Finalmente, temos um ministro da Justiça que fala em nome da lei e da Constituição democráticas!
Alexandre de Moraes concede uma entrevista impecável da primeira à última palavra
Vamos lá. A manchete da Folha é esta: “Procuradoria não é poder absoluto, diz novo ministro”. Data vênia, há excessiva liberdade interpretativa no título porque basta ler a entrevista para verificar que Moraes não disse exatamente isso. Cumpre, assim, reproduzir a fala para que se entenda que o novo ministro não está criando uma zona de atrito com o Ministério Público Federal. Leiam: “O poder de um MP é muito grande, mas nenhum poder pode ser absoluto”.
Bem, se nenhum poder é absoluto, e não é mesmo, então não o é também o do Ministério Público, ora bolas! Ou viveríamos sob uma tirania do… Ministério Público.
Explico o contexto. Sem haver nenhuma prescrição constitucional, os procuradores da República passaram a “eleger” o procurador-geral da República entre seus pares. E fazem isso onde? Numa associação de caráter sindical, corporativo, chamada ANPR (Associação Nacional do Procuradores da República).
Acontece, meus caros, que os procuradores compõem o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, e este é apenas um dos entes do MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, formado por:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
Entenderam? Os procuradores se outorgaram o direito de “eleger” o procurador-geral. O que diz a Constituição do Parágrafo 1º do Artigo 128? Isto:
“§ 1º – O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.”
“§ 1º – O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.”
Como se vê, não há nada aí sobre lista tríplice ou eleição. O que o ministro está dizendo na entrevista é que ele também quer saber “o que diz o livrinho”. Se a entidade sindical dos procuradores quer continuar a fazer eleição e lista tríplice, que faça. Mas suponho que também eles defendem que se cumpra a Constituição, certo? Se Temer quiser indicar o primeiro da lista quando chegar a hora, que indique. Mas não é obrigado.
Disse Moraes:
“O [procurador-geral da República Rodrigo] Janot foi nomeado há seis meses, ainda tem mais de um ano no cargo [até setembro de 2017]. Por isso eu nunca conversei com o presidente Temer sobre o tema. Mas o meu posicionamento é o de que devemos cumprir a Constituição.”
“O [procurador-geral da República Rodrigo] Janot foi nomeado há seis meses, ainda tem mais de um ano no cargo [até setembro de 2017]. Por isso eu nunca conversei com o presidente Temer sobre o tema. Mas o meu posicionamento é o de que devemos cumprir a Constituição.”
Exato.
Então agora cumpre recuperar a resposta inteira de Moraes sobre o MP. A ela:
“O que garante a autonomia do MP, e isso foi muito discutido na Constituinte, não é só a forma de escolha –até 1988, o presidente poderia indicar alguém de fora da carreira do MP para o cargo, agora tem que ser alguém de dentro dela. Mas o que garante a autonomia é a forma de destituição do procurador-geral. Ele tem hoje um mandato de dois anos. E só pode ser destituído se o presidente da República pedir e o Senado aprovar por maioria absoluta. Portanto, o presidente da República tem essa liberdade constitucional [de indicar o procurador-geral que não foi eleito pela categoria] dentro desses requisitos. Não é algo arbitrário. É uma questão de freios e contrapesos. O poder de um MP é muito grande, mas nenhum poder pode ser absoluto.”
“O que garante a autonomia do MP, e isso foi muito discutido na Constituinte, não é só a forma de escolha –até 1988, o presidente poderia indicar alguém de fora da carreira do MP para o cargo, agora tem que ser alguém de dentro dela. Mas o que garante a autonomia é a forma de destituição do procurador-geral. Ele tem hoje um mandato de dois anos. E só pode ser destituído se o presidente da República pedir e o Senado aprovar por maioria absoluta. Portanto, o presidente da República tem essa liberdade constitucional [de indicar o procurador-geral que não foi eleito pela categoria] dentro desses requisitos. Não é algo arbitrário. É uma questão de freios e contrapesos. O poder de um MP é muito grande, mas nenhum poder pode ser absoluto.”
Que se note: há um movimento na Polícia Federal para que também o cargo de diretor-geral decorra de uma eleição. Já me manifestei contra neste blog e pelas mesmas razões apontadas por Moraes: “Cada agente de investigação, cada delegado, tem que ter total autonomia para investigar, não pode sofrer pressões. Agora, a polícia faz parte da estrutura do Executivo. Se cada órgão se transformar num novo poder, vamos ter uma estrutura anárquica”.
Resposta igualmente perfeita. A República não é uma soma de corporações de ofício. Adiante.
