As medidas estruturantes de um governo desestruturado: Barbosa propõe teto para o gasto público
Pacote apresentado pelo ministro Nelson Barbosa prevê ainda o refinanciamento da dívida dos Estados, com abatimento de até 45,5 bilhões de reais do débito total
A medida mais ousada - a julgar pelo histórico de crescimento da despesa público durante as gestões do PT no Planalto - é a de criação do teto para o gasto público. É bom lembrar que, em 2005, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, qualificou de "rudimentar" proposta semelhante então encampada pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e pelo conselheiro econômico informal de Lula, o economista Delfim Netto.
Segundo a proposta atual, o limite será estabelecido pelo Plano Plurianual (PPA). Se ficar evidente que o teto será superado, entra em ação um mecanismo de ajuste automático, que pode ter até três estágios, dependendo do tamanho do rombo.
No primeiro estágio, restringem-se, por exemplo, aumentos de salário real (aquele acima da inflação) e o número de cargos comissionados. No segundo, proíbem-se aumentos nominais de salário e de despesas de custeio. No último estágio, o salário mínimo é atingido: só fica autorizada a reposição da inflação e proibido qualquer aumento adicional do seu montante.
Segundo o ministro, a proposta do governo está em linha com o que há de melhor nas práticas internacionais. Nem todos os especialistas em contas públicas estão de acordo. "O melhor jeito de controlar as finanças públicas é travar o endividamento", diz José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas. "O que o governo está propondo é só um jeito de remendar o problema depois que a porta do cofre já foi arrombada." Segundo um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), a maioria dos países com legislação fiscal avançada adota exatamente esse tipo de controle. Isso acontece porque o limite para a dívida é uma sinalização de longo prazo, indicando o compromisso do país com o controle de suas finanças.
A LRF, aprovada em 2000, criou para o governo federal a obrigação de enviar ao Congresso um projeto do gênero, o que foi feito ainda na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Recentemente, o projeto foi "desengavetado" pelo senador José Serra (PSDB-SP).
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Os Estados mais endividados poderão ainda pedir um desconto de 40% no valor das parcelas, limitado a 160 milhões de reais por mês, por até 24 meses, sendo o valor não pago nesse período transferido para as parcelas posteriores. Em troca da renegociação, os governadores precisarão aprovar leis locais de responsabilidade fiscal, não conceder novos incentivos fiscais e não nomear novos servidores, salvos os casos de reposição por aposentadoria ou falecimento nas áreas de saúde, educação e segurança.
A renegociação da dívida dos Estados não terá impacto fiscal em vinte anos porque todo o débito será pago, mas fará a União deixar de receber recursos no curto prazo. Caso todos os Estados assinem até junho os acordos de renegociação, o governo federal deixará de arrecadar 9,6 bilhões de reais em 2016, 18,6 bilhões de reais em 2017 e 17,3 bilhões de reais em 2018. Assim, o abatimento na dívida dos Estados será de até 45,5 bilhões de reais.
Segundo o ministro, a medida representa um alívio temporário para os Estados, mas trará economia no longo prazo por causa das reformas estruturais que os governadores terão de fazer. "Este é um auxílio necessário num momento em que a economia brasileira atravessa dificuldade e está todo mundo fazendo ajuste. É indicado que o governo dê um auxílio temporário e com contrapartida para que saiam com finanças em melhor organização", disse.
O que o ministro não mencionou é que até 2009, quando o governo Lula autorizou a ampliação dos limites de endividamento, os Estados brasileiros estavam enquadrados na Lei de Responsabilidade Fiscal. "Não é só a conjuntura que deixa os Estados em dificuldades", diz o economista Felipe Salto. "Os governos petistas tiveram um papel ativo em desviar alguns deles do bom caminho."
Enxugamento de liquidez - O plano apresentado pelo ministro prevê ainda um novo mecanismo para reduzir o volume de dinheiro que circula na economia, medida que ajuda no controle da inflação. Hoje, o enxugamento da liquidez só é possível com as chamadas operações compromissadas: a emissão de títulos públicos para recolher reais da economia, o que tem impacto na dívida da União. A nova proposta são os depósitos remunerados: além do compulsório (parcela dos depósitos nas contas correntes que os bancos têm que manter guardados no BC), os bancos poderão fazer um recolhimento adicional; esse depósito extra será remunerado. Segundo o ministro, a prática é usual nas economias desenvolvidas.
A série de propostas do governo inclui ainda o Regime Especial de Contingenciamento (REC). Esse mecanismo poderá ser usado pelo governo em casos de baixo crescimento da economia, segundo definido pelo parágrafo primeiro do artigo 66 da Lei de Responsabilidade Fiscal. O REC permitirá preservar despesas de caráter essencial (pagamento de contas de energia, por exemplo) ou estratégico (custeio de universidades). Caso, em um ano de crise, o governo decida lançar mão do REC, ele terá de justificar cada medida tomada ao Congresso no fim do exercício.. As despesas serão acompanhadas em tempo real pelo Tribunal de Contas da União.
A discussão do REC permitiu que o ministro deixasse entrever suas verdadeiras convicções, em meio a tanta discussão desagradável sobre responsabilidade fiscal. Questionado ao final da apresentação, Barbosa disse que se havia uma regra permitindo ao governo contingenciar gastos em caso de estresse fiscal, era justo que existisse também uma regra que lhe permitisse continuar gastando, desde que com itens essenciais. Alguns hábitos são mesmo difíceis de abandonar.
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