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Jair Bolsonaro19 de agosto de 2020 | 06:57
Críticos de Bolsonaro, evangélicos criam bancada alternativa por candidaturas progressistas
BRASIL
Evangélicos de esquerda se uniram para impulsionar candidaturas progressistas e oferecer uma alternativa àqueles que partilham da mesma fé, mas discordam das bandeiras conservadoras da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, a bancada evangélica.
Lançada no início de julho por oito líderes do meio, a Bancada Evangélica Popular defende políticas públicas contra a desigualdade social e pela paz, a exemplo de Jesus Cristo. A religião, porém, deve ficar de fora dos mandatos, uma vez que o movimento defende o Estado laico, dizem os integrantes.
“Não tem nada a ver com essa ênfase da bancada evangélica de representar a igreja, mas sim de marcar posição, para que todo o Brasil saiba que a igreja evangélica não é esse grupo hegemônico e que nós estamos nessa mesma batalha do povo brasileiro pela democracia e justiça social”, diz o pastor Ariovaldo Ramos, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.
Um dos mentores da iniciativa, o pastor, que é conhecido por ser aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tentou tirar o projeto do papel nas eleições de 2018, mas diz ter sido atropelado pelo pouco tempo. “Quando a gente acordou, a direita já estava com o navio em pleno mar aberto.”
A bancada começou a ganhar forma no início deste ano e desde o lançamento tem somado adesões de pré-candidaturas de diferentes cidades, estados e siglas de esquerda.
São bem-vindos os que se identificam com os princípios do manifesto do movimento, que é crítico a Jair Bolsonaro (sem partido), a quem Ariovaldo define como “neonazista ou pelo menos com inclinações neonazistas”.
Entre os nomes a serem lançados pela bancada para vereador em São Paulo está o da reverenda da Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM) Alexya Salvador, 39. Em janeiro, ela se tornou a primeira transexual na América Latina a ser ordenada clériga e tem outros marcos na trajetória.
Há 11 anos Alexya e o marido foram o terceiro casal LGBT do país a receber em mãos uma certidão de casamento e, em 2015, ela se tornou a primeira trans a adotar uma criança no Brasil, experiência que a motivou a entrar na política.
O filho Gabriel, hoje com 15 anos, tem deficiência intelectual, e a busca por tratamento evidenciou a dificuldade com políticas públicas. Com a adoção das filhas Ana Maria, 13, e Dayse, 9, duas meninas trans, Alexya diz ter sentido que não podia mais esperar para agir. “Eu quero que as minhas filhas cheguem aos 39 anos, porque a média de uma mulher trans no Brasil hoje é de 35 anos e vou fazer 40 neste ano.”
Professora de português na rede pública estadual há 16 anos e formada em teologia, a pastora reconhece ter privilégios, mas estes não impedem as ameaças de morte que recebe semanalmente. “Quando a transfobia chega para matar ela não escolhe se você tem faculdade ou não, se você tem família ou não.”
Em 2018, como candidata a deputada estadual em São Paulo pelo PSOL, ela participou de um ato de igrejas evangélicas, progressistas e tradicionais, contra o então candidato Bolsonaro na avenida Paulista.
“Era a única trans pastora no meio dessas pessoas. Nisso começa uma aliança sobre a necessidade de entender e repensar os posicionamento teológicos acerca da vivência LGBT”, diz.
Apesar de não ter sido eleita, Alexya recebeu mais de 10 mil votos. Neste ano, ela participou das prévias do PSOL para a Prefeitura de São Paulo como vice na chapa da deputada federal Sâmia Bomfim e é pré-candidata a vereadora, sem abrir mão de dizer que é evangélica e decidida a ampliar o discurso a partir de suas vivências.
Foi da pastora da Igreja Presbiteriana da Luz Eliad Dias, 54, que a reverenda recebeu o convite para se somar à bancada. Militante social, feminista e atuante no movimento negro, Eliad diz que escolheu ser pastora para atender às pessoas que a igreja não acolhe, como prostitutas, transexuais, travestis e pessoas em situação de rua.
Filiada ao PT desde a década de 1980, Eliad integra o grupo Evangélicas pela Igualdade de Gênero, que busca combater o machismo e sexismo dentro da igreja. Foi assessora de políticas públicas para LGBTs em Santo André (SP) na gestão do petista Carlos Grana, e neste ano é pré-candidata na chapa coletiva da bancada ao lado do ativista Samuel Oliveira, 23.
“É importante ele ter uma mulher negra caminhando junto para lá na frente não esquecer das coisas que precisam ser vistas e revistas, porque somos a parte mais sofrida socialmente”, diz Eliad.
Assessor parlamentar do deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), que é pré-candidato a prefeito em São Paulo, Samuel vê a parceria com a pastora como uma forma de fortalecer a representatividade do mandato. Ele disputará a eleição pela terceira vez pelo PC do B, encarando o desafio de estar “no meio da linha do tiro”.
“Se as pessoas já têm o ranço de alguém do PT, imagina com alguém que chega ali com a foice e o martelo. Tem o histórico construído no imaginário de que ser comunista é algo horrendo”, diz, acrescentando que a religião é outro fator de preconceito.
“Se você chega numa pessoa mais progressista, ela não quer ouvir um evangélico, porque é sinônimo de toda essa visão horrenda criada por esse setor mais fundamentalista e conservador, que fez parecer que essa é a única forma de ser evangélico.”
Professor da Unicamp e pesquisador do Cebrap, Ronaldo de Almeida afirma que os evangélicos são diversos, mas também hegemonicamente conservadores. Apesar disso, se conseguir ampliar o diálogo, ele diz que a bancada pode ter sucesso nas eleições proporcionais.
“Para virar voto, precisa fazer política. Falar para os não conservadores, mas furar uma parte dos evangélicos tradicionais e ter uma interlocução mais ampla com a sociedade, com questões como pobreza e raça, que não passam pela questão religiosa.”
O antropólogo, que estuda evangélicos há 30 anos e desenvolve uma pesquisa sobre os não conservadores, aponta que mesmo entre eles há uma gradação na aceitação dos temas, maior em relação à questões sociais e raciais e menor em termos de gênero e aborto, todas pautas com apoio da bancada.
“Isso [casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto] sempre estará sob a questão da consciência pessoal, mas o grupo vê tudo como direito humano e vai trabalhar para que as pessoas tenham acesso ao que é de direito”, diz o pastor Ariovaldo.
Em relação à discussão em andamento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre possível punição para abuso de poder religioso, a bancada ainda não tem uma posição firmada, mas o pastor adianta que o grupo concorda com os princípios do debate. “Igreja não é partido, púlpito não é palanque e pastor não é cabo eleitoral.”
Se não houvesse pressão direta de pastores nas eleições de 2018, Ariovaldo diz que haveria mais espaço para os progressistas, que acabaram por se afastar das comunidades.
“O que esses pastores não pensaram é que esse grupo não deixaria de ser evangélico, mas se organizaria de outra maneira e se ergueria para fazer uma oposição consistente”, afirma, colocando a bancada como exemplo disso.
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