef Marzouki, comemora depois de assinar a nova Constituição do país (Reuters)
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Na Tunísia, berço das manifestações populares que ficaram conhecidas como Primavera Árabe, os islamistas do Ennahda conseguiram com o tempo se entender com os seculares e os grupos de esquerda para escrever a nova Carta com o apoio de todas as facções. Inicialmente, o partido no poder defendeu artigos contrários aos direitos das mulheres, mas recuou depois de ver o que aconteceu com a Irmandade Muçulmana no Egito. Os islamistas egípcios, depois de assumir o poder, excluíram a oposição secular das discussões da nova Constituição. Com o golpe contra Mohamed Mursi, em julho do ano passado, os generais estabeleceram uma comissão que elaborou um novo texto sem a presença da Irmandade – e preservou seus antigos feudos.
Os políticos tunisianos pretendem mandar uma mensagem diferente para os públicos interno e externo, a de estabilidade e união. O texto aprovado designa o islamismo como religião do Estado ao mesmo tempo em que protege a liberdade de crença e a igualdade entre os sexos. Partes da Carta, como o artigo 45, que determina que o governo deve criar paridade para as mulheres em todas as assembleias legislativas do país, podem fazer história, como destacou a rede britânica BBC.
"O caminho ainda é longo. Ainda há muito a ser feito para que os valores de nossa Constituição façam parte de nossa cultura", afirmou o presidente Moncef Marzouki ao assinar a nova Constituição, que considerou uma "vitória sobre a ditadura" de Ben Ali.
O Ennahda, que é maioria no Parlamento, também concordou em deixar o poder para que o ex-ministro Mehdi Jomaa formasse um governo interino de tecnocratas. A principal tarefa deste governo será organizar eleições legislativas e presidenciais antes do final do ano. Apesar de a data do pleito não estar definida, a expectativa é que o Ennahda e o partido opositor Nidaa Tounes, comandado por ex-integrantes do governo de Ben Ali, estejam na disputa pela Presidência.
Desafios – Depois da revolta de 2011, a Tunísia, uma das nações mais seculares do mundo árabe, enfrentou divisões relacionadas ao papal do Islã e à ascensão de islamistas ultraconservadores. Líderes do Ennahda – uma organização com ideologia similar à da Irmandade Muçulmana – que viviam asilados na Europa voltaram ao país depois da queda de Ben Ali e, meses depois, a organização ganhou 40% das cadeiras no Parlamento que se encarregaria de montar um governo de transição e de redigir uma nova Constituição. Cargos altos nos ministérios foram ocupados até por ex-exilados que eram constantemente monitorados pela Interpol por suspeita de terrorismo.
No ano passado, o assassinato de dois líderes opositores provocou uma crise no país. Associada aos desdobramentos no Egito, a crise levou o Ennahda a fazer um acordo com a oposição. As divisões permanecem e o país também tem preocupações relacionadas à fronteira com a Líbia, refúgio de terroristas ligados à Al Qaeda. Um atentado suicida em um resort tunisiano no final do ano passado expôs a vulnerabilidade do país.
Os problemas também atingem a esfera econômica, com alto custo de vida, desemprego e inflação elevados e déficit orçamentário. Recentemente, protestos contra um aumento de impostos levou o governo a voltar atrás na decisão. “A adoção de uma nova Constituição é um passo importante para reduzir a instabilidade política na Tunísia. Mas aliviar com as tensões política e social ainda será um processo longo e desafiador”, afirmou a agência de rating Fitch em comunicado.
(Com agências Reuters e France-Presse)
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