LUIZ ESTEVÃO CONTA COMO EXERCE SUA INFLUÊNCIA NA PENITENCIÁRIA DE BRASÍLIA
Em entrevista, o ex-senador e empresário, transferido pela Justiça para uma cela isolada por causa de privilégios na cadeia, diz, sobre a rotina na Papuda: "Ou você convive ou você não sobrevive"
Estevão foi o primeiro ocupante de uma ala VIP da Papuda, que ele mesmo construiu antes de ser preso. Destinado a abrigar presos considerados vulneráveis para o sistema carcerário, por sofrerem riscos caso estejam misturados aos demais detentos, o bloco 5 do Centro de Detenção Provisória (CDP) da Papuda passou a abrigar idosos e personagens do noticiário político presos nos grandes escândalos, como o mensalão e a Lava Jato. Por seu tempo de cárcere e sua personalidade expansiva, Luiz Estevão se tornou o detento mais influente do local. Foi chamado de “dono do presídio” em uma investigação da Polícia Civil que apurou regalias na prisão — foram encontrados pen drives, cápsulas e máquina de café espresso, aparelho de som, chocolates e macarrão importado na cela dele. Estevão dá conselhos de convivência e palpites jurídicos a quem chega, oferece emprego em suas empresas para que os colegas de cárcere possam progredir de regime, recebe advogados diariamente e acompanha todos os assuntos da política nacional e brasiliense mesmo confinado no presídio.
Foi justamente por essas regalias que, três dias após a entrevista, a juíza Leila Cury, da Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal, determinou a transferência de Estevão e de outros detentos para o Pavilhão de Segurança Máxima, em outra unidade da Papuda. Luiz Estevão concordou em falar com ÉPOCA, apesar de recomendações contrárias de seus advogados. A única exigência da VEP e da Subsecretaria do Sistema Penitenciário foi que as imagens gravadas durante a entrevista não mostrassem as celas nem nenhum detalhe das instalações físicas da penitenciária, por questões de segurança. Não foi permitida a entrada de telefones celulares, mas não houve objeção às câmeras e aos gravadores de áudio, vistoriados na entrada do CDP.
As próprias palavras de Estevão revelam que o dia a dia na ala dos vulneráveis da Papuda não é igual à rotina nas outras prisões do país. Na entrevista de uma hora e 30 minutos, Estevão confirmou seu papel de conselheiro dos demais detentos, falou sobre as regalias da ala dos vulneráveis e contou histórias da convivência com os presos famosos. Estevão garante, porém, que não é ele quem procura os recém-chegados, mas sim o contrário. “Você já leu a Divina comédia? Dante Alighieri disse que está escrito na porta do Inferno: ‘Vós que entrais, deixai de fora toda a esperança’. As pessoas quando entram aqui vêm num estado de muito abatimento. Então eu nunca as procuro, porque eu sei que os primeiros dias são dias de muita... A pessoa já está numa situação de enorme conflito com ela mesma, então eu não me ofereço para nada”, afirmou. E prosseguiu: “Elas me procuram. Até porque o espaço é muito pequeno, não tem como você ignorar a presença do outro aqui. Nós ficamos nove horas por dia no pátio ou na biblioteca, são locais de livre acesso, então é inevitável que as pessoas se encontrem”.
O empresário citou o exemplo do doleiro Lúcio Funaro, preso em julho de 2016 na Lava Jato como um operador financeiro do MDB ligado ao ex-deputado do partido Eduardo Cunha. Estevão desenvolveu com ele uma relação de amizade durante o tempo em que conviveram no presídio — Funaro foi para a prisão domiciliar em dezembro do ano passado, após fazer um acordo de delação premiada. “Ele imediatamente me procurou, conversou comigo, que é uma coisa muito natural das pessoas que chegam aqui, me procurarem para saber como funciona a cadeia. O que pode, o que não pode, o que pode ser reivindicado, porque às vezes tem coisas que não podem, outras que são pertinentes reivindicar. Dentro daquilo que aprendi neste tempo todo que estou aqui, eu procuro sempre orientar as pessoas no sentido do que é ou não é pertinente”, disse Estevão, que tem o tique de falar como se, às vezes, estivesse mascando um chiclete.
