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Germán Efromovich25 de agosto de 2020 | 06:50
Preso, sócio da Avianca defende Lava Jato, mas diz que obras apodrecem no país por efeito da força-tarefa
BRASIL
Pode soar inusitado, mas um dos únicos presos pela Lava Jato neste ano diz ser um “ferrenho defensor” da operação.
Conhecido por ser um dos donos da companhia aérea Avianca e pela atuação no setor de petróleo, o empresário Germán Efromovich, 70, disse em entrevista à Folha que já imaginava que existia na petrolífera um esquema de cartel de grandes empreiteiras com elos políticos, como revelado na investigação em Curitiba.
Preso na semana passada sob suspeita de pagar propina na Transpetro (subsidiária da Petrobras), ele afirma que era preterido em projetos por não fazer parte desse grupo de empresas. “O Brasil deu ao mundo uma demonstração de mudança e de seriedade”, diz ele, que critica, porém, “métodos utilizados”.
O empresário recebeu a reportagem no último sábado (22) em seu apartamento em São Paulo, de onde não pode sair por ordem da juíza Gabriela Hardt, da Lava Jato de Curitiba. O decreto da magistrada é de prisão preventiva, mas, por causa da pandemia, foi convertido em prisão domiciliar.
O efeito colateral da operação na Petrobras, afirma ele, é o de que projetos estão estagnados e “apodrecendo” por medo de gestores de haver suspeitas de atuação a favor de empresários e empreiteiros.
Os investigadores da Lava Jato suspeitam que o empresário, nascido na Bolívia e naturalizado brasileiro, pagou propina para o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado em troca de favorecimento em projetos de construção de navios.
A equipe da investigação cita dois negócios de filhos de Machado com o empresário —um investimento em uma empresa no Equador e um empréstimo negociado fora do país— que consideram simulação de um acerto ilícito. Houve buscas em seus endereços e o irmão, José Efromovich, também está detido dessa maneira.
O empresário diz que a ideia desses investimentos começou justamente quando se negou a pagar propina a Machado. “Eu disse: ‘Trabalhe como eu trabalho e ganhe o seu. Até eu tenho negócios para te oferecer'”.
Mas nega de maneira veemente que isso tenha sido uma simulação de pagamento ilícito e diz que juíza vai rever o caso quando apresentar sua defesa.
O ex-presidente da Transpetro, também ex-senador, firmou acordo de colaboração em 2016. À época, Machado ficou conhecido pelo diálogo no qual o então senador Romero Jucá (MDB-RR) falava em um acordo para “estancar a sangria” da operação.
O sr. nega que tenha pagado propina a Sérgio Machado, como diz o Ministério Público, e afirma que apenas tinha negócios com filhos dele. Não é inadequado fazer parcerias com filhos de um agente público, um gestor de uma importante estatal? Ele [Machado] diz ao Ministério Público que eu me neguei a pagar propina. Nomeia todas as empresas que participaram do ‘propinoduto’, mas não Germán Efromovich. Tá lá escrito, não é opinião minha.
Eu não fiz ‘parceria’ com filhos dele. Eu disse a ele que não entro nesse tipo de negócios [suborno]. “Se o sr. quiser, trabalhe como eu trabalho, consiga ganhar com o suor”. Passou um tempo e ele me apresenta um dos filhos dele, como sendo um empreendedor, com um fundo em Londres. O outro eu já conhecia por ser um proeminente executivo do [banco] Credite Suisse.
Nós estávamos na pior crise, de 2008. Eu precisava cumprir obrigações, [procurava] investidores. Era uma coisa totalmente independente da Transpetro. Eu fui para um empreendedor e falei: ‘Se pode investir, vamos lá’.
O sr. fez um negócio e não pensou que poderia ser interpretado a um benefício a um agente público? Eu não pensei e não me interessam as interpretações. Valem os fatos. Eu estava fazendo um negócio totalmente normal. Era um sistema de investimento com opção de compra, fiz várias operações com outros fundos e em estrutura similar.
