Multiplicação celular
Para avançar na área das células-tronco, o Brasil precisa cutucar a burocracia e o vespeiro do sistema universitário
ALYSSON R. MUOTRI É PROFESSOR DA FACULDADE DE
MEDICINA DA UNIV. DA CALIFÓRNIA - O Estado de S.Paulo
ALYSSON R. MUOTRI
Células-tronco são aquelas capazes de proliferar e se especializar em outros tipos celulares. Existem diversos tipos de células-tronco e a nomenclatura é confusa, mesmo entre os pesquisadores. Células-tronco adultas têm uma capacidade de especialização menor, em geral restrito ao tecido de onde foram isoladas. Já as células-tronco embrionárias podem se especializar em todos os tipos celulares do organismo.
Essa capacidade de proliferar em largas quantidades e depois serem induzidas a adquirir uma identidade específica fez com que as células-tronco virassem vedetes da medicina regenerativa. Em teoria, bastaria produzir células pancreáticas em laboratório e introduzi-las em um paciente diabético para que esse se tornasse independente de insulina. Porém descobriu-se que a cura não vem tão fácil assim e o número de doenças humanas tratadas com células-tronco ainda é baixo. É preciso aprender como manipulá-las de forma eficiente, evitando uma proliferação descontrolada que levaria, por exemplo, a um tumor indesejado.
A outra aplicação das células-tronco é no estudo das doenças em si. Observando como elas se especializam em diferentes tecidos, descobrimos os mecanismos moleculares que acarretam doenças. Nesse aspecto estamos indo muito bem. Em consequência desses estudos é possível desenvolver medicamentos não necessariamente na forma de um transplante celular, mas novas drogas que ajustem as vias moleculares alteradas em diversas síndromes humanas. Os avanços no entendimento dessas síndromes ocorrem diariamente, e nunca se viu na história período tão fértil como agora.
No Brasil o excitamento com as células-tronco não é diferente. Entretanto, entraves típicos do País, como a burocracia na importação de reagentes científicos, têm nos deixado pra trás. A consequência será uma dependência enorme de terapias vindas do exterior. Por isso vi com bons olhos o anúncio do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, sobre o pacote de R$ 15 milhões para expansão da produção e pesquisa em células-tronco. Apesar do número modesto, toda ajuda contribui para o desenvolvimento nacional.
Recebemos mais um boa notícia, mas de fora. O California Institute for Regenerative Medicine (Cirm) anunciou a parceria com o governo brasileiro. O Cirm representa a agência de fomento mais forte mundialmente quando o assunto é células-tronco. Para se ter uma noção da discrepância de investimentos com o resto do mundo, o Cirm é responsável pela administração de US$ 3 bilhões por um período de dez anos, só na Califórnia. O Cirm tem participação na construção do consórcio Sanford de células-tronco, primeira instituição criada para diminuir a barreira entre grupos de pesquisa. Por isso mesmo, o prédio é conhecido como "colaboratório". Interessante notar que o investimento nessa área em apenas um Estado dos EUA será maior que todo o investimento brasileiro no mesmo período. A agência procura agora justificar o apoio dos californianos mostrando a cura ou tratamento para algumas doenças. Isso ainda não aconteceu, e talvez por um erro estratégico do Cirm de financiar grupos inexperientes, não chegue a tempo para garantir sua renovação.
O acordo brasileiro com o Cirm permite parceria com grupos brasileiros, buscando uma sinergia tanto em pesquisa básica quanto aplicada. A complementação ideal virá da união dos grupos americanos especializados no comportamento de células-tronco com grupos brasileiros acostumados com ensaios clínicos. O custo de ensaios clínicos no Brasil pode sair pela metade da conta americana, o que torna essa colaboração atraente para os californianos. Não está claro se o Brasil permitirá a participação de empresas privadas, como acontece nos EUA. Tomara que sim, pois os hospitais e agências privadas podem dar um gás adicional a estudos que precisam de comprovação clínica para serem comercializados rapidamente. Imagina se o Brasil sai na frente num tratamento para diabete, por exemplo.
Essas novidades são temperadas com a qualidade do pesquisador brasileiro, mão de obra especializada que não deixa nada a desejar comparada aos colegas do exterior. Mas para nos destacarmos na área de células-tronco teríamos que fazer reformas profundas no sistema universitário, a começar pela famigerada estabilidade e restrita internacionalização do pesquisador brasileiro, jurássico processo de contratação de docentes e estigma com a parceria privada. É um vespeiro. Mas um vespeiro pesado que não se sustenta mais e, cedo ou tarde, vai ter que ser abalado. Caso contrário, seremos heróis em cavalos que só falam inglês. Acredito que esse tipo de reforma vá afetar não só a pesquisa com células-tronco, mas toda produção científica nacional, deixando o País crescer e explorar seu potencial.