Questionado sobre se pode ser considerado o líder da ala dos vulneráveis, Estevão respondeu enfaticamente: “De forma alguma”. Porém, ao ser confrontado com outras perguntas, ele acabou revelando como exerce esse papel. O empresário disse que, antes de ser preso, foi advertido pelas autoridades de que não deveria oferecer benefícios ou exercer influência sobre os demais detentos. A começar pelo doleiro Lúcio Funaro. Ao lhe ser perguntado se apoiou Funaro a fazer um acordo de delação, ele foi além: “Com certeza. Não só o apoiei, como eu diria que o induzi a fazer um acordo de delação premiada”, respondeu. Estevão confirmou que deu emprego a colegas detentos para que eles pudessem progredir para o regime semiaberto — entre eles o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no mensalão. “Eu já devo ter dado emprego aqui a uns dez ou 12 presos, entre os quais o Henrique Pizzolato”, disse. Foi responsável também por equipar a biblioteca do presídio, o que permite aos detentos se dedicar à leitura e fazer resenhas dos livros para abatimento do tempo de pena. O acervo atual é de cerca de 600 obras. “Dos livros da biblioteca, pelo menos uns 450 foram doados por mim”, afirmou.
Condenado em 2006 pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) a uma pena de 31 anos de prisão por envolvimento com desvios e superfaturamento na obra do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, Luiz Estevão foi durante muito tempo um símbolo da impunidade característica da política brasileira. Sua defesa protocolou mais de 30 recursos nos tribunais superiores, que adiaram por sucessivas vezes o cumprimento da pena. Em setembro de 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a prisão do empresário por outra condenação, de três anos e seis meses, pelo crime de falsificação de documentos — a acusação apontou fraudes em livros contábeis para tentar ocultar o superfaturamento da obra do Fórum Trabalhista.
Essa foi a primeira vez em que Estevão entrou na Papuda, para cumprir pena em regime semiaberto, mas por uma curta temporada — em março do ano seguinte, ele deixou a prisão. A situação do empresário se complicou no início de 2016, após o STF ter mudado o entendimento sobre a possibilidade de execução da pena de prisão após condenação em segunda instância. Pouco depois, em março daquele ano, a Justiça determinou que Estevão começasse imediatamente a cumprir pena pelo caso do TRT de São Paulo — àquela altura, sua defesa havia conseguido diminuir sua condenação para 26 anos, pela prescrição de alguns dos crimes.
O lado irônico dessa saga é que Estevão foi o responsável por construir a chamada ala dos vulneráveis da Papuda e foi seu primeiro ocupante. O empresário disse que atendeu a um pedido do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que morreu em 2014. À época advogado de réus do mensalão, Thomaz Bastos manifestou preocupação com a possível prisão dos envolvidos no caso e pediu a Estevão, segundo seu relato, que construísse uma ala especial na Papuda onde eles pudessem ficar detidos em melhores condições. “Peguei uma arquiteta que trabalhava pra mim e falei: ‘Olha, vai conversar com a pessoa que o doutor Márcio me recomendou, vê como é isso realmente, levanta o tamanho da obra que tem de ser feita, orça o tamanho dessa obra, tanto da construção do galpão como da reforma disso aqui, e me avisa para eu avisar ao doutor Márcio quanto vai custar, qual o tempo que isso vai demorar, essa coisa toda, e assim foi. Essa arquiteta, que até hoje trabalha para mim, foi quem conduziu todas as obras de reforma disto daqui e também da construção do galpão ali embaixo”, contou.
Em setembro de 2014, Luiz Estevão chegou ao local na condição de detento e bancou pessoalmente os itens para equipar o bloco 5 do CDP, onde fica a ala dos vulneráveis. “Quando eu cheguei aqui, não tinha nada. Então eu tive de montar a cantina. Eu forneci a geladeira, micro-ondas, fogão, utensílios de cozinha, tudo, inclusive uma cafeteira. Eu não como açúcar, também não sabia fazer café. Na época, eu pedi, em vez de uma cafeteira, uma máquina de espresso, que qualquer um sabe fazer.” Cerca de dois meses depois, começaram a chegar os primeiros presos do mensalão: Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, que eram sócios do publicitário Marcos Valério, operador do mensalão. Ambos dividiram cela com Luiz Estevão. “Quando eu voltei em 2016, tudo que eu deixei aí tinha continuado: a televisão, meu aparelho de tocar CDs, uma coleção grande de CDs de música”.
