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No Iraque, terrorismo mostra força e instabilidade persiste

Em país dividido em brigas sectárias, grupo ligado à Al Qaeda domina território e governo apenas observa. Guerra civil na vizinha Síria desestabiliza ainda mais o país, que tem a difícil missão de se reeguer

 
Quando os Estados Unidos anunciaram que suas tropas tinham deixado o Iraque, em dezembro de 2011, após oito anos de ocupação, Barack Obama disse que finalmente o país teria a chance de se reerguer com suas próprias forças. Dois anos depois, a realidade mostra que a expectativa do presidente americano não se concretizou. O governo comandado pelo primeiro-ministro Nuri al-Maliki não consegue unir um país dividido em violentas querelas sectárias e ameaçado por milícias islâmicas. O cenário é agravado pela extrema fragilidade institucional, corrupção e a economia debilitada. O quadro final é desanimador. O Iraque afunda ao custo de vidas humanas – somente em 2012 mais de 9.400 civis morreram em conflitos e ataques terroristas, o número mais alto de vítimas desde 2008, que teve mais de 10 000 mortos. Segundo especialistas ouvidos pelo site de VEJA, há poucos motivos para otimismo.
História – Desde a divisão atabalhoada de suas fronteiras em 1920, o país tornou-se um emaranhado de religiões e etnias, as quais frequentemente entram em conflito. Há árabes, curdos e turcos. Xiitas, sunitas e cristãos, sendo que muitos desses últimos fugiram em massa do país com medo da violência. Para tentar entender a complexa e delicada situação em que o Iraque se encontra atualmente, as chaves são a histórica rivalidade entre sunitas e xiitas e o conflito na vizinha Síria.
“A inimizade entre sunitas e xiitas no Iraque remonta a muitos séculos. Para resumir, mais recentemente, os turcos favoreceram os sunitas quando eles controlavam o Iraque antes da I Guerra Mundial. Depois, os governos liderados pelos britânicos também favoreceram os sunitas. Saddam Hussein era sunita e reprimiu brutalmente os xiitas, embora eles sejam mais de 60% da população do Iraque. Hoje, com os xiitas no controle, o governo está mantendo os políticos sunitas marginalizados”, explica John Tirman, diretor do Centro de Estudos Internacionais do MIT.
No entanto, no cotidiano dos iraquianos comuns essa hostilidade entre xiitas, sunitas e curdos (etnia que habita o extremo norte do país) é atenuada – há muitos casamentos entre pessoas de fações distintas e eles convivem com suas diferenças há séculos. O problema reside no uso político e religioso dessa divisão, com milícias extremistas islâmicas e políticos incitando a violência sectária para alcançarem seus objetivos.
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Falluja, o epicentro do terror – Em meio ao caos, a maior preocupação tem endereço: a província de Anbar, no oeste do país, habitada majoritariamente por sunitas. O principal município da província é Falluja, localizada às margens do rio Eufrates e a pouco mais de 60 km de Bagdá, no centro do país. Hoje, seus mais de 400.000 habitantes são reféns de grupos extremistas que expulsaram o governo e as forças policiais. Por serem de maioria sunita, muitos viram com bons olhos a saída dos governantes xiitas. Outros, porém, temem trocar um governo xiita antipático por um governo sunita radical, que adota inclusive a sharia (código de rigorosas leis islâmicas). A situação da cidade é tão delicada, que o primeiro-ministro iraquiano se recusou a enviar tropas para lá e pediu para os próprios moradores expulsarem os extremistas. “Não há meio de saber quem está no comando de Falluja, eu ficaria surpreso se fosse apenas um grupo. Eu especulo que possa ser uma ampla coalizão de forças árabes sunitas que se opõem a Maliki”, diz Brendan O’Leary, especialista em Iraque da Universidade da Pensilvânia.
Ao longo de quase três anos, o conflito na Síria deixou as fronteiras sem patrulhamento, intensificando a migração de terroristas e armas entre a Síria e o Iraque. Dentre os muitos grupos interessados em desestabilizar o governo e criar um Estado islâmico, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), que conta com o apoio de parte dos sunitas e tem ligações com a Al Qaeda e com extremistas que atuam no conflito da Síria, ganhou força rapidamente. Em menos de um ano, a milícia conseguiu agrupar pequenos grupos extremistas para formar uma organização com mais de 7 000 homens e fortemente armada. “Os extremistas do EIIL tornaram-se mais ousados e agressivos. Enquanto a Arábia Saudita e o Catar estiverem financiando grupos radicais na Síria, o transbordamento de armas e rebeldes para o Iraque vai continuar”, diz Tirman
Para fomentar o ódio sectário, o EIIL passou a cometer ataques e atentados praticamente diários contra os xiitas. Com isso, eles enfraquecem o já anêmico governo iraquiano e encorajam os xiitas e reagirem na mesma moeda – matando civis sunitas. O'Leary, que morou no Iraque durante os anos de ocupação americana, atuando como consultor para ajudar o país a reestruturar sua frágil democracia, acredita que o EIIL seja o principal e mais agressivo grupo comandando Falluja e atuando para desestabilizar o Iraque. “Eles são em sua maioria árabes sunitas, iraquianos e estrangeiros, mas em grande parte recrutados das tribos sunitas do Iraque e da Síria. Eles estão ligados a Al Qaeda, mas, no Iraque, são mais importantes do que a Al Qaeda”. (Continue lendo o texto)