Células-tronco são aquelas capazes de proliferar e se especializar em outros tipos celulares. Existem diversos tipos de células-tronco e a nomenclatura é confusa, mesmo entre os pesquisadores. Células-tronco adultas têm uma capacidade de especialização menor, em geral restrito ao tecido de onde foram isoladas. Já as células-tronco embrionárias podem se especializar em todos os tipos celulares do organismo.
Essa capacidade de proliferar em largas quantidades e depois serem induzidas a adquirir uma identidade específica fez com que as células-tronco virassem vedetes da medicina regenerativa. Em teoria, bastaria produzir células pancreáticas em laboratório e introduzi-las em um paciente diabético para que esse se tornasse independente de insulina. Porém descobriu-se que a cura não vem tão fácil assim e o número de doenças humanas tratadas com células-tronco ainda é baixo. É preciso aprender como manipulá-las de forma eficiente, evitando uma proliferação descontrolada que levaria, por exemplo, a um tumor indesejado.
A outra aplicação das células-tronco é no estudo das doenças em si. Observando como elas se especializam em diferentes tecidos, descobrimos os mecanismos moleculares que acarretam doenças. Nesse aspecto estamos indo muito bem. Em consequência desses estudos é possível desenvolver medicamentos não necessariamente na forma de um transplante celular, mas novas drogas que ajustem as vias moleculares alteradas em diversas síndromes humanas. Os avanços no entendimento dessas síndromes ocorrem diariamente, e nunca se viu na história período tão fértil como agora.
No Brasil o excitamento com as células-tronco não é diferente. Entretanto, entraves típicos do País, como a burocracia na importação de reagentes científicos, têm nos deixado pra trás. A consequência será uma dependência enorme de terapias vindas do exterior. Por isso vi com bons olhos o anúncio do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, sobre o pacote de R$ 15 milhões para expansão da produção e pesquisa em células-tronco. Apesar do número modesto, toda ajuda contribui para o desenvolvimento nacional.
Recebemos mais um boa notícia, mas de fora. O California Institute for Regenerative Medicine (Cirm) anunciou a parceria com o governo brasileiro. O Cirm representa a agência de fomento mais forte mundialmente quando o assunto é células-tronco. Para se ter uma noção da discrepância de investimentos com o resto do mundo, o Cirm é responsável pela administração de US$ 3 bilhões por um período de dez anos, só na Califórnia. O Cirm tem participação na construção do consórcio Sanford de células-tronco, primeira instituição criada para diminuir a barreira entre grupos de pesquisa. Por isso mesmo, o prédio é conhecido como "colaboratório". Interessante notar que o investimento nessa área em apenas um Estado dos EUA será maior que todo o investimento brasileiro no mesmo período. A agência procura agora justificar o apoio dos californianos mostrando a cura ou tratamento para algumas doenças. Isso ainda não aconteceu, e talvez por um erro estratégico do Cirm de financiar grupos inexperientes, não chegue a tempo para garantir sua renovação.
O acordo brasileiro com o Cirm permite parceria com grupos brasileiros, buscando uma sinergia tanto em pesquisa básica quanto aplicada. A complementação ideal virá da união dos grupos americanos especializados no comportamento de células-tronco com grupos brasileiros acostumados com ensaios clínicos. O custo de ensaios clínicos no Brasil pode sair pela metade da conta americana, o que torna essa colaboração atraente para os californianos. Não está claro se o Brasil permitirá a participação de empresas privadas, como acontece nos EUA. Tomara que sim, pois os hospitais e agências privadas podem dar um gás adicional a estudos que precisam de comprovação clínica para serem comercializados rapidamente. Imagina se o Brasil sai na frente num tratamento para diabete, por exemplo.
Essas novidades são temperadas com a qualidade do pesquisador brasileiro, mão de obra especializada que não deixa nada a desejar comparada aos colegas do exterior. Mas para nos destacarmos na área de células-tronco teríamos que fazer reformas profundas no sistema universitário, a começar pela famigerada estabilidade e restrita internacionalização do pesquisador brasileiro, jurássico processo de contratação de docentes e estigma com a parceria privada. É um vespeiro. Mas um vespeiro pesado que não se sustenta mais e, cedo ou tarde, vai ter que ser abalado. Caso contrário, seremos heróis em cavalos que só falam inglês. Acredito que esse tipo de reforma vá afetar não só a pesquisa com células-tronco, mas toda produção científica nacional, deixando o País crescer e explorar seu potencial.
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