Putin apenas piscou
Em disputa com Obama, líder russo recuou para evitar mais danos à economia e permitiu eleição na Ucrânia
Houve um momento, durante a Crise dos Mísseis com Cuba, em outubro de 1962, em que navios soviéticos chegaram a poucos quilômetros do bloqueio naval americano e no último minuto recuaram, uma decisão que fez o então secretário de Estado, Dean Rusk, pronunciar a mais famosa frase da Guerra Fria: "Nós os encaramos olho no olho e acho que o outro lado apenas piscou".
A crise na Ucrânia jamais ameaçou produzir uma catástrofe nuclear, como ocorreu durante a Guerra Fria, mas foi o primeiro caso de uma estratégia diplomática arriscada desde o fim da Guerra Fria. A visão de mundo chinesa/russa, segundo a qual podemos nos aproveitar da globalização do século 21 sempre que quisermos enriquecer e nos comportar como potências do século 19 sempre que quisermos arrancar um pedaço do vizinho, contrapõe-se a uma outra que diz: "Não, desculpe, o mundo do século 21 não é apenas interconectado, mas é interdependente. Ou aceitamos essas regras do jogo ou pagamos um alto preço".
No fim, o conflito estabeleceu-se entre o estilo de Putin e o de Obama. Gostaria de ser o primeiro do meu bloco a declarar que o "outro" - Putin - "só piscou". Na realidade, gostaria de dizer mais: "Putin entendeu tudo errado no caso da Ucrânia. Achou que o mundo ainda obedecia a esferas de influência impostas de cima para baixo, quando a Ucrânia despertava para a influência exercida pelo povo".
Acima de tudo, Putin subestimou o efeito das sanções econômicas ocidentais. O mundo revelou-se mais interdependente e a Rússia mais exposta a essa interdependência do que ele pensava.
Por isso piscou. O primeiro efeito foi a retirada de suas tropas da fronteira de Ucrânia, permitindo as eleições. Ele optou por piscar mais diretamente no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, conferência anual realizada pela Rússia para atrair investidores globais. "Queremos a paz e a tranquilidade na Ucrânia", ele disse aos executivos. "Estamos interessados na paz e na tranquilidade das nossas fronteiras com a Ucrânia. Trabalharemos com o governo recém-eleito." Depois do seu pronunciamento, o rublo subiu 1% em relação ao dólar, demonstrando que os mercados continuarão premiando sua reconciliação e punindo sua agressão.
Putin gastou bilhões para sustentar o rublo e compensar a perda de investimentos externos. Como a agressão de Putin na Crimeia levou a Europa a reduzir sua dependência do gás russo, Putin correu para Pequim para fechar um acordo de fornecimento de gás natural com a China. O preço que a China conseguiu é segredo e os especialistas "suspeitam que Putin teve de baixá-lo significativamente numa manobra desesperada para garantir um fluxo de recursos constante da China para a Gazprom tendo em vista a queda das receitas e as sanções ocidentais", informou o The Washington Post. "Há algo suspeito no contrato", afirmou Mikhail Krutikhin, analista de energia da RusEnergy, o que sugere que a Rússia fez um mau negócio. Putin piscou.
A anexação da Crimeia enfraqueceu a economia russa, levou a China a conseguir um negócio excelente com o gás, deu nova vida à Otan, estimulou a Europa a acabar com sua dependência do gás russo e deu início a um debate em toda a Europa sobre o aumento dos gastos em defesa. Bom trabalho, Vladimir. Por isso, digo que o país que Putin mais ameaça hoje é a Rússia.
Não quero que a Rússia se torne um país falido. Desejo que a Ucrânia consiga o que a maioria quer - estreitar os laços com a UE, sem romper os vínculos com a Rússia. Isso exigirá não apenas um novo presidente ucraniano, mas também um Parlamento renovado, uma nova Constituição e um conjunto de grupos da sociedade civil capazes de fazer com que os líderes de Kiev, frequentemente corruptos, atenham-se ao regime da lei e às normas exigidas pela UE e pelo Fundo Monetário Internacional em troca de ajuda.