O empresário contou que todos esses itens, como as máquinas de café espresso, eram autorizados pela direção do presídio. “Como a cantina não tinha condições de fazer café sem açúcar para mim (...), eu pedi na época à chefia de pátio: ‘Olha, tenho uma cafeteira aqui, eu não quero tomar café com açúcar, a cantina não tem condições de fazer café sem açúcar para mim, porque nem dá tempo também para o cantineiro fazer, e, se ele fizesse no início do dia, não teria onde guardar’. Aí foi autorizado que eu trouxesse toda semana 48 cápsulas de café e que eu utilizasse essa cafeteira. Então essa cafeteira nunca foi segredo para ninguém, nada disso. Pelo contrário, as cápsulas de café eram entregues aqui na chefia de pátio, e a chefia de pátio repassava”, afirmou. Os CDs de música, compostos principalmente de discos de jazz e música clássica, o aparelho de som e outros itens inusitados foram sendo retirados após sucessivas inspeções na ala dos vulneráveis. “Naquela época, eu trazia CDs pelo menos todo mês. A chefia de pátio escutava, via se não tinha nenhuma irregularidade e me repassava os CDs normalmente. Quando houve aquela inspeção do dia 26 de janeiro de 2017, ninguém questionou sobre o tocador de CD. Mas uma semana depois houve uma vistoria nas celas e tudo aquilo que pudesse ser interpretado por alguém como uma coisa ilegal, tudo aquilo foi retirado, inclusive o tocador de CD.”
Segundo Luiz Estevão, o deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP), com quem ele desenvolveu uma relação próxima durante a passagem do parlamentar pela Papuda, foi um detento “admirável”. “Ele teve um comportamento muito bom com todos. Foi muito gentil, muito educado com os presos, tanto que se tornou uma pessoa muito estimada por todos. Todos os dias ele ia conversar comigo. Depois do almoço, era obrigatório. Ele dormia um pouco, acordava e ia imediatamente sentar comigo na biblioteca e ia conversar comigo”, contou. Apesar de seu estado delicado de saúde, com câncer e dificuldade de locomoção, o que motivou sua mudança para prisão domiciliar, Maluf, segundo Estevão, reagia com bom humor às brincadeiras. “Eu brincava muito com ele: ‘Olha, Maluf, não se preocupe não que cadeia faz bem para a saúde’. Aí ele ria para mim. Primeira coisa, todo mundo emagrece. Eu, por exemplo, aqui há 861 dias. Se você fizer uma continha rápida, eu já almocei ou jantei 1.722 vezes. Todas as vezes, frango com arroz e cenoura. A comida é ruim? Não, a comida é decente, sadia, mas comer 1.722 vezes seguidas arroz, feijão, frango e cenoura evidentemente que é coisa que não agrada ao paladar de ninguém pela repetição.”
Ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que ficou na Papuda durante um mês entre maio e junho e dividiu cela com Estevão, o empresário disse ter dado conselhos sobre como receber visitas da filha menor, de 7 anos de idade — a legislação prevê uma visita especial separada dos demais detentos. Segundo Estevão, seus colegas de prisão não queriam visitas das filhas pelo fato de a ala dos vulneráveis ser ocupada por criminosos sexuais. “Nós somos 70 aqui no bloco. Quando eu cheguei, eram 19. Desses 70, acredito que uns 40 estejam presos em função de crimes sexuais contra menores, o que é uma situação muito desagradável. É um cenário muito duro para a gente ter consciência de que essas pessoas cometeram esse tipo de crime. O restante dos presos está aqui por estelionato, por falsificação, por assassinato, por homicídio, parricídio, fratricídio. Tem de tudo que você pode imaginar”, contou.
