Ex-conselheiros fazem chamado à "reinvenção" da Petrobras
Em artigo nesta sexta-feira, Mauro Rodrigues da Cunha e José Guimarães Monforte, ex-representantes do acionistas minoritários, fazem um síntese precisa dos problemas e desafios da companhia e alertam para a necessidade de "repensar a Petrobras de maneira radical"
De maneira didática, a dupla identifica quatro frentes de degradação da companhia: 1) a "pseudopolítica de preços suicida, que logrou ao mesmo tempo fragilizar a companhia, inviabilizar o modelo competitivo preceituado pela Lei do Petróleo e pela Lei do Cade e paralisar a indústria do etanol"; 2) o "plano de investimentos megalomaníaco, onde os números eram recorrentemente torturados para justificar o injustificável"; 3) a "estrutura ideológica de protecionismo", que criou um 'mercado' onde "o único comprador precisava comprar muito, e era limitado a um universo restrito de fornecedores"; 4) e o aparelhamento, com consequente desprestígio de um excelente quadro técnico, que resultou na saída de bons profissionais. Embora atravesse todas as quatro frentes, a corrupção não é tratada como fonte principal da ruína da empresa. "Ela é, ao mesmo tempo, causa e consequência", escrevem.
Cunha e Monforte lembram que, embora a situação da companhia pareça hoje dramática, a tragédia começou a ser gestada há mais de dez anos. "O balanço e o plano de negócios da Petrobras já eram inviáveis com o petróleo a US$ 70, mas esses fatos poderiam ser disfarçados por muito tempo, principalmente considerando-se a complacência do mercado, que financiou tudo isso por tanto tempo", escrevem. Por isso, argumentam, deve-se comemorar o tombo das cotações. "O petróleo a US$ 30 atua como um 'wake up call'."
E, no entanto, não parece que a atual administração da empresa tenha acordado. "Em que pesem os novos planos anunciados, não se consegue responder à principal pergunta: afinal, para onde vai a Petrobras?", explicam. O quadro que os ex-conselheiros desenham é desolador: "Temos uma companhia sem direção, com um corpo técnico machucado, ameaçado pela reestruturação e liderado por uma diretoria indicada em grande parte pela administração anterior, e de forma interina. Não há qualquer garantia que seus membros - para não falar todas as áreas da companhia - compartilhem algo próximo de uma visão sobre o futuro da Petrobras."
Profundos conhecedores da companhia, Cunha e Monforte fazem duras críticas ao programa de venda de ativos, que "pode representar a perda de uma oportunidade de ouro de reestruturação setorial". Eles citam como exemplo o caso da alienação de participações em distribuidoras de gás e alertam: "Provavelmente estamos falando do maior programa de privatização da história, sendo executado de forma independente por uma companhia sem os processos, transparência e controle que, por exemplo, marcaram a venda de ativos públicos no passado."
Hora da verdade - Cunha e Monforte pertenceram ao conselho de administração da Petrobras como representantes dos acionistas minoritários, nas vagas destinadas respectivamente a detentores de ações ordinárias (com direito a voto) e preferenciais (sem direito a voto). Sabem, portanto, do que falam. Ambos deixaram o colegiado no primeiro semestre de 2015, pouco após a chegada de Aldemir Bendine à presidência da estatal, no lugar de Graça Foster. De saída, Cunha apontou em carta sua "frustração pessoal com a incapacidade do acionista controlador (a União) em agir com o devido grau de urgência para a reversão dos inúmeros problemas que trouxeram a Petrobras a sua atual situação".
Intitulado "A hora da verdade - reinventar a Petrobras", o artigo publicado nesta sexta-feira renova as críticas e propõe que a empresa seja repensada sob três aspectos, que se traduzem em três perguntas: "gerencial (qual tamanho de empresa pode ser administrado racionalmente?), estratégico (quais são as sinergias efetivamente valiosas a se manter integradas?) e de interesse nacional (queremos depender tanto de uma só empresa?)."
Após condenar o gigantismo inadministrável da estatal, os ex-conselheiros defendem que ela seja dividida em várias empresas, conforme a lógica de cada segmento - o setor de refino, por exemplo, pressupõe muitos competidores, ou não se cumpre o objetivo previsto na Lei do Petróleo de promover a livre concorrência. Feita a divisão, a dupla pondera, "a decisão sobre a manutenção do controle estatal de cada uma das empresas seria uma discussão em separado, que a sociedade precisaria enfrentar". "O desenho teria a vantagem de otimizar a gestão de um dos setores mais relevantes da nossa economia, trazendo transparência e produtividade. Em outras palavras, gerando valor, que é a única forma de se pagar a monumental dívida que foi imposta pelo governo à Petrobras."
O artigo termina esperançoso de que mudanças para valer possam de fato resgatar a companhia. "E o Brasil, finalmente, deixaria de ser refém de uma única empresa que, como vimos, pode cair nas garras de agentes nem um pouco alinhados com o interesse público que levou à sua criação em 1953."
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