Pular para o conteúdo principal

Justiça do Paraná avança sobre a liberdade de expressão

Após publicar reportagens que mostravam que membros do Poder Judiciário e do MP têm rendimentos acima do teto legal, jornalistas da ‘Gazeta do Povo’ passam a responder a dezenas de processos movidos por juízes

Máscaras de Sérgio Moro: Justiça do Paraná dá um mau exemplo
Máscaras de Sérgio Moro: Justiça do Paraná dá um mau exemplo(/Reuters)
Presente ao Fórum VEJA, evento realizado pela revista em maio, o juiz Sergio Moro foi o primeiro a concordar com um amargo raciocínio do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Barroso disse que Moro e o ex-ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão, não teriam alcançado a condição de "heróis nacionais" se combater a corrupção "fosse regra" no país. Moro admite ficar comovido com as manifestações a seu favor (máscaras com seu rosto explodiram no Carnaval). Nem de longe, no entanto, ele atua para figurar como celebridade. Involuntariamente, o magistrado se tornou modelo a ser imitado de profissional do Judiciário em todo o país (leia a seção Conversa, na pág. 38). Mas, justamente em seu estado, no Paraná, um punhado de magistrados tem assumido a mais arriscada postura no momento em que se está buscando equiparação com uma figura irrepreensível: o afrouxamento da tolerância à crítica. Há dois exemplos recentes do que se poderia chamar de "complexo de Moro" - o afã de querer parecer implacável como o juiz da Lava-Jato, mas confundindo o enorme apoio popular ao combate à corrupção com uma licença para quase tudo.
O caso mais recente aconteceu em Curitiba. Após publicarem reportagens que mostravam que membros do Poder Judiciário e do Ministério Público do Paraná chegam a ter rendimentos mensais mais de 20% acima do teto estabelecido por lei, de 30 471 reais, jornalistas do jornal Gazeta do Povo, o principal do estado, passaram a ser alvo de processos. Já são 44, movidos principalmente por juízes. Até o momento, os profissionais do diário percorreram mais de 6 000 quilômetros para comparecer a audiências. A Gazeta reclama do que seria uma ação orquestrada. Em um áudio enviado via WhatsApp, o presidente da Associação dos Magistrados do Paraná, Frederico Mendes Junior, propõe que os juízes entrem com ações individuais contra o jornal. Diz Leonardo Mendes Júnior, diretor de redação da publicação: "Esses magistrados não veem que estão atacando a liberdade de expressão e punindo os profissionais previamente". Em maio, a Gazeta foi condenada a indenizar um dos juízes em 20 000 reais - no total, os processos cobram indenização de 1,4 milhão de reais -, com a justificativa de que ele havia sido constrangido.
A sentença foi proferida por Nei Roberto de Barros Guimarães, que, em março, a pedido de uma delegada federal, determinou a retirada do ar de dois textos publicados no blog do premiado jornalista Marcelo Auler, que já trabalhou em VEJA. Neles, Auler tratava de vazamentos de informações sobre a Lava-Jato. O blogueiro ainda foi alvo de uma segunda ação, movida por um delegado, que o forçou a tirar de sua página mais oito reportagens e estabeleceu uma autêntica censura prévia, proibindo-o de publicar futuros textos com "conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao reclamante".
Para o juiz Rogério Ribas, que está processando a Gazeta, a série de reportagens do jornal atentou contra a sua honra. "Meu filho foi até indagado na faculdade", afirma. Não há nenhuma ilegalidade em seus benefícios. O problema está na política de vencimentos da esfera pública. Ribas se encaixa nela, simples assim. Entretanto, para além do debate salarial, o que ocupa o centro da questão é a liberdade de imprensa, pilar da democracia, e a atitude de um punhado de juízes do Paraná contra um blogueiro e um jornal. O apoio popular a Moro, à Lava-­Jato, à própria Justiça não é chancela irrestrita a magistrados. Vale a lição do escritor francês Paul Valéry (1871-1945): "A ideia de Justiça é, no fundo, uma ideia (...) de volta ao equilíbrio".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com...
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estim...
Lula se frustra com mobilização em seu apoio após os primeiros dias na cadeia O ex-presidente acreditou que faria do local de sua prisão um espaço de resistência política Compartilhar Assine já! SEM JOGO DUPLO Um Lula 3 teria problemas com a direita e com a esquerda (Foto: Nelson Almeida/Afp) O ex-presidente  Lula  pode não estar deprimido, mas está frustrado. Em vários momentos, antes da prisão, ele disse a interlocutores que faria de seu confinamento um espaço de resistência política. Imaginou romarias de políticos nacionais e internacionais, ex-presidentes e ex-primeiros-ministros, representantes de entidades de Direitos Humanos e representantes de movimentos sociais. Agora, sua esperança é ser transferido para São Paulo, onde estão a maioria de seus filhos e as sedes de entidades como a CUT e o MTST.