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Ex-diretor da Odebrecht diz à Procuradoria que pagou 3 milhões de reais em propina — e não em doação eleitoral — para que Moreira Franco cancelasse uma obra

O ex-governador e ex-deputado federal Moreira Franco é um dos assessores mais poderosos do presidente Michel Temer. Secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), ele representa o governo nas negociações com a iniciativa privada destinadas a tirar do papel obras de transporte, energia e saneamento. No mês passado, anunciou, ao lado de Temer, concessões e privatizações de mais de vinte projetos na área de infraestrutura, que podem render até 25 bilhões de reais aos combalidos cofres da União. Longe dos holofotes, Moreira Franco é protagonista também na seara política. Ele faz parte do grupo de eminências da nova administração e disputa com o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o posto de principal conselheiro de Temer. Apesar dessa condição privilegiada, Moreira Franco não tem direito a foro privilegiado. O que é um tremendo risco, diante da iminente delação premiada da Odebrecht, a maior empreiteira do país.
VEJA teve acesso a parte dos anexos da delação de Cláudio Melo Filho, ex-­vice-presidente de relações institucionais da Odebrecht e um dos cinquenta executivos da construtora que negociam acordos de colaboração com a força-tarefa da Lava-Jato. Em suas tratativas com os procuradores, Melo Filho já contou que Moreira Franco lhe pediu, em 2014, quando era ministro da Secretaria de Aviação Civil do governo Dilma Rousseff, uma contribuição financeira de 3 milhões de reais. Não era uma doação eleitoral, uma vez que Moreira Franco não concorreria naquele ano. Segundo o executivo, era propina pura e simples, solicitada por um ministro que lidava com interesses bilionários da Odebrecht no setor de aeroportos. No trecho em que fala da propina a Moreira Franco, Melo Filho não detalha quais interesses o moveram a fazer o pagamento. Homologado o acordo, ele terá de provar o que diz. Caso contrário, perderá os benefícios previstos em lei para quem faz delação premiada, como a redução de sua pena. Os advogados da Odebrecht já preparam a explicação para o pagamento da propina: o dinheiro teria sido pago para fazer sumir um aeroporto inteiro. O caso é simples.
Em novembro de 2013, um consórcio liderado pela Odebrecht venceu o leilão de concessão do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, comprometendo-se a desembolsar 19 bilhões de reais. Um senhor investimento. No ano seguinte, Moreira Franco, à frente da Secretaria de Aviação Civil, acelerou a negociação para que o governo autorizasse outras duas empreiteiras, a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez, a construir um terceiro aeroporto na Grande São Paulo, no município de Caieiras. Entusiasta da ideia, Moreira Franco defendeu a construção do novo aeroporto em maio de 2014: “São Paulo precisa de um terceiro aeroporto para desafogar Congonhas e Guarulhos, por conta da alta demanda”.
O nó é que o terceiro aeroporto concorreria de frente com outros três: Galeão, no Rio; Viracopos, em Campinas; e Cumbica, em Guarulhos. Os concessionários desses três aeroportos, sentindo o aperto da concorrência, estrilaram. Marcelo Odebrecht saiu em defesa do Galeão. Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, cerrou fileira em nome de Cumbica, o aeroporto de Guarulhos. Os dois alegaram que o terceiro aeroporto em São Paulo representaria quebra de contrato e ameaçaria a saúde financeira de suas empresas. Os advogados da Odebrecht pretendem dizer na delação que Melo Filho pagou propina a Moreira Franco para garantir que, em troca de 3 milhões de reais, o aeroporto de Caieiras não saísse do papel. De fato, não saiu.
