'Futuro do País está nas Parcerias Público-Privadas'
O economista Otaviano Canuto acredita que a retomada do crescimento da economia brasileira passa pelo investimento em infraestrutura. "O futuro está nas Parcerias Público-Privadas." Para ele, o modelo antigo - que teve como base o consumo - está esgotado. "Houve uma superestimação ao longo do período de crescimento baseado no consumo, da resposta que o setor privado daria em termos de investimentos." A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.
O crescimento do Brasil vem decepcionando desde 2011. Por que o País não cresce?
O padrão de crescimento econômico brasileiro ao longo da década, que vai até 2011, deu grandes resultados em termos de redução da pobreza e melhora no perfil da distribuição de renda, mas, ao mesmo tempo, tendeu à exaustão. Esse padrão foi caracterizado por um quadro externo favorável em termos de troca. Domesticamente, houve ganhos mais gerais associados a reformas estruturais, tanto no período pré-governo Lula como no início do governo Lula, que deram um fôlego de expansão, com aumento na produtividade total dos fatores. Eu destaco, principalmente, os ganhos decorrentes da consolidação da estabilidade macroeconômica. Além disso, várias inovações institucionais abriram espaço para o endividamento sustentável dos agentes brasileiros. Estabeleceu-se na economia uma dinâmica com a possibilidade de os salários reais crescerem acima até da expansão da produtividade. Isso foi possível porque os bens não comercializáveis puderam absorver os custos e repassá-los. O setor que sentiu mais essa pressão foi o de bens comercializáveis que não se beneficiava dos preços do mercado internacional, incluindo aí a indústria manufatureira. O que se sabia é que essa dinâmica atingiria certos limites em um momento. De certa maneira, a resposta à crise pós-Lehman Brothers foi uma espécie de sobre fôlego desse padrão anterior. Mas a partir de 2011 e 2012, os instrumentos deixaram de dar resultado e a economia passou a conviver com uma inflação mais alta e um crescimento tendencial do PIB mais baixo.
O que poderia ter sido feito para evitar a desaceleração?
Com o benefício de se poder olhar para o passado, houve uma superestimação do crescimento baseado no consumo e da resposta que o setor privado daria em termos de investimentos. Muita gente acreditou que à medida que o processo se desdobrasse haveria um ânimo por parte dos empresários para investir e aí o modelo caminharia para uma espécie de reequilíbrio entre investimento e consumo. Mas isso não ocorreu. De certa maneira, houve complacência a partir da segunda metade da década passada em relação à agenda de reforma que seria favorável à resposta positiva em termos de investimento. Por exemplo, o custo de fazer negócio no País é muito alto. Não tivemos avanços na simplificação do sistema tributário, da logística.
O investimento é a chave para avançar no crescimento?
No caso do Brasil, é o caminho mais fácil. Isso não é verdade para todos os países. Mas certamente o Brasil se enquadra na situação em que a carência de investimento em infraestrutura tem sido um constrangimento ao crescimento. Basta pensar nos custos de logística para se produzir, que comem rentabilidade. Há poucos anos, fizemos um estudo no Banco Mundial mostrando que algo em torno de 30% da soja era perdida entre a produção e o porto por conta das péssimas condições de armazenamento e transporte. Existem diversas maneiras pelas quais a carência de infraestrutura cobra um preço, vira uma espécie de pedágio, e isso é uma coisa que afeta a rentabilidade dos investimentos.
Então, como o sr. vê o futuro da economia brasileira?
Eu acho que o crescimento neste ano e no ano que vem tende a ser dentro da faixa de 2% a 3%, dependendo de como evoluir a conjuntura internacional. Tantos os ganhos de produtividade derivados das reformas anteriores como o espaço que houve de expansão via demanda estão, por enquanto, exauridos. Também tem de se levar em conta a mudança no perfil demográfico: estamos no meio do processo de transição e, a partir de agora, a entrada de pessoas no mercado de trabalho tende a ser menor. E os avanços em produtividade em decorrência de melhora na qualidade de educação não acontecerão da noite para o dia. Acho que a tarefa mais imediata é retomar a agenda que permita melhorar os custos de se fazer negócio no País, inclusive com investimentos em infraestrutura. Nessa questão, tem coisas que o setor privado pode fazer melhor, e outras que o setor público tem de fazer. Isso requer um tipo de sintonia fina e divisão de trabalhos que permita às duas partes trabalhar tanto do ponto de vista administrativo como do financeiro, de acordo com as competências. Ou seja, o futuro está, num sentindo amplo, nas Parcerias Público-Privadas. Nós já tivemos o pêndulo num extremo e no outro. Agora temos de ter o meio termo. Acrescento mais um ponto na agenda: a atual configuração do tamanho do setor público na provisão de certos serviços. Duvido que alguém discorde de que esse tamanho medido pela arrecadação tributária alcançou um limite. Talvez, mais do que nunca, se impõe diante do contexto uma revisão da qualidade e do destino do gasto público.