O novo ministro foi indagado também sobre as operações de reintegração de posse. Respondeu como devem responder os que se subordinam ao Estado de Direito:
“A postura vai ser de cumprimento à Constituição e à legislação. Eu às vezes sou criticado por parte da imprensa por cumprir a lei. O cumprimento da lei, com firmeza, é [visto como] truculência. Se há uma invasão de índios e a determinação judicial de retirada, toda negociação vai ser feita. Agora, se houver um impasse, a lei vai ser cumprida. O poder público não tem o direito de desrespeitar uma ordem judicial, dentro da razoabilidade e apurando, como eu sempre apurei, qualquer excesso. Mas não é possível, como alguns defendem, a anarquia total, cada um faz o que quer. Hoje se invade um prédio publico, amanhã se invade, como se invadiu, a Assembleia Legislativa [de SP, ocupada por estudantes], depois o Tribunal de Justiça, depois a casa de qualquer pessoa.”
“A postura vai ser de cumprimento à Constituição e à legislação. Eu às vezes sou criticado por parte da imprensa por cumprir a lei. O cumprimento da lei, com firmeza, é [visto como] truculência. Se há uma invasão de índios e a determinação judicial de retirada, toda negociação vai ser feita. Agora, se houver um impasse, a lei vai ser cumprida. O poder público não tem o direito de desrespeitar uma ordem judicial, dentro da razoabilidade e apurando, como eu sempre apurei, qualquer excesso. Mas não é possível, como alguns defendem, a anarquia total, cada um faz o que quer. Hoje se invade um prédio publico, amanhã se invade, como se invadiu, a Assembleia Legislativa [de SP, ocupada por estudantes], depois o Tribunal de Justiça, depois a casa de qualquer pessoa.”
Assino embaixo.
E também falou sobre os tais movimentos sociais:
“Qual é o limite entre o direito de manifestação e a repressão a organizações que não estão se manifestando? É a prática de crime. Não importa se o movimento é de direita, de esquerda, de centro, liberal, conservador, para usar terminologias antigas. Todos têm direito de se manifestar. Absolutamente todos. São Paulo foi exemplo de tranquilidade e segurança nas grandes manifestações, tanto a favor como contra o impeachment. Então todos têm o direito de se manifestar, sem armas, de forma pacífica e com prévia comunicação às autoridades, à Polícia Rodoviária e à PF. O poder público tem que se prevenir, organizar e garantir que o protesto não fira os demais direitos. Ou seja, nenhum direito é absoluto. Manifestação em estrada que queime pneus, que por tempo não razoável impeça a circulação [de veículos], não é permitido. As pessoas precisam trabalhar, se locomover, o país precisa funcionar. Se a manifestação continuar por uma pista [da estrada], segue tendo visibilidade e não ultrapassa todos os demais direitos.”
“Qual é o limite entre o direito de manifestação e a repressão a organizações que não estão se manifestando? É a prática de crime. Não importa se o movimento é de direita, de esquerda, de centro, liberal, conservador, para usar terminologias antigas. Todos têm direito de se manifestar. Absolutamente todos. São Paulo foi exemplo de tranquilidade e segurança nas grandes manifestações, tanto a favor como contra o impeachment. Então todos têm o direito de se manifestar, sem armas, de forma pacífica e com prévia comunicação às autoridades, à Polícia Rodoviária e à PF. O poder público tem que se prevenir, organizar e garantir que o protesto não fira os demais direitos. Ou seja, nenhum direito é absoluto. Manifestação em estrada que queime pneus, que por tempo não razoável impeça a circulação [de veículos], não é permitido. As pessoas precisam trabalhar, se locomover, o país precisa funcionar. Se a manifestação continuar por uma pista [da estrada], segue tendo visibilidade e não ultrapassa todos os demais direitos.”
É assim que fala um defensor da democracia. A minha paciência com chicaneiros no Ministério da Justiça já havia se esgotado. Não custa lembrar que o antecessor de Moraes na pasta, o senhor Eugênio Aragão, quando indagado sobre a violência dos movimentos de esquerda, saiu-se com uma resposta originalíssima: disse tratar-se apenas de uma das Leis de Newton: como, afirmou ele, havia um golpe em curso no país, então os defensores de Dilma e do PT respondiam com violência proporcional e contrária.
Entenderam a diferença entre um homem de estado e um estado ocupado por homens a serviço de ideologia?
Finalmente
A Folha indagou Moraes também sobre a momentosa questão das mulheres no ministério e da “visibilidade” que teriam certos temas porque sob os cuidados de “ministérios”. Mais uma vez, uma resposta que distingue o fato da demagogia: “Em 13 anos do governo anterior, tivemos essa Secretaria [de Política para as Mulheres] com status de ministério e o aumento da violência contra a mulher, no caso dos homicídios. E nenhum plano em relação a isso”.
A Folha indagou Moraes também sobre a momentosa questão das mulheres no ministério e da “visibilidade” que teriam certos temas porque sob os cuidados de “ministérios”. Mais uma vez, uma resposta que distingue o fato da demagogia: “Em 13 anos do governo anterior, tivemos essa Secretaria [de Política para as Mulheres] com status de ministério e o aumento da violência contra a mulher, no caso dos homicídios. E nenhum plano em relação a isso”.
Entenderam?
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