Mapa do Iraque e a província de Anbar

A hesitação de Maliki em relação à Falluja, segundo os especialistas, tem diferentes motivos, que vão desde a incerteza do sucesso até aos altos custos de uma operação militar para combater os rebeldes. O principal motivo, porém, é que ele não tem interesse em comandar um ataque contra a cidade e correr o risco de perder o pouco de prestígio que lhe resta entre os sunitas. Com a situação como está, ele ainda pode tentar dialogar com líderes sunitas moderados. Um ataque interromperia qualquer rota diplomática para tentar estabelecer uma unidade entre sunitas e xiitas.
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Um 'premiê-ministro' – O governo de Maliki, mesmo fragilizado, centralizador e confuso – em três anos como primeiro-ministro ele foi incapaz de nomear alguém para comandar os ministérios do Interior e da Defesa, acumulando os cargos –, ainda tem o apoio do governo dos EUA e dos países ocidentais. Com isso, Maliki vai equilibrando-se no poder até as próximas eleições parlamentares, em abril. De acordo com analistas, a Coalizão do Estado de Direito, da qual o atual premiê faz parte, mesmo sem apoio em Anbar, deve manter a predominância no Parlamento. “Infelizmente, não vislumbro coligações entre as facções, apenas algumas alianças intertribais instáveis ​​unidas sob um objetivo comum. E, por causa da instabilidade e da falta de segurança, temo que as eleições não sejam livres e justas”, afirma O’Leary.
Mesmo sem ameaças imediatas ao seu governo, Maliki precisará de muita habilidade política e diplomática para evitar o esfacelamento do país. O primeiro-ministro tem reivindicado apoio de todos os atores nacionais e internacionais que se opõem ao terrorismo. Com isso, mantém a cooperação militar dos EUA, que fornecem armamentos e treinamento para combater terroristas. “Maliki tem a força política e militar para tentar esfriar os ânimos sectários e combater os terroristas. Outros fatores, como a guerra civil na Síria, em particular, vão continuar a adicionar combustível ao fogo iraquiano. Maliki precisa mudar táticas políticas, ser mais flexível e aceitar a participação de políticos sunitas em seu governo. Reconciliação é a única resposta para o Iraque”, analisa Tirman.
O’Leary vai além e vislumbra uma solução para a crise na inclusão de xiitas, sunitas e curdos, no poder iraquiano. “Eles estão errados ao pensar que a solução está em uma forte centralização do poder, sob Maliki ou qualquer outra pessoa. Há apenas dois caminhos viáveis: ou o federalismo genuíno, dando aos sunitas e curdos autonomia máxima com uma verdadeira partilha do poder em Bagdá, ou o desmembramento do país em três partes”, especula. “Agora, o segundo caminho está se abrindo mais do que em qualquer outro momento desde o ápice da instabilidade, entre 2007 e 2008”.
O sucesso de Maliki é também um desejo dos EUA, que o apoia e não pretende voltar a ter tropas no Iraque. “A escala colossal da destruição causada pela invasão e ocupação dos EUA é a causa imediata de instabilidade no Iraque e Obama sabe disso”, pontua Tirman. Por isso, a volta dos EUA ao Iraque só iria contribuir para aumentar a fúria dos extremistas e desestabilizar ainda mais o país. Além disso, nem Obama nem o Congresso e muito menos o povo americano apoiaria outra dispendiosa e arriscada operação militar no Oriente Médio. Enquanto a profunda crise ‘sócio-político-militar-religiosa’ no Iraque não se resolve, as Nações Unidas, Cruz Vermelha, Human Right Watch e outras entidades que atuam no país temem pela segurança do povo iraquiano. Já há quem lamente que a atual onda de violência possa elevar o número de vítimas civis para os patamares registrados nos anos de 2006 e 2007, quando mais de 29.000 e 25.000 civis morreram, respectivamente. Diante da complexidade do problema, a ONU e as entidades têm razão para se preocupar.

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