Pular para o conteúdo principal

O “Plano Merkel” para a Europa

Economias mais fortes da região devem se preocupar, na opinião de Bill Emmott, com a unidade europeia. Ele acredita que seria necessária uma versão moderna do Plano Marshall

 
A chanceler alemã Angela Merkel
A chanceler alemã Angela Merkel (Stefanie Loos/Reuters/)
A fórmula da Alemanha para a crise do euro tem sido a de insistir em apertar o cinto fiscal e de reformas estruturais para reduzir futuras despesas públicas com pensões e salários, tornar o mercado de trabalho mais flexível, e aumentar a produtividade
Desde que a crise econômica da Europa eclodiu há mais de quatro anos, os políticos e especialistas têm clamado para uma grande solução, muitas vezes invocando o exemplo pós-guerra do Plano Marshall dos Estados Unidos, que, a partir de 1948, ajudou a reconstruir a economia da Europa Ocidental, endividada e destruída. Mas, o momento político nunca foi oportuno, o que pode estar prestes a mudar.
A situação atual da Europa tem algumas semelhanças com a década de 1940. Sobrecarregados pelas dívidas públicas resultantes de erros do passado, os governos da zona do euro sabem o que precisam fazer, mas não como fazê-lo. Eles desconfiam muito uns dos outros para colaborar. Enquanto isso, a demanda na maior parte da União Europeia é fraca, o que exclui o crescimento econômico necessário para pagar dívidas e dar esperança aos 25 milhões de desempregados.
A desconfiança regional tem sido o principal obstáculo a uma grande solução. Nenhum contribuinte quer sentir que está pagando por excessos dos outros países: a moeda única não impunha responsabilidade compartilhada. Assim, os países credores, liderados pela Alemanha, têm procurado fazer o mínimo necessário para manter o euro vivo, enquanto os devedores têm resmungado, impotentes, por causa da insistência da Alemanha na austeridade fiscal.
Os dois lados discordam sobre a natureza da doença europeia e, quando não há acordo sobre o diagnóstico, é difícil chegar o acordo sobre a cura. No entanto, a convergência pode ser iminente, devido à evolução nas políticas grega, espanhola e britânica, bem como à simples passagem do tempo.
Em 25 de janeiro (*), os gregos estavam prestes a eleger um governo dominado pelo partido de extrema-esquerda Syriza, que é contra o euro, mas que agora se compromete a negociar uma reestruturação das dívidas da Grécia. O partido mais popular da Espanha antes da eleição geral prevista para o final deste ano é o Podemos, que foi fundado apenas em janeiro de 2014 e tem uma visão semelhante à do Syriza. E a eleição no Reino Unido, em maio, vai balançar o barco europeu, centrando-se sobre a questão de quando a Grã-Bretanha deve realizar um referendo sobre a possibilidade de abandonar a União Europeia.
Leia também: Líder antiausteridade vence na Grécia e preocupa Europa
Premiê grego reconhece vitória de partido de esquerda
Austeridade: a ideia poderosa que dá vida ao capitalismo

Esses estrondos políticos preocupam os países credores, o que se reflete na frequência de avisos da Alemanha de que o novo governo grego deve aderir aos acordos existentes. Isso é um indicador seguro de que a Alemanha teme que Syriza não vai fazê-lo. A negociação começou.
A passagem do tempo deve ajudar com esta negociação. A fórmula da Alemanha para a crise do euro tem sido a de insistir em apertar o cinto fiscal e de reformas estruturais para reduzir futuras despesas públicas com pensões e salários, tornar o mercado de trabalho mais flexível, e aumentar a produtividade, tudo em troca de empréstimos de emergência. Desde o início da crise , os principais beneficiários - Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal – seguiram essa fórmula.
Como resultado, está se tornando possível, em termos políticos, dizer que os devedores levaram seu castigo e fizeram suas economias mais competitivas. O crescimento econômico se recuperou fortemente na Irlanda, levemente na Espanha e em Portugal, e timidamente na Grécia. O que agora está atrasando essas e outras economias europeias é a fraca demanda na zona do euro como um todo.
É por isso que é necessária uma versão moderna do Plano Marshall. Politicamente, seria inteligente se a chanceler alemã, Angela Merkel tomasse a iniciativa de propor tal grande solução, em vez de ser forçada a fragmentar concessões relutantes por novos governos na Grécia, Espanha, ou em outro lugar .
Seria ainda mais inteligente compartilhar essa iniciativa com os líderes de outras grandes economias da Europa: o presidente francês, François Hollande, que, após os ataques terroristas no início deste mês, esteja, talvez, especialmente receptivo a esforços para promover a unidade e crescimento econômico, e o primeiro-ministro britânico David Cameron, que gostaria de receber sinais de reforma europeia.
Leia ainda:
O papel da Alemanha na atual ordem internacional
George Soros: papel da UE será crucial para o futuro da Ucrânia

