Senado derrota Renan e PT para fazer história
Josias de Souza
Renan Calheiros, presidente do Senado, foi acordado na manhã desta quarta-feira por um telefonema do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O chefe do Ministério Público Federal avisou ao comandante da Câmara Alta que, na noite anterior, o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, ordenara a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS).
Do instante em que desligou o telefone até o encerramento da sessão noturna na qual o Senado debateu a inédita detenção de um senador em pleno exercício do mandato, Renan conspirou para revogar a ordem de prisão. Foi ignorado até pelo seu partido, o PMDB. Obteve a adesão apenas da liderança do PT.
Renan disse aos senadores que eles estavam prestes a escrever mais do que simplesmente o noticiário do dia seguinte. “Nós estaremos fazendo a história”, vaticinou. Parecia farejar a derrota. Mantendo Delcídio na cadeia, disse Renan, o Senado iria “abrir mão de uma prerrogativa do Legislativo que vai, não tenho dúvida, causar muitos danos à democracia e à separação dos poderes.”
Por 59 votos a 13, mais uma abstenção, o Senado derrotou Renan e o líder do PT, Humberto Costa (PE), único a orientar sua bancada a votar pela libertação do senador petista pilhado em gravação tentando comprar o silêncio de um delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Durante o dia, Renan conversara com os líderes partidários. Reunira-se também com o presidente do PSDB, Aécio Neves. Dissera a todos que a prisão de Delcídio, se mantida, abriria um precedente “perigosíssimo”. Investigado por suspeita de receber propinas extraídas dos cofres da Petrobras, Renan soava como se advogasse em causa própria.
Ao pressentir que a Lava Jato empurrava os senadores para perto da opinião pública, Renan colocou no baralho a carta do voto secreto. Imaginou que, na escuridão do anonimato, o corporativismo reacenderia a solidariedade dos senadores com o colega Delcídio. Houve pouca receptividade. A defesa do voto secreto ofendia a inteligência alheia.
A prisão de parlamentares está regulamentada no artigo 53 da Constituição. Prevê que deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Só podem ser presos “em flagrante de crime inafiançável.” Nessa hipótese, o processo tem de ser enviado pelo STF ao Senado ou à Câmara em 24 horas. E a Casa legislativa terá de confirmar ou revogar a prisão.
O texto original deste artigo da Constituição previa em seu parágrafo 3º que a decisão dos senadores ou deputados seria tomada “pelo voto secreto da maioria de seus membros.” Em 2001, porém, o Congresso alterou o texto por meio da emenda constitucional número 35, suprimindo a expressão “voto secreto”. Pela nova redação, Senado e Câmara devem deliberar “pelo voto da maioria dos seus membros.”
Para ressuscitar o voto secreto, Renan escorou-se numa regra prevista no regimento interno do Senado. Líderes oposicionistas reagiram com duas providências. Numa, protocolaram no STF um mandado de segurança pedindo a concessão de uma liminar que obrigasse Renan a respeitar o voto aberto. Noutra, apresentaram em plenário uma “questão de ordem” para que Renan reconsiderasse sua decisão. O pedido foi indeferido. Mas Renan, numa liberalidade inusual, submeteu seu veredicto ao plenário.
De novo, apenas a liderança do PT manifestou-se a favor do voto secreto. Os líderes dos outros partidos recomendaram o voto aberto ou liberaram suas bancadas. Em posicionamento avulso, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) também escalou a tribuna para defender o voto na sombra. Por 52 votos a 20, mais duas abstenções, os senadores revogaram a decisão de Renan e restabeleceram o voto aberto.
Minutos depois da proclamação do resultado, chegou ao plenário a notícia de que o ministro Luiz Fachin, do STF, concedera liminar no mandado de segurança ajuizado pela oposição. Ordenara que o Senado deliberasse à luz do dia, com os nomes estampados no painel eletrônico.
Renan reagiu: “O que me cabe, como presidente do Senado e do Congresso Nacional, é defender, mesmo que essa não seja a decisão da maioria da Casa, as prerrogativas do Senado Federal. Enquanto estiver aqui, vou defender essas prerrogativas, com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal e ao ministro Fachin. O equilíbrio dos poderes não permite a invasão permanente de um poder no outro, porque isso causará ao longo dos tempos um dano muito grande à democracia.”
Derrotado pela maioria dos senadores, Renan lamentou: “Não é democrático nós permitirmos que se possa prender um congressista no exercício do seu mandato sem culpa formada. Compreendo a decisão do plenário, respeito a maioria. Mas eu, como presidente, não posso concordar com ela. Eu tenho que defender a prerrogativa do Congresso Nacional. Talvez um dia nós possamos avaliar o que significou esse dia triste para o Legislativo brasileiro.”
O dia foi triste porque o país descobriu que, mesmo com a corrupção a pino, um senador de destaque, líder do governo, animou-se a participar de uma trama para obstruir o trabalho da Justiça comprando o silêncio de um delator. Na democracia apregoada por Renan, a imunidade parlamentar deve servir para acobertar também a desfaçatez. Por sorte, a grossa maioria dos senadores preferiu fazer história em vez de fazer companhia a Renan e aos poucos senadores que o acompanharam.