Se tem um fundo independente querendo fazer uma operação lícita, por que seria imprudente? Não fiz um negócio que dependia da Transpetro. Fiz um negócio em Londres, com um fundo lícito, legal, que se propôs a investir.
O Ministério Público também afirma que houve um empréstimo, um segundo negócio. Sérgio Machado filho era um executivo do Credit Suisse e fomos pedir se havia condições de fazer um empréstimo para cumprir compromissos em campos [de petróleo] no Nordeste.
Ele disse que tinha negócios particulares e que podia emprestar o dinheiro para a gente. Tínhamos empréstimos aqui amarrados com a receita [dos negócios]. Quando cai o preço do petróleo pela metade, não tínhamos como pagar.
Estávamos procurando financiamento. Era um senhor negócio para a gente. Para cobrir [o risco], se não pagar, havia multa. Devolvemos o dinheiro. Era o Sérgio Machado filho, credor, negociando com um devedor. Não negociei com o pai [Machado]. A relação com o pai era muito restrita profissionalmente com a história da Transpetro.
O sr. e o seu irmão tiveram R$ 651 milhões bloqueados por supostos prejuízos que a Transpetro teve na entrega de navios pela sua empresa. Como viu a medida? Parece até piada. Não temos esse patrimônio. O que estão fazendo com isso é bloquear as companhias, estaleiro, que já estão em recuperação judicial. Não vamos poder pagar salários e vamos quebrar. Mais mil empregos [eliminados]. Estão atribuindo prejuízos que não causamos. Estamos com uma demanda [judicial] contra a Transpetro.
Para mim, tudo isso que estão montando [na operação] é para influenciar no juízo do Rio de Janeiro, que é civil. Quem define se há crédito ou débito entre duas empresas é o juízo civil, não tem nada a ver com corrupção, com Lava Jato.
Por que 3 dos 4 navios [que seriam construídos] não foram entregues pela sua empresa à Transpetro? Participamos de uma concorrência, não foi uma negociação direta, como o Ministério Público foi induzido a fazer crer. Em 2008, o dólar praticamente dobrou e tínhamos que comprar equipamento importado.
[Houve] desequilíbrio econômico financeiro, o que é previsto em lei. Aí eles cancelam o contrato. Dos três navios, eram dois praticamente prontos. Estão lá flutuando, apodrecendo. E ninguém teve coragem naquela companhia de dizer: vamos brigar na Justiça, mas vamos terminar [a construção].
Podiam estar faturando com esses navios. Nenhum gestor daquela empresa teve a responsabilidade de tomar uma decisão porque tinha ‘caça às bruxas’, medo de ser acusado. Falei que era um crime o que estão fazendo.
Com o bloqueio, não vai se pagar salários, credores, vão acabar com as empresas. Brilhante, palmas para o esperto que acha que isso é a solução. Se eles bloquearem tudo isso, acabou. Vai falir.
Como é a caça às bruxas que o sr. mencionou? Quando apareceu a Lava Jato na Petrobras, ninguém tomou mais decisão nenhuma, não é caça às bruxas. Todo mundo diz que prefere se preservar a tomar uma decisão e ser acusado de alguma coisa.
Os projetos estão lá apodrecendo e muitas coisas que poderiam acontecer com maior eficiência não ocorrem. É efeito dessa pressão toda e de todos esses escândalos. Até certo nível é da natureza humana ter medo. Mas quem tem medo não assume a responsabilidade e está fazendo mal ao país.
O Ministério Público e o despacho da juíza dizem que há uma ‘estruturada rede de empresas’ no exterior, e isso foi um motivo para o seu decreto de prisão. O que o sr. acha? Não havia motivo para decreto de prisão preventiva porque era só chamar e a gente poderia esclarecer o óbvio.
As nossas empresas, nossa estrutura, não é segredo, está na declaração de renda. Todas as empresas já existiam. Cada avião que a gente aluga é uma empresa no exterior. São estruturas financeiras que exigem isso, empresas de propósito específico. Não é pecado nem ilegal ter empresa no exterior. Todos os recursos nossos são transparentes. Todos os movimentos são lícitos.