Com a economia da Ucrânia vinculada à da Rússia - Kiev deve US$ 3,5 bilhões em fornecimento de gás -, Putin ainda dispõe de um enorme poder para arrancar dinheiro do país. O Ocidente não deveria tentar impedir Putin de exercer alguma influência na Ucrânia. Não seria possível nem saudável. Mas deve fazer com que ele recue e pisque o suficiente para que a Ucrânia se torne apenas uma vizinha da Rússia - encontrando seu próprio equilíbrio entre a UE e Moscou - mas não submetida a uma condição de vassalagem. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
É COLUNISTA
A crise na Ucrânia jamais ameaçou produzir uma catástrofe nuclear, como ocorreu durante a Guerra Fria, mas foi o primeiro caso de uma estratégia diplomática arriscada desde o fim da Guerra Fria. A visão de mundo chinesa/russa, segundo a qual podemos nos aproveitar da globalização do século 21 sempre que quisermos enriquecer e nos comportar como potências do século 19 sempre que quisermos arrancar um pedaço do vizinho, contrapõe-se a uma outra que diz: "Não, desculpe, o mundo do século 21 não é apenas interconectado, mas é interdependente. Ou aceitamos essas regras do jogo ou pagamos um alto preço".
No fim, o conflito estabeleceu-se entre o estilo de Putin e o de Obama. Gostaria de ser o primeiro do meu bloco a declarar que o "outro" - Putin - "só piscou". Na realidade, gostaria de dizer mais: "Putin entendeu tudo errado no caso da Ucrânia. Achou que o mundo ainda obedecia a esferas de influência impostas de cima para baixo, quando a Ucrânia despertava para a influência exercida pelo povo".
Acima de tudo, Putin subestimou o efeito das sanções econômicas ocidentais. O mundo revelou-se mais interdependente e a Rússia mais exposta a essa interdependência do que ele pensava.
Por isso piscou. O primeiro efeito foi a retirada de suas tropas da fronteira de Ucrânia, permitindo as eleições. Ele optou por piscar mais diretamente no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, conferência anual realizada pela Rússia para atrair investidores globais. "Queremos a paz e a tranquilidade na Ucrânia", ele disse aos executivos. "Estamos interessados na paz e na tranquilidade das nossas fronteiras com a Ucrânia. Trabalharemos com o governo recém-eleito." Depois do seu pronunciamento, o rublo subiu 1% em relação ao dólar, demonstrando que os mercados continuarão premiando sua reconciliação e punindo sua agressão.
Putin gastou bilhões para sustentar o rublo e compensar a perda de investimentos externos. Como a agressão de Putin na Crimeia levou a Europa a reduzir sua dependência do gás russo, Putin correu para Pequim para fechar um acordo de fornecimento de gás natural com a China. O preço que a China conseguiu é segredo e os especialistas "suspeitam que Putin teve de baixá-lo significativamente numa manobra desesperada para garantir um fluxo de recursos constante da China para a Gazprom tendo em vista a queda das receitas e as sanções ocidentais", informou o The Washington Post. "Há algo suspeito no contrato", afirmou Mikhail Krutikhin, analista de energia da RusEnergy, o que sugere que a Rússia fez um mau negócio. Putin piscou.
A anexação da Crimeia enfraqueceu a economia russa, levou a China a conseguir um negócio excelente com o gás, deu nova vida à Otan, estimulou a Europa a acabar com sua dependência do gás russo e deu início a um debate em toda a Europa sobre o aumento dos gastos em defesa. Bom trabalho, Vladimir. Por isso, digo que o país que Putin mais ameaça hoje é a Rússia.
Não quero que a Rússia se torne um país falido. Desejo que a Ucrânia consiga o que a maioria quer - estreitar os laços com a UE, sem romper os vínculos com a Rússia. Isso exigirá não apenas um novo presidente ucraniano, mas também um Parlamento renovado, uma nova Constituição e um conjunto de grupos da sociedade civil capazes de fazer com que os líderes de Kiev, frequentemente corruptos, atenham-se ao regime da lei e às normas exigidas pela UE e pelo Fundo Monetário Internacional em troca de ajuda.
Com a economia da Ucrânia vinculada à da Rússia - Kiev deve US$ 3,5 bilhões em fornecimento de gás -, Putin ainda dispõe de um enorme poder para arrancar dinheiro do país. O Ocidente não deveria tentar impedir Putin de exercer alguma influência na Ucrânia. Não seria possível nem saudável. Mas deve fazer com que ele recue e pisque o suficiente para que a Ucrânia se torne apenas uma vizinha da Rússia - encontrando seu próprio equilíbrio entre a UE e Moscou - mas não submetida a uma condição de vassalagem. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
É COLUNISTA
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