Morre Oscar Niemeyer, metade gênio e metade idiota
Morreu o arquiteto Oscar Niemeyer, aos 104 anos. Pensava
e escrevia coisas detestáveis. Dele se pode dizer o que disse Millôr Fernandes
sobre um colega seu de Pasquim: “Metade é gênio, e metade é idiota”.
Não tenho nada a acrescentar ao que escrevi sobre ele,
neste blog, quando fez 99 anos – teve tempo de escrever e de dizer muitas
tolices depois. Mas nada disso, acho, macula a sua obra. Reproduzo aquele texto.
Volto para encerrar.
*Um homem não é sua obra. Céline — Louis-Ferdinand Céline — era um idiota político e um antissemita delirante. E, no entanto, escrevia como um príncipe. Cumpre não usar o seu belo texto para justificar seu cretinismo. Ezra Pound era um fascistoide do miolo mole, mas um poeta admirável (embora não do meu gosto pessoal) e um homem de cultura. Os textos sobre política de Fernando Pessoa não servem nem para catar cocô. E foi, a meu ver, um dos maiores poetas de todos os tempos em qualquer língua. A lista seria gigantesca. Há cretinos políticos de esquerda também. O meu romancista predileto no Brasil, Graciliano Ramos, era comunista, mas São Bernardo, Angústia, Vidas Secas ou mesmo Memórias do Cárcere — relato de quando foi preso pela ditadura de Getúlio justamente porque era comunista — não são.
*Um homem não é sua obra. Céline — Louis-Ferdinand Céline — era um idiota político e um antissemita delirante. E, no entanto, escrevia como um príncipe. Cumpre não usar o seu belo texto para justificar seu cretinismo. Ezra Pound era um fascistoide do miolo mole, mas um poeta admirável (embora não do meu gosto pessoal) e um homem de cultura. Os textos sobre política de Fernando Pessoa não servem nem para catar cocô. E foi, a meu ver, um dos maiores poetas de todos os tempos em qualquer língua. A lista seria gigantesca. Há cretinos políticos de esquerda também. O meu romancista predileto no Brasil, Graciliano Ramos, era comunista, mas São Bernardo, Angústia, Vidas Secas ou mesmo Memórias do Cárcere — relato de quando foi preso pela ditadura de Getúlio justamente porque era comunista — não são.
Os meus amigos sabem o que penso: artistas jamais
deveriam se ocupar de política — não em sua arte. Não acredito em obra engajada,
a não ser naquela que expressa melancolia, desespero e saudosismo. A boa arte
política é sempre reacionária, voltada para o passado. Artistas que se dobram a
utopias finalistas se transformam em prosélitos. Desconheço se Churchill
escreveu algum verso ou disse algo relevante sobre a condição humana. Mas, em
política, foi o maior entre os, chamemo-lo ainda assim, contemporâneos. Cada
coisa em seu lugar. É típico do obscurantismo e da burrice — fascista ou
leninista — satanizar a obra deixada por um artista por conta do seu alinhamento
ideológico. Seria como censurar Churchill porque mau poeta.
Respeito, como quase sempre, opiniões contrárias e até
entendo a natureza da crítica. Pessoalmente, no entanto, acho Oscar Niemeyer um
gênio, embora deplore as suas escolhas políticas e enxergue em sua trajetória de
vida o principal desvio de caráter dos comunistas: o oportunismo nos meios com o
totalitarismo no fim. Mas e daí? Vou dizer, por isso, que não vislumbro no seu
trabalho a centelha do gênio? Vislumbro. Não sei quanto tempo ainda dura esta
nossa aventura. Pelo tempo que durar, o seu trabalho restará como bom exemplo do
que pode produzir o gênio humano.
Assim como, sei lá eu, o gótico foi a expressão material
do espírito de um tempo, acho que Niemeyer conseguiu dar forma à cultura
moderna, com a leveza do seu concreto, o que já é quase um clichê. A Catedral de
Brasília, templo de oração projetado por um ateu militante, consegue a síntese
perfeita entre o mundo horizontal e igualitário — o espírito do tempo moderno —
e o apelo ao divino, a memória cultural que uma igreja, qualquer uma, evoca.
Acho descabidas as críticas a seus prédios brasilienses — “desconfortáveis”,
“ignoram a natureza”, sei lá o quê… Mas tudo bem: essa crítica é pertinente e
aceitável.
O que censuro mais em Juscelino Kubitschek do que nele,
aí, sim, é a vocação para achar que a sociedade obedece a regras que cabem num
projeto. Brasília foi, em muitos aspectos, um delírio caro, desnecessário e
megalômano, que, ademais, afastou a política da vida dos cidadãos comuns. A
concepção, em si, é autoritária, menos pelo que possa haver de “comunismo”
embutido do que de descolamento de certa elite da realidade do país. Cidades só
nasciam por atos administrativos na vontade de imperadores e déspotas. Elas são
construções coletivas, como, aliás, a Brasília cheia de defeitos de hoje prova à
farta.
Voltei
A estupidez política de Niemeyer, que defendia regimes homicidas, não condena a sua obra. Mas a sua obra também não absolve a sua estupidez política.
A estupidez política de Niemeyer, que defendia regimes homicidas, não condena a sua obra. Mas a sua obra também não absolve a sua estupidez política.
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