Na época [em que atuava na Petrobras], o sr. se dizia perseguido. O sr. sabia que existiam as irregularidades envolvendo empreiteiras que foram alvos da Lava Jato antes do sr.? Era óbvio que havia alguma coisa ali beneficiando alguém. A gente não estava sendo convidado.
Mas eu não tinha a dimensão. Se eu soubesse, como cidadão teria até a obrigação de denunciar, mas eu não tinha provas. Não deixavam a gente participar. Diziam: a empresa não tem tamanho… Mas construímos as maiores plataformas desse país, antes.Hoje eu sei o que aconteceu, todo mundo envolvido, políticos, presidente da República.
Como a Lava Jato mudou os negócios da Petrobras? O Brasil deu ao mundo uma demonstração de mudança e de seriedade. Sou totalmente a favor da filosofia da Lava Jato. [Mas] os métodos que estão sendo utilizados e os exageros têm que ser revistos. Pode causar um dano maior que é irreparável.
Os documentos [da operação] falam por si só e essa acusação cai por seu próprio peso. Mas quem paga o dano que causaram a mim e a minha família?
O que esperavam encontrar em todo esse show [buscas] que foi feito? A Lava Jato tem que existir. O que eu sou contra são os exageros. Atirar antes de perguntar, não pode.
Eu nunca dei propina, e o próprio Sérgio Machado diz que não dei. O pecado, na cabeça malvada de alguns, é que eu fiz um negócio de financiamento com um fundo inglês.
O sr. foi alvo da Lava Jato em um momento em que a operação está em declínio, com derrotas no Supremo Tribunal Federal. Como o sr. vê? Tem muita gente dizendo para mim que a Lava Jato tinha que mostrar alguma coisa e, como somos ‘café pequeno’, nos escolheu.
Como sou tão ferrenho defensor da Lava Jato, de um Ministério Público forte e independente, quero acreditar que não tenha alguma coisa. Mas tem que haver muito mais critério para fazer as coisas e evitar erros como este.
Falando em aviação, o sr. foi fundador da Avianca Brasil, que teve a falência decretada no mês passado, com dívidas de R$ 2,7 bilhões, incluindo dívidas trabalhistas. Essas pessoas vão receber esses recursos? A empresa quebrou, não foi uma quebra fraudulenta. Não tenho os detalhes porque da Avianca Brasil eu saí faz anos. O que eu sei, falo com meu irmão [José Efromovich].
A Avianca Brasil estava crescendo e precisava receber um empréstimo de US$ 250 milhões para capitalizar. Na última hora, a United decidiu não emprestar. Fomos ver, tinha investido na Azul. Não dava mais tempo de levantar outra fonte de financiamento. Pedimos… eles pediram para os arrendadores tempo para reestruturar a empresa. Entraram na Justiça para retirar aviões.
Obrigaram pedir recuperação judicial. E a Anac tirou slots. Sem avião, sem slots, vai recuperar o quê? Acabaram com a empresa. Foi a empresa que pediu a falência. Quem não recebeu tem a massa falida agora, que vai distribuir o que sobrou para pagar o que der. Não houve fraude. Eu praticamente não sou sócio dessa companhia. Na nossa opinião, foi a Justiça, a Anac e os concorrentes fizeram acabar.
A Avianca Holdings (companhia que usa a marca fora do Brasil) está em recuperação judicial nos Estados Unidos. Como vê o futuro dela? Eu perdi praticamente a empresa [recebeu ordem para sair do conselho de administração por causa de dívida com a United] , então não sei os números e não posso falar por ela. Quem arrumar capital depois da pandemia, vai poder sobreviver. Vão ter que se reinventar todas. O mundo é outro depois da pandemia.
Como é ficar em prisão domiciliar em um período de pandemia? Eu estava em casa por causa da pandemia, de qualquer maneira. A diferença é o psicológico. E algumas restrições que a juíza colocou que eu tenho que seguir. Não posso conversar com meu irmão. Do resto, a vida continua. Não sou gestor das empresas. Faço o meu trabalho, e isso continuo fazendo. Zoom. Vida normal de pandemia.
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