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'Se não me disserem que aquilo é propina, como vou saber?', diz procurador da Lava Jato sobre importância das delações

Coordenador da investigações sobre políticos, Douglas Fischer rebate os argumentos dos críticos da operação

Procurador Regional da República, Douglas Fischer
Procurador da República, Douglas Fischer
Escolhido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para coordenar o grupo de trabalho que atua nos processos da Lava Jato envolvendo políticos, o procurador Douglas Fischer participou ativamente da negociação das delações mais explosivas da operação, como a do ex-senador Delcídio do Amaral e a do ex-presidente da Andrade Gutierrez Otávio Marques Azevedo. Considerado um especialista na área, ele tem dado palestras pelo país defendendo o novo instrumento de produção de provas, explicando passo a passo como são costurados os acordos, e esvaziando o argumento dos críticos da delação. O site de VEJA o acompanhou em uma de suas apresentações realizada no Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP) na semana passada.
Na palestra, o procurador ressaltou que, sem as colaborações, a Lava Jato dificilmente teria chegado ao núcleo dos verdadeiros mentores do esquema do petrolão - os políticos do alto escalão do governo e os maiores empreiteiros do país. No último mês, com base na delação de Delcídio, a PGR pediu à Justiça a abertura de inquérito contra os petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os peemedebistas Eduardo Cunha e Eduardo Paes, o tucano Aécio Neves, entre outros. Usando o mote de Janot de que "pau que bate em Chico também bate em Francisco", Fisher sinalizou que a Lava Jato ainda está longe de acabar - pelo menos na parte que toca os políticos. O juiz Sergio Moro, que conduz a Lava Jato na primeira instância em Curitiba, já tem demonstrado a interlocutores o desejo de finalizar a operação em dezembro deste ano.
"As investigações são muito dinâmicas. Às vezes surge do nada um fato que precisa ser investigado. Há um consenso bem claro na PGR: serão investigados todos os fatos que aparecerem", disse em entrevista ao site de VEJA, após o seminário. Para explificar a necessidade das colaborações, ele faz um paralelo entre os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e homicídio. "Na delação, a prova é circunstancial. Ou seja, eu preciso reunir elementos que comprovem determinado fato. Não é como um homicídio, em que se tem o corpo, a arma do crime, o vídeo da rua. Se não chegar alguém e me dizer que aquilo é propina, como é que vou saber? É impossível, se todo esquema tem a aparência de legalidade", afirmou Fischer.
Professor de direito penal e autor de livros sobre o tema, ele é um grande crítico do que chama de "garantismo hiperbólico monocular", tese que, na sua visão, só enxerga os direitos individuais do réu de maneira ampliada em detrimento dos interesses da comunidade. Segundo ele, o direito penal no Brasil é muito "mal aplicado" e precisa ser "duro e eficaz", cseguindo sempre o devido processo legal.
Não foi por acaso que Janot nomeou Fischer como seu assessor jurídico nos processos da Lava Jato. Foi ele o responsável por tecer a argumentação da "autoria mediata" que apontou a ascendência de José Dirceu sobre o esquema do mensalão, sem que houvesse provas de que ele agiu diretamente no caso. Seu relatório foi usado pelo então procurador-geral da República Roberto Gurgel para convencer o STF a condenar o petista pela tese do "domínio do fato", em 2012. O procurador sugeriu que deve usar a mesma teoria contra os réus no petrolão.
"O que nós demonstramos é que determinadas pessoas praticaram a conduta, sem executar o ato. Mandaram fazê-lo. Não estou falando em condenar com base na presunção. Mas eu preciso demonstrar elementos que levam à convicção do juiz de que aquele fato aconteceu. É um sistema diferenciado de provas", disse ele. O procurador pondera, no entanto, que ninguém pode ser processado com base apenas na palavras de um delator. Segundo ele, a colaboração não representa uma prova propriamente dita, mas um meio de obtê-la. "A palavra do colaborador é um meio para se alcançar provas. Em todas as delações, o colaborador sempre entregou documentos e esses documentos é que são as provas", explicou.
