Pular para o conteúdo principal
Folhapress
Gianpaolo Smanio

Promotores criam manual para evitar punição com nova lei de abuso de autoridade

BRASIL
No dia 2 de novembro, membros do Ministério Público do Estado de São Paulo se reuniram para debater a nova lei de abuso de autoridade e construir um protocolo de orientações para que os promotores evitem ser alvos de denúncias baseadas na nova legislação que entra em vigor em 3 de janeiro de 2020.
O grupo de trabalho foi criado pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Smanio. Após análise e discussões, publicou-se um documento com 29 enunciados para servir de alerta aos promotores paulistas —esses foram os primeiros a desenvolver um manual para evitar punições baseadas na nova lei.
Aprovada pelo Congresso em setembro, a nova lei contra abuso de autoridade tramitou com rapidez após a divulgação, a partir de junho, de conversas por mensagem entre integrantes da Lava Jato.
A troca de mensagens indicava, entre outras coisas, que o então juiz do caso, Sergio Moro, orientou a Procuradoria a juntar documentos e indicou provas contra réus, além de determinar a ordem das fases da investigação. A eventual parcialidade de Moro está em análise no STF (Supremo Tribunal Federal).
A aprovação da lei e a derrubada de vetos do presidente Jair Bolsonaro que aliviava a norma foram vistas como um recado para a Lava Jato.
Houve protestos de associações de magistrados, policiais e membros do Ministério Público, que ajuizaram ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo. Os casos estão agora com o relator, ministro Celso de Mello.
Os promotores paulistas, porém, resolveram não esperar o julgamento das ações. O protocolo de conduta traz alertas sobre as implicações da nova lei, que torna crime atos de abusos, com artigos prevendo punições de até quatro anos de prisão.
“A nova lei de abuso de autoridade traz novidades, como a criminalização da ‘carteirada’. Por isso resolvemos colocar no protocolo de conduta”, diz Rogério Sanches Cunha, promotor e professor da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e um dos autores do documento.
Carteirada é quando um agente público usa do cargo para obter uma facilidade ou benefício, por exemplo.
Como alguns artigos da nova lei são vagos, o documento dos promotores paulistas traça parâmetros a serem seguidos. No artigo 18, diz que é crime “submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações”.
O protocolo publicado para a categoria define por repouso noturno o período das 21h às 5h, usando como parâmetro o artigo 22 da mesma lei de abuso que define aquele horário para o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar.
No protocolo dos promotores paulistas há também um item que incentiva um contra-ataque dos procuradores que forem representados com base na nova lei.
Diz que representações indevidas por abuso de autoridade podem caracterizar crime de denunciação caluniosa, dano civil indenizável e, caso o reclamante seja agente público, infração disciplinar ou político-administrativa.
Outros Ministérios Públicos também fizeram seus apanhados de orientações. Os promotores do Ceará publicaram um documento no qual analisam ponto a ponto cada um dos artigos da nova lei.
“O objetivo foi analisar cada artigo da nova lei, identificar seus pontos mais relevantes e se há necessidade de algum tipo de regulamentação administrativa por parte do MP-CE para seu pleno cumprimento”, diz o documento.
O protocolo do Ministério Público cearense, por exemplo, indicou uma conduta em relação ao artigo 16 da nova lei, que diz que é crime “deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso por ocasião de sua captura ou quando deva fazê-lo durante sua detenção ou prisão”.
A carta orienta os promotores. “Entendeu-se que os membros do MP-CE devem adotar como procedimento padrão identificar-se expressamente ao interrogando nos procedimentos de investigação criminal, devendo preferencialmente registrar tal fato no início de interrogatório gravado em vídeo”, diz, para evitar punições. A pena para quem viola este artigo chega a dois anos de prisão.
Outros estados, mesmo que não publiquem seus manuais de orientação de conduta, terão parâmetros a adotar em outros dois protocolos.
O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos estados e da União (CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) divulgaram documento com 30 enunciados, que podem ser seguidos pelos promotores de outros estados.
O Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção à Moralidade Administrativa, conhecida pela sigla Caopam, também publicou publicou 21 orientações, também que podem ser seguidas por promotores de todo o país.
Não há no Ministério Público Federal, por enquanto, uma iniciativa como a dos colegas dos Ministérios Públicos estaduais. Os procuradores ainda esperam pelo julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade que tramitam no Supremo Tribunal Federal.
As representações contra agentes públicos com base no abuso de autoridade tramitarão nas corregedorias dos Ministérios Públicos locais. Todas essas ações contra qualquer agente público são encaminhadas ao Ministério Público que será o responsável pela futura ação.
Se o denunciado for um promotor ou procurador, ainda assim quem terá que analisar a representação e decidir se denuncia ou arquiva será um colega de Ministério Público. Mas se passados seis meses e não houver decisão sobre a ação, a vítima do abuso pode propor uma ação privada, ou seja, proposta por um advogado.
O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Fábio George Cruz da Nóbrega, considera que o efeito prático da nova lei não será a punição de procuradores e promotores, mas pode inibir a atuação deles, que teriam que usar o tempo para se defender de representações.
“Existe a possibilidade de uma quantidade enorme de representações de advogados contra membros do Ministério Público. E é claro que isso atrapalha o funcionamento dessas instituições e particularmente quando se atua contra a criminalidade organizada, contra o crime financeiro, do colarinho branco, a corrupção”, diz Nóbrega.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular