Agência Brasil
Tribuna Superior Eleitoral24 de agosto de 2020 | 06:49
Partidos resistem a lançar candidatos negros mesmo após atos antirracismo e pressão do TSE
BRASIL
Os protestos antirracistas que eclodiram nos Estados Unidos após a morte do ex-segurança George Floyd e se espalharam pelo mundo não foram suficientes para fazer os principais partidos brasileiros discutirem de forma relevante a expansão do espaço dos negros na política nacional.
A Folha ouviu dirigentes dos grandes partidos nos últimos dias e constatou haver uma pergunta para a qual, em quase todos os casos, a resposta é o silêncio ou a tergiversação: quais são os principais pré-candidatos negros da legenda às prefeituras de capital ou de grandes cidades?
Por ora, não há nenhum indicativo de que os partidos irão repetir por aqui a decisão do líder nas pesquisas à Presidência da mais poderosa nação do mundo, o democrata Joe Biden, que se viu pressionado a escolher uma senadora negra, Kamala Harris, como sua companheira de chapa.
Principal partido de oposição e que tem um dos núcleos de combate ao racismo mais estruturados, o PT foi o único, entre os grandes, que conseguiu citar concorrentes negros nas capitais, mas apenas em três: Rio de Janeiro (Benedita da Silva), Salvador (Denice Santiago) e Florianópolis (Lino Peres).
O partido foi também um dos poucos a definir uma cota da verba eleitoral para candidatos e candidatas negras. O percentual, porém, de 3%, simboliza o abismo que separa o peso dado aos negros na política com o seu tamanho na população —56% de pretos e pardos, de acordo com o IBGE.
“No PT, perto de 32% das candidaturas são negras. O montante aprovado é muito insuficiente para que a gente atenda todas as candidaturas, é muito ruim, vamos ter de trabalhar com o conceito de prioridade. Mas em 2016 quanto era destinado para as candidaturas negras? Zero”, afirmou Martvs Chagas, secretário de Combate ao Racismo do partido.
Na última quinta-feira (20), o Tribunal Superior Eleitoral caminhou para formar maioria que pode obrigar os partidos a destinar recursos de campanha aos candidatos negros na proporção das candidaturas lançadas em 2016.
Uma fatia de R$ 2 bilhões de recursos públicos do fundo eleitoral será distribuída para a campanha deste ano, mas cabe às cúpulas partidárias definir quem receberá a maior parte do bolo. O julgamento deve ser retomado nesta terça (25).
Eventual decisão do TSE de uma cota racial na eleição pode acabar com situações como a do partido Novo, que, criado em 2015, disputou sua primeira eleição no ano seguinte, 2016.
Lançou, na ocasião, pouquíssimos candidatos aptos para a disputa, 138, de acordo com o TSE. Bem menos ainda pardos e pretos, só 14. Nenhum se elegeu, o que tornou o partido não só o que menos lançou candidatos negros como o que menos os elegeu.
“O Novo escolhe seus candidatos a partir de um processo seletivo técnico onde não são feitas análises referentes a cor da pele, gênero, orientação sexual ou condição social. Também não temos ‘principais pré-candidatos’, já que todos são tratados de forma isonômica e devem construir com independência suas candidaturas, demonstrando capacidade de liderança e empenho”, disse a assessoria do partido, acrescentando que em 2016 o Novo participou de sua primeira eleição, nove meses após obter o registro, tendo eleito apenas quatro vereadores.
“A amostragem é pequena para uma análise conclusiva, se comparada aos 461 mil candidatos a vereador lançados por outros partidos no mesmo ano.”
Embora proporcionalmente não apresente um cenário tão agudo quanto o do Novo, a análise de todas as candidaturas de 2016, ano das últimas eleições municipais, mostra que o número de pretos e pardos foi de 48%. Mas, abertas as urnas, os eleitos não brancos somaram só 41%.
Em geral, partidos pequenos e nanicos se destacaram no número de candidatos negros, como PCB, PC do B, PTC, PMN, PRTB, PMB, PSOL e PSTU. Os grandes, com um volume muito maior de candidatos e de recursos, proporcionalmente lançaram poucos negros.
É o caso do MDB, o penúltimo na lista, só superando o Novo (39% de candidatos pretos e pardos).
“Negro não é prioridade dos partidos, nunca foi e não é hoje”, afirma Nestor Neto, presidente do MDB Afro, e pré-candidato a vereador em Salvador. Ele diz que o MDB Afro solicitou à direção da sigla, em julho, 5% do fundo eleitoral para os negros e pardos. Até hoje não houve resposta.
“O MDB, e esse é um problema dos demais partidos, foi construído e consolidado pela elite branca”, diz, acrescentando que o partido precisa fazer o dever de casa e dar condições mínimas de disputa para os negros.
Como principal pré-candidatura negra a uma prefeitura do país, citou a cidade de Corguinho (MS).
O presidente nacional da sigla, o deputado federal Baleia Rossi (SP), afirmou que o MDB tem uma história de fortalecimento do movimento afro, tendo sido o primeiro a criar um núcleo. Também não soube apontar um pré-candidato negro a prefeitura de capital ou cidade grande. Citou Barrinha (SP), município com pouco mais de 30 mil habitantes.
Para vereador, a maior aposta da sigla é a candidatura à Câmara Municipal de São Paulo da líder da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) Aline Torres.
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