O “Plano Merkel” para a Europa
Economias mais fortes da região devem se preocupar, na opinião de Bill Emmott, com a unidade europeia. Ele acredita que seria necessária uma versão moderna do Plano Marshall
A chanceler alemã Angela Merkel (Stefanie Loos/Reuters/)
A fórmula da Alemanha para a crise do euro tem sido a de insistir em apertar o cinto fiscal e de reformas estruturais para reduzir futuras despesas públicas com pensões e salários, tornar o mercado de trabalho mais flexível, e aumentar a produtividade
A situação atual da Europa tem algumas semelhanças com a década de 1940. Sobrecarregados pelas dívidas públicas resultantes de erros do passado, os governos da zona do euro sabem o que precisam fazer, mas não como fazê-lo. Eles desconfiam muito uns dos outros para colaborar. Enquanto isso, a demanda na maior parte da União Europeia é fraca, o que exclui o crescimento econômico necessário para pagar dívidas e dar esperança aos 25 milhões de desempregados.
A desconfiança regional tem sido o principal obstáculo a uma grande solução. Nenhum contribuinte quer sentir que está pagando por excessos dos outros países: a moeda única não impunha responsabilidade compartilhada. Assim, os países credores, liderados pela Alemanha, têm procurado fazer o mínimo necessário para manter o euro vivo, enquanto os devedores têm resmungado, impotentes, por causa da insistência da Alemanha na austeridade fiscal.
Os dois lados discordam sobre a natureza da doença europeia e, quando não há acordo sobre o diagnóstico, é difícil chegar o acordo sobre a cura. No entanto, a convergência pode ser iminente, devido à evolução nas políticas grega, espanhola e britânica, bem como à simples passagem do tempo.
Em 25 de janeiro (*), os gregos estavam prestes a eleger um governo dominado pelo partido de extrema-esquerda Syriza, que é contra o euro, mas que agora se compromete a negociar uma reestruturação das dívidas da Grécia. O partido mais popular da Espanha antes da eleição geral prevista para o final deste ano é o Podemos, que foi fundado apenas em janeiro de 2014 e tem uma visão semelhante à do Syriza. E a eleição no Reino Unido, em maio, vai balançar o barco europeu, centrando-se sobre a questão de quando a Grã-Bretanha deve realizar um referendo sobre a possibilidade de abandonar a União Europeia.
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Esses estrondos políticos preocupam os países credores, o que se reflete na frequência de avisos da Alemanha de que o novo governo grego deve aderir aos acordos existentes. Isso é um indicador seguro de que a Alemanha teme que Syriza não vai fazê-lo. A negociação começou.
A passagem do tempo deve ajudar com esta negociação. A fórmula da Alemanha para a crise do euro tem sido a de insistir em apertar o cinto fiscal e de reformas estruturais para reduzir futuras despesas públicas com pensões e salários, tornar o mercado de trabalho mais flexível, e aumentar a produtividade, tudo em troca de empréstimos de emergência. Desde o início da crise , os principais beneficiários - Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal – seguiram essa fórmula.
Como resultado, está se tornando possível, em termos políticos, dizer que os devedores levaram seu castigo e fizeram suas economias mais competitivas. O crescimento econômico se recuperou fortemente na Irlanda, levemente na Espanha e em Portugal, e timidamente na Grécia. O que agora está atrasando essas e outras economias europeias é a fraca demanda na zona do euro como um todo.
É por isso que é necessária uma versão moderna do Plano Marshall. Politicamente, seria inteligente se a chanceler alemã, Angela Merkel tomasse a iniciativa de propor tal grande solução, em vez de ser forçada a fragmentar concessões relutantes por novos governos na Grécia, Espanha, ou em outro lugar .
Seria ainda mais inteligente compartilhar essa iniciativa com os líderes de outras grandes economias da Europa: o presidente francês, François Hollande, que, após os ataques terroristas no início deste mês, esteja, talvez, especialmente receptivo a esforços para promover a unidade e crescimento econômico, e o primeiro-ministro britânico David Cameron, que gostaria de receber sinais de reforma europeia.
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Um Plano Marshall moderno deve ter três componentes principais. Em primeiro lugar, a dívida soberana na zona do euro seria reestruturada para aliviar a dor sofrida pela Grécia e Espanha. Em segundo lugar, um programa de investimento público financiado coletivamente iria focar em abastecimento de energia e outras infraestruturas. Em terceiro lugar, um calendário para a conclusão das reformas liberalizantes do mercado único - particularmente para as indústrias de serviços e da economia digital – poderia ser estabelecido.
Na Alemanha, a reestruturação da dívida seria o componente mais controverso. Mas os alemães devem ser lembrados de que, junto com fundos do Plano Marshall para a Europa Ocidental , o outro grande impulso para a recuperação econômica do pós-guerra da Alemanha veio de reestruturação da dívida. O Acordo de Londres de 1953 cancelou 50% da dívida pública da Alemanha e reestruturou a outra metade para dar ao país mais tempo para pagar.
Apesar de uma eliminação de dívidas da zona do euro ser politicamente difícil, seria possível refinanciar uma grande proporção com eurobonds com prazos mais longos , que todos os países da zona euro subscreveriam. O que é crucial é que tal medida seja estendida a todos os membros da zona do euro, em vez de destacar um país (Grécia).
Incluindo os outros componentes do investimento público e a integração do mercado interno, o plano de Merkel (ou, melhor, o plano de Merkel-Hollande-Cameron) seria capaz de reiniciar o crescimento econômico ao mesmo tempo em que a abertura dos países poderia levar a mais comércio e maior concorrência. Este tema aborda uma das principais queixas britânicas sobre a UE: que ela, até agora, não conseguiu integrar o mercado único, um projeto iniciado em parte por Margaret Thatcher nos anos 80.
Naturalmente, um Plano Marshall moderno iria se deparar com um muro de ceticismo e obstrução por grupos de interesse nacionais. Mas, levantando-se em conjunto, os dirigentes europeus poderiam ganhar essa batalha. E se isso não for tentado, os europeus de amanhã poderão nunca perdoar os líderes de hoje.
Bill Emmott , ex-editor da The Economist, é produtor executivo de The Great European Disaster Movie, que será transmitido pela BBC em 8 de fevereiro.
* (O artigo foi publicado pouco antes das eleições legislativas na Grécia, que terminaram com o partido de extrema esquerda Syriza eleito neste domingo, como previsto pelo autor.)
© Project Syndicate, 2014
(Tradução: Roseli Honório)
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