Para as plateias formadas geralmente por estudantes de direito, Fischer começa caracterizando a delação premiada como um contrato jurídico previsto na Lei 12.850. A legislação, aliás, foi sancionada pela agora presidente afastada Dilma Rousseff em 2013. Aós ser citada por delatores, a petista passou a dizer que não respeita delatores e a comparar o instrumento à tortura sofrida na ditadura militar. Quem critica a delação o faz, sobretudo, por desinformação, diz Fischer. "[As críticas] não nos afetam, pois sabemos que estamos fazendo a coisa tecnicamente correta", comentou ele. "Eu posso atacar a prova, mas não o instituto em si", disse ele, referindo-se, inconformado, a um habeas corpus impetrado por um advogado para anular uma colaboração, sob o argumento de que o delator não tinha idoneidade moral.
Segundo Fischer, o interessado em contar o que sabe é quem deve procurar o Ministério Público, de forma espontânea, para fechar a delação. Opositores da Lava Jato apontam os mais de cem mandados de prisão expedidos durante a operação como uma forma de pressionar os presos a colaborar. O procurador nega veemente a acusação e, para isso, lança mão de números: 37 dos 49 dos acordos já homologados pela Justiça foram fechados quando os alvos estavam soltos. Também diz que 7 dos 49 delatores foram soltos devido à delação. E pondera que isso só aconteceu porque os benefícios previstos no acordo mostraram-se "incompatíveis" com a prisão cautelar. "Vamos supor que, com a colaboração, ele pegou dois anos de regime fechado. Se ele já ficou dois anos preso, tem que ser solto imediatamente porque já cumpriu a sua pena", explicou.
Quando apareceram boatos de que presos na Lava Jato estavam sendo mal tratados na superintedência da PF, em Curitiba, o procurador conta que voou imediatamente para a capital paranaense para averiguar o caso. Conversou com cada detido e constatou que as informações não tinham nenhum fundo de verdade. "Bom ou mal, eles estavam presos e ninguém se sente bem preso. Agora, pressão por parte da polícia e do MP... isso não existe. Nós nos preocupamos muito com a situação de quem está preso", afirmou.
O procurador ressalta que os benefícios de alívio da pena só são oferecidos na etapa final do processo. Ele conta que, certa vez, o advogado de um réu na Lava Jato o procurou para fechar uma colaboração e, por desconhecer o instituto, perguntou-lhe quando seu cliente seria solto se fechasse o acordo. "Eu saí da sala na hora. Foi uma situação bastante desagradável", afirmou Fischer, ressaltando que a liberdade não é condição da delação, mas uma consequência, dependendo de quanto tempo o delator já ficou atrás das grades.
Antes de a colaboração ser aprovada pela Justiça, o acusado ainda tem o direito de desistir de fazê-la. Se isso acontecer, os escritos repassados à procuradoria devem ser eliminados e desconsiderados nas investigações, diante do catáter de confidenciabilidade do contrato. Segundo Fischer, isso já aconteceu mais de uma vez na Lava Jato."Em nenhuma hipótese nos interessa os vazamentos", afirmou ele, que só respondeu as perguntas de forma genérica, sem fazer referência a nenhum delator específico.
Para o acordo ser viabilizado, o juiz deve ainda fazer uma audiência com o delator para lhe perguntar sob quais condições optou pela colaboração. Só depois disso que o acordo - já homologado - passa, finalmente, à fase dos depoimentos, que são colhidos e gravados em vídeo pelos procuradores. Delatores não podem mentir, sob pena de terem o acordo invalidado. É o caso do lobista Fernando Moura, que perdeu os benefícios da delação ao admitir que mentiu em interrogatório ao juiz Sergio Moro. Para Fischer, as contradições não significam necessariamente que alguém faltou com a verdade, mas apenas que cada delator vê o esquema de um ponto de vista diferente. "Eles têm a visão parcial dos fatos e não integral. Isso faz parte das provas. Agora se eu descobrir que ele está mentindo... aí já é outros quinhentos", considerou.
Após fazer uma larga defesa ao instrumento que vem revolucionando as investigações de crimes do colarinho branco no Brasil, Fischer encerra a palestra com uma frase do ensaísta americano Thomas Lynch: "Os maiores crimes de hoje indicam muito mais manchas de tinta que de sangue ".

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