Com black blocs e sem adesão popular, protestos do MPL se esvaziam
Manifestações estão longe de reunir dezenas de milhares de pessoas, como em 2013. Enquanto vândalos afastam cidadão comum, pauta da 'tarifa zero' já não provoca mobilização
Manifestantes sobem no Monumento das Bandeiras, em frente ao Parque do Ibirapuera, durante o sexto ato organizado pelo Movimento Passe Livre (MPL) ontra o aumento da tarifa dos transportes públicos em São Paulo, na zona sul da cidade
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Embora as confirmações de presença nos protestos convocados pelo MPL no Facebook não sejam um parâmetro para o que se verá na rua, até mesmo na página do grupo na rede social é possível perceber o esvaziamento dos atos: no primeiro deles, havia 49.000 pessoas confirmadas; no segundo, 25.000; no terceiro, 10.000; no quarto, 9.000; no quinto, 8.000; no sexto, 5.500. Pelas estimativas da PM, a linha decrescente se mantém. Entre o primeiro e o sexto protestos deste ano, o número de manifestantes caiu de 7.000 para 1.000. Sempre muito mais otimistas do que os números da PM, os do MPL também indicam queda na adesão aos protestos: de 30.000 no primeiro para 10.000 no mais recente.Black bloc ataca fotógrafo em protesto contra tarifa
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O que se nota é um fenômeno oposto ao ocorrido em junho de 2013, quando os protestos foram reunindo cada vez mais gente. Naquele ano, à medida que cresciam, as manifestações de desvinculavam do MPL e de sua principal reivindicação – a tarifa zero –, aglutinando grupos de diferentes vertentes e pleitos diversos. Como diziam os manifestantes, “não era só pelos 20 centavos”. As pautas reuniam então de pedidos por melhoria dos serviços públicos à redução da maioridade penal. Na maior manifestação desde o movimento dos caras-pintadas, em 17 de junho de 2013, os protestos chegaram a reuniram 65.000 pessoas em São Paulo e 100.000 no Rio de Janeiro. O gigante havia acordado, chegou-se a acreditar. Com o passar do tempo, contudo, os vândalos do Black Bloc apropriaram-se de tal forma dos atos que o cidadão comum passou a se afastar dos protestos.
Para Denise Paiero, professora de comunicação e semiótica do Mackenzie, que elaborou sua tese de doutorado sobre as manifestações de junho, dificilmente os protestos deste ano ganharão a mesma força dos daquele período. “Em 2013, as pessoas começaram a sair na rua não por causa do MPL, mas para mostrar que podiam protestar”, afirma. “Surgiram então várias demandas, e o preço das passagens era apenas uma delas. Quando prefeitura e governo recuam, aquilo que unia os manifestantes se perde. Agora, vai ser difícil aglutinar todas aquelas pessoas em torno de uma mesma demanda, porque já houve a ruptura lá atrás”, explica.
Apesar do MPL alardear que o ato contra a tarifa é nacional, o movimento está longe de alcançar outros Estados, como ocorreu em 2013. Protestos organizados no Rio, Belo Horizonte, Florianópolis não chegaram a reunir mais de 1.000 pessoas neste mês.
Além dos militantes do MPL, quem comparece aos atos hoje são, na maioria, estudantes da Universidade de São Paulo (USP), grupos ligados a partidos de extrema esquerda, como o Psol, PSTU, PCO e PCB, além de punks e anarquistas. Sem que o Passe Livre jamais tenha condenado agressões e atos de vandalismo promovidos pelos black blocs, os mascarados também são presença garantida nos protestos. A pauta continua a mesma: passe livre – apesar da pressão de grupos de esquerda em direcionar os protestos para a crise hídrica. Em seus discursos e panfletos, o próprio MPL reconhece que é impossível fornecer serviço grátis sem mexer no bolso do contribuinte, e defende a estatização e o aumento de impostos para subsidiar o transporte público.
Para o militante do MPL Heudes Oliveira, os atos estão menores devido às “ações de desmobilização” engendradas pelo prefeito Fernando Haddad (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB), como o anúncio do reajuste no período de férias e da tarifa zero para estudantes de baixa renda. “Já existe passe livre [para alunos da rede pública] em um monte de cidades, como no Rio de Janeiro. E o prefeito, que já foi professor, não sabe que nós aprendemos muito mais fora da escola?”, questiona. “As manifestações podem estar diminuindo no centro, mas estamos organizando muitos atos na periferia”, completa.
Ante a fraca adesão popular, os governantes também têm lidado de forma diferente com as manifestações deste ano. Tanto Alckmin como Haddad, por ora, deram pouca atenção ao movimento e têm se preocupado muito mais com outros problemas de São Paulo, como a crise hídrica. Durante as coletivas de imprensa das quais as autoridades participaram neste mês, poucas vezes foi levantada a questão da tarifa zero.
O professor de sociologia da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), Emerson Girardi, avalia que outros temas têm ofuscado a questão do aumento nas passagens – e que, pelo fato de a Copa do Mundo e as eleições já terem passado, o “poder de barganha” dos manifestantes diminuiu. “Outras questões estão tomando um espaço maior do noticiário, como os escândalos de corrupção e a crise da água”, avaliou.
Mais longe da população, os protestos ficam cada vez mais perto dos vândalos. Dos seus atos convocados neste ano, quatro terminaram em confronto entre manifestantes e a polícia, e os outros dois registraram tumultos. Como em 2013, o MPL foi conivente com a quebradeira em todos os casos, argumentando que ela aconteceu por causa da “repressão policial”. Já a PM tem buscado mais diálogo com os manifestantes, e usado a estratégia do envelopamento nas passeatas, cercando o grupo para antecipar-se à ação dos baderneiros. Embora a truculência muitas vezes não seja, de fato, uma característica exclusiva dos manifestantes, os agentes da PM já não protagonizam as verdadeiras cenas de guerra que se via nos protestos de 2013: o recrudescimento da ação policial também contribuiu para que as manifestações aumentassem de tamanho naquele ano.
Se em 2013, prefeito e governador se viram obrigados a recuar do ajuste, não há qualquer sinal de que isso venha a ocorrer neste ano. O MPL, contudo, pretende seguir bloqueando as principais avenidas de São Paulo ao menos duas vezes por semana – e o cidadão comum, ao que parece, seguirá apenas chegando mais tarde em casa.
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