Câmara aprova processo de impeachment contra Dilma Rousseff
Resultado da votação deste domingo indica que a voz das ruas se sobrepôs à tentativa do Planalto de cooptar parlamentares em negociações conduzidas por Lula. Agora, caberá ao Senado definir se a presidente permanece no cargo
Chorando, Araújo proferiu seu voto já em clima de festa no plenário. "Que honra o destino meu reservou: da minha voz sairá o grito de mudança dos brasileiros". Ao terminar seu voto, o tucano saiu carregado pelos colegas de oposição. A Avenida Paulista e a Esplanada dos Ministérios também explodiram em celebrações - ao menos, é claro, o lado do muro reservado aos manifestantes pró-impeachment. Do outro, um misto de tristeza, resignação e um discurso que afirmava que "a luta não terminou". O ânimo dos manifestantes de esquerda, contudo, já parecia ter se esgotado. Nas ruas, cada voto foi acompanhado como uma decisão por pênaltis numa partida de futebol: a tensão era logo substituída pela alegria, ou raiva.
'Não se pode tudo porque foi eleito pelo voto popular', diz relator do impeachment
Quórum na Câmara é alto, má notícia para Dilma
Numa analogia com o processo penal, a Câmara atua como o Ministério Público na tramitação do impeachment: observa se existem indícios de crime e oferece uma denúncia. Cabe ao Senado o papel de julgador. É lá que a denúncia é aceita ou rejeitada numa primeira comissão. Se for aceita em decisão referendada pelo plenário, Dilma tem de se afastar do cargo e o mérito da acusação deve ser avaliado em até 180 dias. Para que perca o mandato em definitivo, é preciso que 54 dos 81 senadores julguem que ela é culpada de crime de responsabilidade - mais uma vez, uma maioria de dois terços. Dilma, obviamente, repetiu reiteradas vezes que não cometeu crime algum. Mas o relatório do deputado Jovair Arantes, defendendo o contrário, é uma peça poderosa. Pedaladas fiscais e outros atentados à ordem orçamentária da República - os crimes de que Dilma é acusada - não representam, nas palavras de Arantes, "atos de menor gravidade ou mero tecnicismo contábil". Eles são, pelo contrário, "gravíssimos e sistemáticos atentados à Constituição Federal, em diversos princípios estruturantes do Estado de Direito, mais precisamente a separação de Poderes, o controle parlamentar das finanças públicas, a responsabilidade e equilíbrio fiscal, o planejamento e a transparência das contas do governo, a boa gestão do dinheiro público e o respeito às leis orçamentárias e à probidade administrativa."
Se a presidente sofrer impeachment por crimes orçamentários, a mensagem será poderosa. A noção de que os governantes não recebem carta branca para realizar seus planos de governo a qualquer custo, quando ganham uma eleição, talvez fique inscrita com fogo na ordem pública brasileira. Mas o fato é que o embasamento jurídico é apenas um requisito do processo de impeachment. Esse processo, na essência, é político. E no campo da política, Dilma se autoinfligiu todos os danos. A corrosão de seu capital começou na campanha de 2014, quando ela mentiu aos eleitores sobre a necessidade de consertos na economia. Seu segundo mandato começou com ajustes de tarifas que ela prometera não fazer e um aumento da inflação que ela jurou que não viria. Mês a mês a economia foi se mostrando mais frágil - e em paralelo caíam os índices de aprovação de Dilma. Somem-se a crise economica e o declinio de seu prestígio à incapacidade da presidente e de seus assessores mais próximos de fazer com habilidade o jogo da articulação política, e estão dadas as condições objetivas para o desastre.
Do outro lado, estava um vice que circula pelo Congresso com particular habilidade. E soube aproveitar a tendência anti-Dilma. Michel Temer adiantou os vetores de seu mandato num áudio espalhado pouco antes da votação pela continuidade do processo na comissão do impeachment, na última segunda-feira. Proposital ou não, o vazamento pode ter detido um ou outro "indeciso", pronto a ser seduzido pelas ofertas de cargos que o governo fazia a granel.
A partir desta segunda-feira, serão 31 dias até que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) agende a data para a resolução do processo que pode encerrar antecipadamente o governo Dilma - e a era dos governos petistas. Em Brasília, existe a máxima de que a Câmara é a voz do povo, pois expressa os votos de todos os rincões. Mas é o Senado da República quem ditará os dias futuros.
Comentários
Postar um comentário