STF
Edson Fachin24 de agosto de 2020 | 06:45
Fachin se equilibra entre defesa da Lava Jato e acenos à esquerda
BRASIL
Empossado com a pecha de petista, em cinco anos no STF (Supremo Tribunal Federal) o ministro Edson Fachin se tornou relator da Lava Jato na corte e algoz do ex-presidente Lula em diversos julgamentos criminais.
O magistrado, no entanto, tem tentado cumprir a difícil missão de conciliar a defesa da operação com acenos ao campo político progressista, no qual militou até chegar ao tribunal.
Nos últimos meses, após impor vários reveses ao PT em processos da Lava Jato, Fachin encampou propostas e fez declarações em direção à esquerda, que comemorou a posição do ministro, mas cobrou coerência.
No TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Fachin liderou uma ofensiva contra a influência das religiões no processo eleitoral e causou uma reação dura da bancada evangélica do Congresso, próxima do presidente Jair Bolsonaro.
O magistrado acabou vencido e, por 6 a 1, a corte eleitoral negou a ideia dele de criar a figura do abuso de poder religioso.
No Supremo, o ministro deu uma decisão liminar (provisória) em ação do PSB para suspender operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante o período de calamidade decretado em razão da pandemia do novo coronavírus.
Depois, ao analisar o caso de forma mais ampla, Fachin deu o voto vencedor para impor uma série de restrições às forças de segurança do Rio, o que foi elogiado por entidades de direitos humanos.
A atuação do ministro nos dois temas causou revolta na base aliada do presidente. O ideólogo de Bolsonaro, Olavo de Carvalho, afirmou nas redes sociais que Fachin “está iniciando uma brutal campanha anticristã”, e o texto foi curtido pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
O que mais irritou os aliados do governo, porém, foi a afirmação de Fachin, sem citar o chefe do Executivo, sobre uma “escalada autoritária” no país após 2018.
O ministro disse, na segunda-feira passada (17), que o Brasil vive uma “recessão democrática” e que o futuro está “sendo contaminado pelo despotismo”.
O ministro também afirmou que a candidatura de Lula à Presidência da República no último pleito não deveria ter sido vetada pelo TSE porque teria feito “bem à democracia” e fortalecido o “império da lei”.
À época, a candidatura de Lula foi barrada pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa —o petista já havia sido condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Lula nega os crimes e diz ser perseguido politicamente.
Fachin foi o único a votar a favor do registro da candidatura.
As declarações levaram o ministro a ser criticado pelos dois lados do espectro político. Aliada de primeira hora de Bolsonaro, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) atacou o ministro nas redes sociais e disse que ele “torce” por Lula e que acusou o governo de “assemelhar-se ao fascismo”.
A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), por sua vez, questionou o magistrado: “Que tal enfrentar o erro julgando a suspeição de Moro, para resgatar a credibilidade do Judiciário?”.
A provocação da parlamentar, no entanto, não deve surtir efeito. O ministro já votou a favor da atuação do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro e afirmou que ele não agiu com parcialidade nem perseguiu Lula politicamente –Cármen Lúcia também votou nesse sentido.
Esse julgamento da 2ª Turma do STF começou em dezembro de 2018 e foi interrompido por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Além dele, faltam os votos de Gilmar, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
O último se aposenta em novembro e pode não participar do julgamento, uma vez que a análise do caso só acontecerá quando Gilmar liberar o voto-vista, o que não tem data marcada ainda.
Em reservado, colegas de Fachin consideram impossível haver uma mudança dele sobre o tema. Isso porque, apesar das sinalizações à esquerda, o ministro é um dos principais fiadores da Lava Jato na corte e referenda praticamente todas as decisões de primeira instância da operação.
Prova disso foi o julgamento de 4 de agosto em que a 2ª Turma do STF proibiu o uso da delação do ex-ministro Antonio Palocci na ação penal que investiga se o ex-presidente recebeu um terreno da Odebrecht para construção do Instituto Lula como forma de propina.
No caso, Fachin ficou vencido ao afirmar que Moro não agiu politicamente ao incluir a colaboração premiada de Palocci no processo, a seis dias das eleições de 2018.
Lewandowski e Gilmar, porém, fizeram duras críticas ao ex-magistrado, votaram no sentido oposto e garantiram uma vitória a Lula no STF.
Isso também ocorreu, na mesma sessão, na decisão em que a 2ª Turma mandou voltar uma etapa a ação em que o petista é investigado porque teria recebido vantagens ilegais de empreiteiras na forma de reformas no sítio de Atibaia.
No julgamento do plenário do STF de 2018 que negou habeas corpus a Lula e discutiu a execução de pena em segunda instância, o placar foi 6 a 5, e Fachin também estava no lado que derrotou o petista.
Fachin foi coerente no posicionamento jurídico, uma vez que sempre defendeu o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado do processo.
Outro fato que deixou clara a sustentação que o ministro dá à Lava Jato ocorreu no começo de agosto, quando, no retorno do recesso, ele revogou a decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de determinar o compartilhamento de todos os dados da operação com a PGR (Procuradoria-Geral da República).
A expectativa no tribunal, inclusive, é que a troca de Toffoli pelo ministro Luiz Fux no comando do Supremo evite novas derrotas à Lava Jato na corte.
No campo político, porém, o voto contrastou com o advogado Fachin, que, em 2010, foi o porta-voz da categoria no lançamento de manifesto de juristas a favor de Dilma Rousseff (PT), então candidata à sucessão de Lula.
Esse episódio, aliás, dificultou a indicação do ministro para o Supremo.
Ele foi a escolha petista que mais enfrentou resistência no Senado, tanto pelo histórico próximo ao PT quanto pelo fato de ter sido indicado no período em que o partido já estava enfraquecido.
A sabatina dele no parlamento foi considerada uma das mais duras da história e demorou 12 horas. Ao final, porém, ele foi aprovado no plenário do Senado por 52 a 27.
Com a imagem desgastada pela ligação partidária, Fachin viu na Lava Jato uma chance de ganhar autonomia jurídica e poder dentro do Supremo. Após a morte de Teori Zavascki, o ministro pediu para trocar a 1ª pela 2ª Turma do Supremo para participar do sorteio que escolheria o novo relator da operação na corte.
Ele foi sorteado e, desde o início de 2017, é o responsável pelo caso no tribunal. À Folha o ministro afirma que todas as decisões têm coerência com a atuação desde que chegou na corte, em 15 de junho de 2015.
“Como juiz constitucional busco na Constituição a possibilidade de construir respostas sempre em seus limites. A Constituição é um organismo vivo, e por isso mesmo desafia a interpretação”, diz.
O ministro destaca que, no STF, segue as balizas em busca de uma “sociedade livre, justa e solidária, como traçada em 1988”.
“Aspiro, por conseguinte, declarar, por meio de função como magistrado, o respeito dos direitos fundamentais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e diante da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, assegurar, no limite da interpretação constitucional e no respeito aos demais Poderes, a existência digna conforme os ditames da justiça social”, diz.
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