Um Plano Marshall moderno deve ter três componentes principais. Em primeiro lugar, a dívida soberana na zona do euro seria reestruturada para aliviar a dor sofrida pela Grécia e Espanha. Em segundo lugar, um programa de investimento público financiado coletivamente iria focar em abastecimento de energia e outras infraestruturas. Em terceiro lugar, um calendário para a conclusão das reformas liberalizantes do mercado único - particularmente para as indústrias de serviços e da economia digital – poderia ser estabelecido.
Na Alemanha, a reestruturação da dívida seria o componente mais controverso. Mas os alemães devem ser lembrados de que, junto com fundos do Plano Marshall para a Europa Ocidental , o outro grande impulso para a recuperação econômica do pós-guerra da Alemanha veio de reestruturação da dívida. O Acordo de Londres de 1953 cancelou 50% da dívida pública da Alemanha e reestruturou a outra metade para dar ao país mais tempo para pagar.
Apesar de uma eliminação de dívidas da zona do euro ser politicamente difícil, seria possível refinanciar uma grande proporção com eurobonds com prazos mais longos , que todos os países da zona euro subscreveriam. O que é crucial é que tal medida seja estendida a todos os membros da zona do euro, em vez de destacar um país (Grécia).
Incluindo os outros componentes do investimento público e a integração do mercado interno, o plano de Merkel (ou, melhor, o plano de Merkel-Hollande-Cameron) seria capaz de reiniciar o crescimento econômico ao mesmo tempo em que a abertura dos países poderia levar a mais comércio e maior concorrência. Este tema aborda uma das principais queixas britânicas sobre a UE: que ela, até agora, não conseguiu integrar o mercado único, um projeto iniciado em parte por Margaret Thatcher nos anos 80.
Naturalmente, um Plano Marshall moderno iria se deparar com um muro de ceticismo e obstrução por grupos de interesse nacionais. Mas, levantando-se em conjunto, os dirigentes europeus poderiam ganhar essa batalha. E se isso não for tentado, os europeus de amanhã poderão nunca perdoar os líderes de hoje.
Bill Emmott , ex-editor da The Economist, é produtor executivo de The Great European Disaster Movie, que será transmitido pela BBC em 8 de fevereiro.
* (O artigo foi publicado pouco antes das eleições legislativas na Grécia, que terminaram com o partido de extrema esquerda Syriza eleito neste domingo, como previsto pelo autor.)
© Project Syndicate, 2014
(Tradução: Roseli Honório)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
uspeitos de envolvimento no assassinato de Marielle Franco Há indícios de que alvos comandem Escritório do Crime, braço armado da organização, especializado em assassinatos por encomenda Chico Otavio, Vera Araújo; Arthur Leal; Gustavo Goulart; Rafael Soares e Pedro Zuazo 22/01/2019 - 07:25 / Atualizado em 22/01/2019 - 09:15 O major da PM Ronald Paulo Alves Pereira (de boné e camisa branca) é preso em sua casa Foto: Gabriel Paiva / Agência O Globo Bem vindo ao Player Audima. Clique TAB para navegar entre os botões, ou aperte CONTROL PONTO para dar PLAY. CONTROL PONTO E VÍRGULA ou BARRA para avançar. CONTROL VÍRGULA para retroceder. ALT PONTO E VÍRGULA ou BARRA para acelerar a velocidade de leitura. ALT VÍRGULA para desacelerar a velocidade de leitura. Play! Ouça este conteúdo 0:00 Audima Abrir menu de opções do player Audima. PUBLICIDADE RIO — O Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro (M
Nos 50 anos do seu programa, Silvio Santos perde a vergonha e as calças Publicidade DO RIO Para alguém conhecido, no início da carreira, como "o peru que fala", graças à vermelhidão causada pela timidez diante do auditório, Silvio Santos passou por uma notável transformação nos 50 anos à frente do programa que leva seu nome. Hoje, está totalmente sem vergonha. Mestre do 'stand-up', Silvio Santos ri de si mesmo atrás de ibope Só nos últimos meses, perdeu as calças no ar (e deixou a cena ser exibida), constrangeu convidados com comentários irônicos e maldosos e vem falando palavrões e piadas sexuais em seu programa. Está, como se diz na gíria, "soltinho" aos 81 anos. O baú do Silvio Ver em tamanho maior » Anterior Próxima Elias - 13.jun.65/Acervo UH/Folhapress Anterior Próxima Aniversário do "Programa Silvio Santos", no ginásio do Pacaembu, em São Paulo, em junho de 1965; na época, o programa ia ao ar p