É proibido conversar com os outros presos sobre os crimes que cometeram? “É um assunto que eu evito”, disse Estevão. “Logo que eu cheguei, comecei a ser muito procurado pelas pessoas para conversar sobre seus crimes e principalmente para pedir ajuda porque quase todos eles são defendidos pela Defensoria Pública, e a Defensoria presta um trabalho extremamente deficiente. Na prática, grande parte dos internos não tem nenhuma assistência jurídica. Ou se tem é totalmente fora dos prazos da razoabilidade. Como eu comecei a ver que teria problemas, porque eu fui advertido de que qualquer serviço que eu prestasse aos demais detentos poderia caracterizar exercício de liderança, o que é malvisto pelas autoridades, evito conversar sobre os processos dos outros para não ter de me envolver. Pelo fato de eu ter recurso, de eu ter uma estrutura, eles esperam que eu possa disponibilizá-la para servir a eles”. Ainda assim, Estevão admite ter colocado seus advogados à disposição de alguns detentos, como Funaro.
Estevão continua alegando inocência em relação aos crimes pelos quais foi condenado. Diz que não participou das obras do Fórum Trabalhista e que nem conhecia o juiz Nicolau dos Santos — o Ministério Público Federal apresentou extratos de transferências de uma conta no exterior atribuída a Estevão para uma conta atribuída ao juiz Nicolau, consideradas pagamento de propina pelas irregularidades na obra. Estevão nega que tenha feito as transferências e diz que apenas se beneficiou vendendo terrenos para Fábio Monteiro de Barros, dono da Incal, construtora que tocou as obras do TRT de São Paulo. O empresário diz que Barros lhe pagou com dinheiro desviado das obras do TRT-SP, mas afirma nunca ter tomado conhecimento das irregularidades na obra, das quais diz não ter participado. Nas investigações, o Ministério Público apreendeu um contrato de gaveta entre Estevão e a Incal que, de acordo com a denúncia, comprova que Estevão era o verdadeiro responsável pelas obras. “Existe uma diferença aí, uma coisa é ser autor, outra coisa é ser beneficiário. Se você me perguntar se eu sou autor de alguma das irregularidades ou alguma das ilegalidades apontadas no processo do TRT, minha resposta é não. Não tenho nada a ver com aquilo, não conheço o juiz Nicolau, nunca estive na obra do TRT, nunca tive envolvimento com a condução daquilo ali. Se eu tivesse tido envolvimento, não tinha dado no que deu, eu teria terminado a obra corretamente”, defendeu-se.
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Até o fim deste ano, Estevão prevê cumprir os requisitos para progredir para o regime semiaberto, quando poderá trabalhar fora do presídio durante o dia, ficando obrigado a voltar à noite e nos fins de semana. “A primeira missão que você tem quando sai daqui é voltar a se adaptar ao mundo lá fora. Da mesma maneira como ingressar aqui envolve um processo de adaptação: quanto mais rápido você conseguir fazer essa transição, menos você vai sofrer aqui dentro. Da mesma forma, sair daqui também representa (um processo de adaptação), principalmente num mundo tão acelerado como o de hoje. Então eu acho que o desafio depois que sair daqui é passar um processo de adaptação e conseguir conviver bem com o mundo lá de fora”, concluiu Estevão, proferindo a última frase da entrevista.
O empresário não sabia naquele momento que precisaria passar por um novo processo de adaptação dentro da Papuda. Por ordem da juíza Leila Cury, da VEP, no último dia 19, Estevão foi transferido para uma cela de isolamento no Pavilhão de Segurança Máxima. Nas palavras da juíza, Estevão “já foi flagrado, pelo menos duas vezes, na posse de objetos proibidos, tudo estando a indicar que, se não for imediatamente realocado em outro local, além de dificultar a efetiva apuração dos fatos, pode vir a conseguir novamente outros privilégios”. Em sua decisão, a juíza afirmou também que Estevão é suspeito de ter doado um imóvel a um agente penitenciário em troca de facilidades. A defesa de Estevão nega a suspeita e diz que prestará esclarecimentos sobre a acusação. Em nota, o advogado de Estevão, Marcelo Bessa, declarou que a cela para onde ele foi transferido não atende aos requisitos básicos de salubridade, está em condições “degradantes” e o deixa vulnerável a outros presos por estar na unidade “mais violenta e exposta do presídio”. A realidade do novo espaço de Estevão é bem mais dura: lá, os presos só recebem visitas de familiares a cada 15 dias, não têm acesso a biblioteca e o banho de sol dura apenas duas horas, entre outras restrições.
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