'Estou tendo meus sonhos e direitos torturados', diz Dilma
Presidente fez seu primeiro pronunciamento na tarde desta segunda-feira, após a aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados
Dilma estava abatida, com olhos irritados e avermelhados. Chegou a embargar a voz algumas vezes durante o pronunciamento, mas se segurou para não chorar frente às câmeras. Ela também repetiu ao longo do pronunciamento a frase "saio desse processo". No entanto, indicou de novo que não renunciará ao cargo.
"Eu tenho ânimo, força e coragem suficientes para enfrentar essa injustiça, apesar de muita tristeza. Eu não vou me abater, não vou me deixar paralisar por isso", disse. "Podem ter certeza: eu continuarei lutando e vou enfrentar todo o processo. Vou participar e me defender no Senado e quero dizer aos senhores, ao contrário do que anunciaram, não começou o fim. É o início da luta, longa e demorada. Ela envolve o meu mandato, mas não é por mim, e sim pelos 54 milhões de votos que tive", prosseguiu.
Questionada sobre a hipótese de encurtar o mandato para convocação de eleições gerais, ela respondeu: "Não estou avaliando agora". O tom é diferente do que vinha adotando, quando afirmava que não renunciaria em hipótese alguma. Dilma disse, porém, que "todas as alternativas democráticas e legais são viáveis ", em referência à proposta que circula em setores do PT e no Parlamento, de convocação de eleições gerais antecipadas por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional.
Dilma o governo vai exercer em todas as dimensões e consequências o direito de defesa. A AGU planeja provocar o Supremo para que a corte se manifeste sobre o mérito da acusação de crime de responsabilidade, baseada nas pedaladas fiscais e da edição de decretos não numerados, sem aval do Legislativo.
Temer - Pouco antes do pronunciamento, Dilma recebeu a visita do presidente do Senado, o peemedebista Renan Calheiros (AL), que lhe informou sobre o andamento do processo de afastamento no parlamento. Minutos depois do encontro, Dilma centrou fogo em dois caciques do PMDB, o vice-presidente Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ambos acusados de chefiarem um golpe.
"É extremamente inusitado, estranho, mas sobretudo estarrecedor que um vice-presidente no exercício do seu mandato conspire contra a presidente abertamente. Em nenhuma democracia do mundo uma pessoa que fizesse isso seria respeitada. Porque a sociedade humana não gosta de traidor. Cada um de nós sabe também a dor que se sente quando se vê a traição no ato", disparou.
Dilma também questionou a legitimidade de um eventual governo interino do PMDB, caso o Senado venha a decretar seu afastamento por até seis meses. "Nenhum governo será legítimo sem ser por obra do voto secreto, direto, numa eleição convocada previamente para esse fim, na qual todos os cidadãos brasileiros participam. Não se pode chamar de impeachment o que é uma tentativa de eleição indireta. Essa eleição indireta se dá porque aqueles que querem me suceder no poder não têm votos."
Ela repetiu a tese de defesa da Advocacia-Geral da União (AGU), já desconsiderada pelo Supremo Tribunal Federal, de que Cunha agiu em vingança ao aceitar a denúncia do impeachment porque o governo não aceitou negociar os votos do PT no processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara. "O rosto estampado na imagem transmitida para o mundo é o rosto do desvio de poder, do abuso de poder, do descompromisso com as instituições e com as práticas éticas e morais", declarou a presidente. "Não há contra mim nenhuma acusação de desvio de dinheiro, nem de enriquecimento ilícito, eu não fui acusada de ter contas no exterior. Eu me sinto injustiçada porque aqueles que praticaram atos ilícitos e têm contas no exterior presidem a sessão que trata de uma questão tão grave quanto o impedimento da presidente da República."
Dilma afirmou que não se beneficiou pessoalmente de nenhum ato que motivou a aceitação da denúncia por crime de responsabilidade. "Saio com a consciência tranquila de que não os fiz ilegalmente. Os atos se baseiam em pareceres técnicos".
A presidente afirmou que assistiu a todas as intervenções dos deputados na Câmara durante a discussão e que não viu nenhum debate sobre as pedaladas fiscais e os decretos de crédito suplementar. Ela disse que os presidentes antecessores não foram punidos por atos semelhantes. "A mim se reserva um tratamento que não se reservou a ninguém."
Reforma - A presidente disse que não pretende fazer mudanças em ministérios, mas lembrou que os ministros que votaram a favor do impeachment, como Mauro Lopes (PMDB-MG), não fazem mais parte do governo porque "não tem mais justificativa política e ética". Neste domingo, tanto Lopes quando o ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-PI, também deputado federal, disseram que já abriram mão dos cargos no governo. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), também não voltará, porque seu partido decidiu encaminhar voto favorável ao impeachment.
Dilma disse que as tratativas com os senadores, para tentar impedir seu afastamento provisório, serão diferentes das feitas com deputados. O Planalto ficou ressentido com as traições no plenário de deputados que haviam negociado cargos. A presidente afirmou que espera que o ex-presidente Lula, responsável por grande parte dos acordos, assuma a Casa Civil nesta semana.
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