A acusação contra Moreira Franco, naturalmente, precisa ser comprovada, mas os investigadores da Lava-Jato estão levando a denúncia a sério, porque ela combina com o conteúdo de uma troca de mensagens capturada durante as apurações. Numa mensagem enviada em 29 de agosto de 2014, o deputado cassado Eduardo Cunha reclama com Léo Pinheiro, da OAS, do fato de o executivo ter feito uma doação de “5 paus” (5 milhões de reais) a Michel Temer. Para reforçar a queixa e mostrar-­se mais confiável do que outros peemedebistas, Eduardo Cunha lembra na mensagem que Moreira Franco, aliado de Temer, até lutara contra interesses da OAS, sem especificar quais. Em resposta, Léo Pinheiro indica a Cunha que Moreira Franco já não estava mais contra a OAS. A resposta foi lacônica. “Te explico pessoalmente. O assunto foi GRU”, respondeu Pinheiro, ref­erindo-se à sigla pela qual é conhecido o aeroporto de Guarulhos, sob a responsabilidade da OAS.
Os “5 paus” a que Cunha se refere têm destino conhecido. No dia 22 de agosto de 2014, a OAS transferiu o dinheiro para a conta de campanha de Michel Temer. O valor foi repassado via doação legal e declarado à Justiça Eleitoral. Três dias antes disso, Temer e Moreira Franco receberam Léo Pinheiro no Palácio do Jaburu. A VEJA, a assessoria de imprensa do presidente da República declarou que Léo Pinheiro manifestou no encontro disposição para ajudar na campanha — tudo às claras, dentro da lei. Na época, as contribuições eleitorais de empresas eram permitidas. “Foram depositados 5 milhões de reais na conta de campanha de Michel Temer 2014, no final de agosto, como determinava a legislação eleitoral. E foram declarados na prestação de contas de forma absolutamente transparente.”
O motivo da doação dos “5 paus” está sob investigação. O pro­curador-geral da República, Rodrigo Janot, registrou o seguinte em um dos pedidos de inquérito contra Eduardo Cunha: “Léo Pinheiro afirmou que explicaria, pessoalmente, para Eduardo Cunha [sobre a doação], mas que o pagamento dos 5 milhões de reais para Michel Temer estava ligado a Guarulhos”. O caso sugere que as duas empreiteiras, OAS e Odebrecht, podem ter colocado a mão no bolso para barrar a construção do terceiro aeroporto. Para os procuradores, a questão é: se a OAS fez uma doação eleitoral de 5 milhões para defender seus interesses no aeroporto de Guarulhos, por que a Odebrecht não pode ter oferecido uma propina de 3 milhões para defender seus interesses no aeroporto do Galeão?
O pedido da propina, segundo Melo Filho, o executivo da Odebrecht, foi feito numa conversa só com o então ministro da Aviação Civil. Em nota, Moreira Franco nega qualquer envolvimento no caso. A VEJA, disse que jamais pediu ajuda financeira a executivos da Odebrecht. Afirmou ainda que razões técnicas barraram a autorização para a construção do terceiro aeroporto em São Paulo. Disse Moreira Franco: “A posição contrária ao projeto foi de natureza técnica. Não houve nenhum pedido de contribuição”.
Melo Filho era o homem da Odebrecht em Brasília. Tinha trânsito livre entre ministros, deputados e senadores. Seu acordo, se homologado, implicará dezenas de parlamentares. A lista é suprapartidária, mas atingirá figuras expressivas do PMDB. Um de seus principais alvos é o senador Romero Jucá. Presidente do PMDB, Jucá ocupou o cargo de ministro do Planejamento de Temer até ser gravado pregando o fim “dessa sangria” da Lava-­Jato. Em razão da inconfidência, perdeu o cargo formalmente, mas não se afastou tanto assim na prática. Hoje, o ministério é comandado por um interino, Dyogo de Oliveira, que segue orientações do senador, sempre convocado para participar das reuniões sobre os rumos da economia e o pacote de ajuste fiscal em tramitação no Congresso.
Segundo a delação de Melo Filho, Jucá recebeu 10 milhões de reais, divididos em doações legais e ilegais, como pagamento por contemplar interesses da Odebrecht em medidas provisórias e projetos que tramitaram no Congresso. Alvo de pelo menos quatro inquéritos no petrolão, Jucá também se diz inocente. Como Moreira Franco, ele quer ser ministro. Não é um desatino. Afinal de contas, Marx Beltrão foi nomeado recentemente ministro do Turismo apesar de ser réu no Supremo Tribunal Federal (STF).

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