Esse debate ficou evidente nas manifestações de junho?
Sim. E por coincidência estava a trabalho no Brasil naquele mês. Para mim, a mensagem foi clara. O clamor da população foi 'me dá a qualidade que vocês usaram no estádio para os serviços públicos'. Para a classe média, o futuro e o bem-estar dos filhos depende da qualidade desses serviços públicos. E qualquer pessoa minimamente informada tem noção de quão elevada é a carga tributária. Esse clamor é uma alavanca em potencial para revisão da qualidade do gasto público em termos de eficiência e eficácia e a quem beneficia.
O que o sr. achou das respostas dos governantes?.
Esse é um clamor que eu entendi ter sido jogado para toda classe política. Eu acho que a resposta ainda está em curso. Todo mundo é culpado nisso. São problemas que estão no País porque não foram enfrentados por décadas e décadas.
A recuperação dos EUA vai trazer mais benefícios ou prejuízos ao Brasil?
Eu creio em mais benefícios. Essa liquidez abundante na economia não tem se traduzido necessariamente em mais criação de ativos produtivos e investimentos de longo prazo. A mudança no patamar cambial - desde que não se faça acompanhar por inflação mais alta - vai ajudar na adaptação do padrão de crescimento ao novo quadro. E o lado negativo, de encolhimento de liquidez por conta de antecipação dos mercados em função fim do afrouxamento quantitativo, tem um efeito menor sobre o lado produtivo.
O nome do sr. foi cotado para o Ministério da Fazenda...
Eu não tenho a menor ideia de onde isso veio. Eu imagino que isso surgiu porque eu tive o privilégio de ter conhecido a presidente quando ela esteve na Unicamp e depois no governo. A própria presidente fez questão de dizer que não há motivo para imaginar uma mudança.
Para economista, o Brasil se encaixa na situação em que falta de infraestrutura é um constrangimento para o crescimento
O economista Otaviano Canuto acredita que a retomada do crescimento da economia brasileira passa pelo investimento em infraestrutura. "O futuro está nas Parcerias Público-Privadas." Para ele, o modelo antigo - que teve como base o consumo - está esgotado. "Houve uma superestimação ao longo do período de crescimento baseado no consumo, da resposta que o setor privado daria em termos de investimentos." A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.
O crescimento do Brasil vem decepcionando desde 2011. Por que o País não cresce?
O padrão de crescimento econômico brasileiro ao longo da década, que vai até 2011, deu grandes resultados em termos de redução da pobreza e melhora no perfil da distribuição de renda, mas, ao mesmo tempo, tendeu à exaustão. Esse padrão foi caracterizado por um quadro externo favorável em termos de troca. Domesticamente, houve ganhos mais gerais associados a reformas estruturais, tanto no período pré-governo Lula como no início do governo Lula, que deram um fôlego de expansão, com aumento na produtividade total dos fatores. Eu destaco, principalmente, os ganhos decorrentes da consolidação da estabilidade macroeconômica. Além disso, várias inovações institucionais abriram espaço para o endividamento sustentável dos agentes brasileiros. Estabeleceu-se na economia uma dinâmica com a possibilidade de os salários reais crescerem acima até da expansão da produtividade. Isso foi possível porque os bens não comercializáveis puderam absorver os custos e repassá-los. O setor que sentiu mais essa pressão foi o de bens comercializáveis que não se beneficiava dos preços do mercado internacional, incluindo aí a indústria manufatureira. O que se sabia é que essa dinâmica atingiria certos limites em um momento. De certa maneira, a resposta à crise pós-Lehman Brothers foi uma espécie de sobre fôlego desse padrão anterior. Mas a partir de 2011 e 2012, os instrumentos deixaram de dar resultado e a economia passou a conviver com uma inflação mais alta e um crescimento tendencial do PIB mais baixo.
O que poderia ter sido feito para evitar a desaceleração?