Do instante em que desligou o telefone até o encerramento da sessão noturna na qual o Senado debateu a inédita detenção de um senador em pleno exercício do mandato, Renan conspirou para revogar a ordem de prisão. Foi ignorado até pelo seu partido, o PMDB. Obteve a adesão apenas da liderança do PT.
Renan disse aos senadores que eles estavam prestes a escrever mais do que simplesmente o noticiário do dia seguinte. “Nós estaremos fazendo a história”, vaticinou. Parecia farejar a derrota. Mantendo Delcídio na cadeia, disse Renan, o Senado iria “abrir mão de uma prerrogativa do Legislativo que vai, não tenho dúvida, causar muitos danos à democracia e à separação dos poderes.”
Por 59 votos a 13, mais uma abstenção, o Senado derrotou Renan e o líder do PT, Humberto Costa (PE), único a orientar sua bancada a votar pela libertação do senador petista pilhado em gravação tentando comprar o silêncio de um delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
Durante o dia, Renan conversara com os líderes partidários. Reunira-se também com o presidente do PSDB, Aécio Neves. Dissera a todos que a prisão de Delcídio, se mantida, abriria um precedente “perigosíssimo”. Investigado por suspeita de receber propinas extraídas dos cofres da Petrobras, Renan soava como se advogasse em causa própria.
Ao pressentir que a Lava Jato empurrava os senadores para perto da opinião pública, Renan colocou no baralho a carta do voto secreto. Imaginou que, na escuridão do anonimato, o corporativismo reacenderia a solidariedade dos senadores com o colega Delcídio. Houve pouca receptividade. A defesa do voto secreto ofendia a inteligência alheia.
A prisão de parlamentares está regulamentada no artigo 53 da Constituição. Prevê que deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Só podem ser presos “em flagrante de crime inafiançável.” Nessa hipótese, o processo tem de ser enviado pelo STF ao Senado ou à Câmara em 24 horas. E a Casa legislativa terá de confirmar ou revogar a prisão.
O texto original deste artigo da Constituição previa em seu parágrafo 3º que a decisão dos senadores ou deputados seria tomada “pelo voto secreto da maioria de seus membros.” Em 2001, porém, o Congresso alterou o texto por meio da emenda constitucional número 35, suprimindo a expressão “voto secreto”. Pela nova redação, Senado e Câmara devem deliberar “pelo voto da maioria dos seus membros.”
Para ressuscitar o voto secreto, Renan escorou-se numa regra prevista no regimento interno do Senado. Líderes oposicionistas reagiram com duas providências. Numa, protocolaram no STF um mandado de segurança pedindo a concessão de uma liminar que obrigasse Renan a respeitar o voto aberto. Noutra, apresentaram em plenário uma “questão de ordem” para que Renan reconsiderasse sua decisão. O pedido foi indeferido. Mas Renan, numa liberalidade inusual, submeteu seu veredicto ao plenário.
De novo, apenas a liderança do PT manifestou-se a favor do voto secreto. Os líderes dos outros partidos recomendaram o voto aberto ou liberaram suas bancadas. Em posicionamento avulso, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) também escalou a tribuna para defender o voto na sombra. Por 52 votos a 20, mais duas abstenções, os senadores revogaram a decisão de Renan e restabeleceram o voto aberto.
Minutos depois da proclamação do resultado, chegou ao plenário a notícia de que o ministro Luiz Fachin, do STF, concedera liminar no mandado de segurança ajuizado pela oposição. Ordenara que o Senado deliberasse à luz do dia, com os nomes estampados no painel eletrônico.
Renan reagiu: “O que me cabe, como presidente do Senado e do Congresso Nacional, é defender, mesmo que essa não seja a decisão da maioria da Casa, as prerrogativas do Senado Federal. Enquanto estiver aqui, vou defender essas prerrogativas, com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal e ao ministro Fachin. O equilíbrio dos poderes não permite a invasão permanente de um poder no outro, porque isso causará ao longo dos tempos um dano muito grande à democracia.”
Derrotado pela maioria dos senadores, Renan lamentou: “Não é democrático nós permitirmos que se possa prender um congressista no exercício do seu mandato sem culpa formada. Compreendo a decisão do plenário, respeito a maioria. Mas eu, como presidente, não posso concordar com ela. Eu tenho que defender a prerrogativa do Congresso Nacional. Talvez um dia nós possamos avaliar o que significou esse dia triste para o Legislativo brasileiro.”
O dia foi triste porque o país descobriu que, mesmo com a corrupção a pino, um senador de destaque, líder do governo, animou-se a participar de uma trama para obstruir o trabalho da Justiça comprando o silêncio de um delator. Na democracia apregoada por Renan, a imunidade parlamentar deve servir para acobertar também a desfaçatez. Por sorte, a grossa maioria dos senadores preferiu fazer história em vez de fazer companhia a Renan e aos poucos senadores que o acompanharam.
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