Moro faz um estranho raciocínio: só quem está cem por cento com ele está do lado dos bons
Aí, certamente, vamos por um caminho ruim; eu acho que ele também comete erros. E aí, doutor, como ficamos? Quer me ensinar a combater os corruptos?
O juiz Sérgio Moro e os procuradores que compõem a Força Tarefa não podem se considerar imbuídos de uma força divina e de uma pureza inalcançável. Ou se colocam de tal sorte acima dos homens mortais que estaremos todos impedidos de debater com eles. Só nos resta lhes dever obediência. E é claro que isso comigo não cola. Ainda que o grupo tivesse na biografia a fama de haver, sei lá, matado o facínora.
Aliás, antes que Rogério Cezar de Cerqueira Leite os comparasse a Savonarola, eu mesmo o tinha feito em coluna antiga na Folha, no dia 17 de julho de 2015. E, ora, ora, não preciso que Moro ou Deltan Dallagnol — ou qualquer outro recém-chegado à arena dos debates — me ensinem como combater o PT. Ocorre que eu critico o partido por seus métodos. Não por se chamar PT. Chamasse rosa, e fossem os mesmos os métodos, combateria de igual modo.
Parece tautológico, mas preciso dizê-lo: apoio todas as virtudes de Moro e dos seus aliados no MPF. E combato todos os seus defeitos. Aliás, sou um grande apreciador das minhas próprias virtudes. Não gosto é dos meus defeitos. Mas os tenho. Não fosse assim, eu seria um santo. Como Sérgio Moro. Como Lula já foi um dia. É por isso que não me ajoelho em altar em que se adoram humanos…
Gilmar Mendes concedeu uma entrevista impecável à Folha de hoje. Chamou a atenção para as virtudes da Lava-Jato e para o fato de ser um marco no combate à corrupção, mas também censurou os que tentam canonizar juízes e procuradores, como se suas decisões estivessem acima do escrutínio humano.
Mais: destacou, o que é verdade, que a impossibilidade de se proceder a uma análise racional da Lava Jato leva a que interesses corporativos se insinuem na zona do conforto da intocabilidade. Ou por outra: usa-se o combate à corrupção para defender privilégios inaceitáveis.
Pois bem. O juiz Sérgio Moro e o buliçoso Deltan Dallagnol participaram de uma audiência regional, na Assembleia Legislativa do Paraná, promovida pela Câmara dos Deputados, para debater as 10 Medidas Contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal. Deltan, para não variar, falou em tom de paladino, missionário e animador de comício. É claro que é impróprio, mas nem entro nisso agora.
O que me interessou foi uma fala de Moro, prestem atenção:
“Em outras palavras e sem querer ser maniqueísta, ou coisa que o valha, é o Congresso demonstrar de que lado ele se encontra nessa equação”
“Em outras palavras e sem querer ser maniqueísta, ou coisa que o valha, é o Congresso demonstrar de que lado ele se encontra nessa equação”
Sabem em que momento ele disse isso? Quando se referia à aprovação das 10 medidas. Resultado: ou você as apoia — e, portanto, é contra a corrupção — ou você as crítica, e, pois, defende corruptos.
O que eu tenho a dizer ao juiz? “Uma ova, doutor!” Eu sou contra três das 10 medidas — teste aleatório de honestidade, validação de “provas ilegais colhidas de boa-fé e limite a habeas corpus — e quero que o juiz demonstre, então, que estou do lado de corruptos. Aí, não!
Isso não é fala de juiz. Isso é fala de político. E também é uma evidente resposta a um ministro do Supremo — no caso, à entrevista de Gilmar Mendes. Ou Moro vai dizer também que ou o tribunal endossa as medidas ou está a favor de vagabundo?
Assim vamos caminhar para um mau lugar. Esse negócio de ser maniqueísta e dizer que não pretende ser maniqueísta é truque ruim.
Aí ele próprio disse que dá para debater algumas coisas e eliminá-las do conjunto das propostas, como a coleta ilegal de provas. Pois é… Ocorre que ele já chegou a defendê-la quando eu estava praticamente sozinho na crítica.
O doutor precisa ser mais tolerante com a divergência e tem de saber que discordar dele não corresponde a apoiar corruptos.
Afinal, Savonarola também acham que discordar dele era agredir a fé.
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