Bretton Woods faz 70 anos
Para economistas, o acordo que possibilitou a criação do FMI e do Banco Mundial em 1944 comprovou que é preciso uma grande crise para gerar uma grande reforma
Sede do FMI em Washington
Bretton Woods conserva uma fascinação poderosa: pelo menos três livros recentes sobre o tema alcançaram considerável sucesso comercial. O que faz um evento de um grupo majoritariamente masculino, falando sobre dinheiro, algo tão intrigante?
É claro, há alguns episódios picantes, como a apresentação da esposa de John Maynard Keynes, uma bailarina russa, que não deixou o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos dormir, e acusações de espionagem para a União Soviética contra o maior negociador americano, Harry Dexter White. Mas o verdadeiro drama da conferência estava na evolução sistemática de uma estrutura institucional que sustentou a estabilidade e prosperidade global por pelo menos três décadas.
A visão institucional estava ligada ao sistema de segurança global. De fato, no acordo original, os cinco grandes poderes que seriam representados permanentemente na diretoria-executiva do FMI eram Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética, China e França – os mesmos países com cadeiras permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
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Mesmo em um cenário como este, as negociações eram desafiadoras. Então, como 44 poderes díspares, cada um buscando proteger os seus próprios interesses nacionais, conseguiram chegar a um acordo sobre um novo sistema monetário global?
Segundo Keynes, a chave para o sucesso era um processo de deliberação e planejamento internacional, liderado por “um único poder ou um grupo de poderes com a mesma visão”. Em contrapartida, de uma reunião pitoresca de 66 países, como foi a suicida Conferência Econômica Mundial, realizada em Londres, em 1933, nunca poderia se esperar que produzisse um acordo. O rival de Keynes, Friedrich Hayek, foi mais longe, afirmando que uma ordem bem-sucedida e duradoura não podia ser negociada de forma alguma; teria de ser espontânea.
A experiência em Bretton Woods confere significativa credibilidade à avaliação de Keynes. Embora 44 países tenham sido formalmente representados na conferência, o Reino Unido e os Estados Unidos, especialmente, foram os agentes principais.
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De fato, negociações bilaterais possibilitaram sucesso em grande escala à diplomacia financeira. No começo dos anos 1970, quando o regime da taxa de câmbio fixa estabelecido em Bretton Woods entrou em colapso, o FMI parecia ter sucumbido à sua função. Mas, ao renegociar as disposições estatutárias do Fundo, os Estados Unidos, buscando maior flexibilidade, e a França, que buscava o tipo de previsibilidade que o padrão ouro havia proporcionado, puderam revivê-lo.
Mais tarde, naquela década, tentativas da França, Alemanha e Reino Unido de influir na política monetária falharam miseravelmente. Mas discussões entre França e Alemanha – que permanecem sendo as principais vozes em debates sobre questões monetárias europeias – foram muito mais efetivas. Do mesmo modo, em meados dos anos 1980, quando a volatilidade da taxa de câmbio suscitou apelos por medidas protecionistas de comércio, Estados Unidos e Japão encontraram uma solução para a estabilização da taxa cambial.
Atualmente, a diplomacia econômica internacional é centrada nos Estados Unidos e na China. Nos últimos anos, tem-se discutido se o sistema econômico global dos anos 2000 – em que as economias emergentes, voltadas para a exportação, essencialmente fixaram suas moedas ao dólar para obter crescimento mais rápido e acumular reservas de capital estrangeiro a taxas espetaculares – efetivamente criou uma espécie de “Bretton Woods II”. Estados Unidos e China conseguiriam formalizar um sistema desses, com o renminbi assumindo um papel maior?
A natureza bilateral das negociações certamente sugere que eles têm uma chance. Mas outro fator crucial sustentava o sucesso da conferência de Bretton Woods: o cenário político e de segurança global.
Para começar, a conferência foi realizada um mês depois do desembarque na Normandia, quando o fim da Segunda Guerra Mundial parecia muito mais próximo do que se provou mais tarde. Discutia-se também considerações internas. Como o Secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Morgenthau Jr., declarou antes da conferência: “Sentimos que era bom para o mundo, bom para a nação e bom para o Partido Democrático que nos mexêssemos”.
Para obter um acordo de escala e influência similares, os líderes mundiais – especialmente nos Estados Unidos e na China – teriam que estar sob pressão semelhante. Um pacto global seria uma necessidade urgente, em vez de uma possibilidade atraente.
O que convenceria os lideres chineses de que precisam reforçar rapidamente a economia global aberta que permitiu a ascensão econômica da China, baseada na exportação? Um catalisador poderia ser a crise financeira que emana do sistema bancário paralelo do país, repleto de riscos. Uma competição pela liderança mundial também pode servir a esse propósito. Ou talvez o estímulo possa ser o medo de que o mundo esteja tomando um rumo protecionista, com acordos comerciais bilaterais e regionais, como a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, aprofundando as divergências entre os seus participantes e o resto do mundo.
Bretton Woods comprovou que é preciso uma grande crise para gerar uma dinâmica política de reforma. O mundo de hoje, com todos os seus problemas, simplesmente não é perigoso o suficiente – ao menos por enquanto – para os países no comando da economia global.
Harold James é professor de História na Universidade de Princeton e pesquisador sênior do Centro para Inovação em Governança Internacional. Domenico Lombardi é diretor do Programa de Economia Global no Centro para Inovação em Governança Internacional
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