Com o benefício de se poder olhar para o passado, houve uma superestimação do crescimento baseado no consumo e da resposta que o setor privado daria em termos de investimentos. Muita gente acreditou que à medida que o processo se desdobrasse haveria um ânimo por parte dos empresários para investir e aí o modelo caminharia para uma espécie de reequilíbrio entre investimento e consumo. Mas isso não ocorreu. De certa maneira, houve complacência a partir da segunda metade da década passada em relação à agenda de reforma que seria favorável à resposta positiva em termos de investimento. Por exemplo, o custo de fazer negócio no País é muito alto. Não tivemos avanços na simplificação do sistema tributário, da logística.
O investimento é a chave para avançar no crescimento?
No caso do Brasil, é o caminho mais fácil. Isso não é verdade para todos os países. Mas certamente o Brasil se enquadra na situação em que a carência de investimento em infraestrutura tem sido um constrangimento ao crescimento. Basta pensar nos custos de logística para se produzir, que comem rentabilidade. Há poucos anos, fizemos um estudo no Banco Mundial mostrando que algo em torno de 30% da soja era perdida entre a produção e o porto por conta das péssimas condições de armazenamento e transporte. Existem diversas maneiras pelas quais a carência de infraestrutura cobra um preço, vira uma espécie de pedágio, e isso é uma coisa que afeta a rentabilidade dos investimentos.
Então, como o sr. vê o futuro da economia brasileira?
Eu acho que o crescimento neste ano e no ano que vem tende a ser dentro da faixa de 2% a 3%, dependendo de como evoluir a conjuntura internacional. Tantos os ganhos de produtividade derivados das reformas anteriores como o espaço que houve de expansão via demanda estão, por enquanto, exauridos. Também tem de se levar em conta a mudança no perfil demográfico: estamos no meio do processo de transição e, a partir de agora, a entrada de pessoas no mercado de trabalho tende a ser menor. E os avanços em produtividade em decorrência de melhora na qualidade de educação não acontecerão da noite para o dia. Acho que a tarefa mais imediata é retomar a agenda que permita melhorar os custos de se fazer negócio no País, inclusive com investimentos em infraestrutura. Nessa questão, tem coisas que o setor privado pode fazer melhor, e outras que o setor público tem de fazer. Isso requer um tipo de sintonia fina e divisão de trabalhos que permita às duas partes trabalhar tanto do ponto de vista administrativo como do financeiro, de acordo com as competências. Ou seja, o futuro está, num sentindo amplo, nas Parcerias Público-Privadas. Nós já tivemos o pêndulo num extremo e no outro. Agora temos de ter o meio termo. Acrescento mais um ponto na agenda: a atual configuração do tamanho do setor público na provisão de certos serviços. Duvido que alguém discorde de que esse tamanho medido pela arrecadação tributária alcançou um limite. Talvez, mais do que nunca, se impõe diante do contexto uma revisão da qualidade e do destino do gasto público.
Esse debate ficou evidente nas manifestações de junho?
Sim. E por coincidência estava a trabalho no Brasil naquele mês. Para mim, a mensagem foi clara. O clamor da população foi 'me dá a qualidade que vocês usaram no estádio para os serviços públicos'. Para a classe média, o futuro e o bem-estar dos filhos depende da qualidade desses serviços públicos. E qualquer pessoa minimamente informada tem noção de quão elevada é a carga tributária. Esse clamor é uma alavanca em potencial para revisão da qualidade do gasto público em termos de eficiência e eficácia e a quem beneficia.
O que o sr. achou das respostas dos governantes?.
Esse é um clamor que eu entendi ter sido jogado para toda classe política. Eu acho que a resposta ainda está em curso. Todo mundo é culpado nisso. São problemas que estão no País porque não foram enfrentados por décadas e décadas.
A recuperação dos EUA vai trazer mais benefícios ou prejuízos ao Brasil?
Eu creio em mais benefícios. Essa liquidez abundante na economia não tem se traduzido necessariamente em mais criação de ativos produtivos e investimentos de longo prazo. A mudança no patamar cambial - desde que não se faça acompanhar por inflação mais alta - vai ajudar na adaptação do padrão de crescimento ao novo quadro. E o lado negativo, de encolhimento de liquidez por conta de antecipação dos mercados em função fim do afrouxamento quantitativo, tem um efeito menor sobre o lado produtivo.
O nome do sr. foi cotado para o Ministério da Fazenda...
Eu não tenho a menor ideia de onde isso veio. Eu imagino que isso surgiu porque eu tive o privilégio de ter conhecido a presidente quando ela esteve na Unicamp e depois no governo. A própria presidente fez questão de dizer que não há motivo para imaginar uma mudança.
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