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AGU insiste em participar dos acordos de leniência fechados pelo Ministério Público Federal

AGU insiste em participar dos acordos de leniência fechados pelo Ministério Público Federal


Em entrevista a ÉPOCA, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, defende que haja aproximação entre as duas instituições para evitar prejuízo ao Estado brasileiro

PATRIK CAMPOREZ
19/09/2017 - 17h27 - Atualizado 19/09/2017 19h18


A advogada-geral da União, Grace Mendonça (Foto: Beto Barata/PR)
A advogada-geral da União, Grace Mendonça, tem saído em defesa do “aprimoramento” dos acordos de leniência firmados no âmbito do Ministério Público Federal. Em entrevista a ÉPOCA, a ministra afirma que só há política de Estado segura, “do ponto de vista jurídico, se as instituições se comunicarem”. A entrevista foi concedida na quinta-feira (14), às vésperas da mudança de comando no Ministério Público Federal (MPF) e no dia em que a ministra completou um ano à frente da AGU. Grace fala de sua relação com o presidente Michel Temer e das frentes de atuação da Advocacia na defesa das agendas de reforma e concessões do governo. Ela também diz acreditar que a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tornará possível o estreitamento da relação entre MPF e AGU  no que tange aos acordos de leniência. Confira.
ÉPOCA – A AGU não tem participado dos acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal.  Por que a senhora quer que isso mude?
Grace Mendonça – Os acordos de leniência são uma política de Estado. Se é política de Estado, é imprescindível, para que ela se viabilize, que as instituições dialoguem e desenvolvam um trabalho mais próximo. Essa vem sendo nossa fala constante ao longo de todo esse período [primeiro ano de sua gestão], porque a perspectiva do trabalho isolado não traz a segurança jurídica necessária para as políticas de leniência. Só há uma política de Estado segura, do ponto de vista jurídico, que é com as instituições se comunicando. Obviamente com cada qual respeitando seu espaço de atuação. O diálogo não quer dizer uma instituição avançando na atribuição da outra. De forma alguma. O que se propõe, para que se tenha, ao final, um acordo que retrate de fato o modelo e o resultado esperado pelo Estado, é que se tenha esse diálogo de cada instituição à luz das atribuições de cada uma.
ÉPOCAA AGU acredita que, ao fechar os acordos de leniência, cada instituição tem objetivos distintos.
Grace –  É isso. À luz do Ministério Público Federal, será de fundamental importância a obtenção de informações, porque o MPF trabalha numa perspectiva criminal própria da colaboração premiada. Mas se, após o trabalho desenvolvido na colaboração premiada, o trabalho avança para o acordo de leniência, na questão do trato adequado em relação à empresa, esse momento já passa a interessar ao Ministério da Transparência e à AGU. Porque a lei atribui ao Ministério da Transparência a competência para a celebração do acordo de leniência e também atribui à AGU a competência para representar os interesses da União. Então, a AGU, enquanto órgão de representação da União, também passa a se interessar pelos termos e pelas premissas que estão sendo trabalhados pelo Ministério Público. Daí a importância desse trabalho mais articulado entre as instituições. Então, não tenha dúvida: a segurança jurídica é fundamental numa política dessa natureza. É imprescindível que tenhamos também uma aproximação maior com a perspectiva que vem sendo trabalhada pelo MPF e um diálogo mais aprimorado entre nós. Para a AGU, quando se trata de acordo de leniência, o fundamental é que se resguarde o ressarcimento integral do prejuízo que foi causado aos cofres públicos. Então, ainda que o montante maior do pagamento seja parcelado, esse parcelamento não prejudica a essência. O dano causado deve ser integralmente reparado.
ÉPOCA – Se a AGU não é chamada para discutir o acordo de leniência em sua fase inicial, a Advocacia pode ter de, posteriormente, fazer um novo pedido de ressarcimento aos cofres públicos.
Grace – Exatamente. É esse o ponto. Por isso a importância desse diálogo já no momento antecedente. Porque, se o MP fecha o acordo e nós não conhecemos quais foram as bases para esse acordo, se não sabemos que tipo de modelo foi adotado nem se se preocupou com o ressarcimento integral ao Erário, se esses pontos não tiverem clareza para nós, o fato certo é que nós, de alguma forma, vamos ter de desenvolver algum tipo de questionamento, ainda que seja judicial.

ÉPOCA – A senhora quer dizer que todos os acordos fechados pela Procuradoria-Geral da República, sem a participação da AGU, podem ser questionados?
Grace – Sim, é possível do ponto de vista da nossa missão instituição institucional. É missão da AGU zelar pelos cofres públicos federais. Os cofres públicos da União contam com uma instituição vocacionada a fazer essa defesa. É nosso papel, que é irrenunciável. Se estivermos diante de uma situação concreta de que, ainda que tivermos um acordo de leniência celebrado pelo MPF, os cofres da União permanecem lesados, temos o dever de ofício de buscar a reparação dos prejuízos causados.
ÉPOCA – Foi o que aconteceu no caso da Odebrecht.
Grace – Sim, foi o que vislumbramos no caso da Odebrecht. O MPF celebrou o acordo sem nossa participação. Então, nós ajuizamos nossa ação e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu, recentemente, que, para que o acordo de leniência esteja respaldado, é de fundamental importância também que a AGU e o Ministério da Transparência tenham seus espaços institucionais respeitados. É claro que vamos observar a viabilidade econômica da empresa. Não queremos fechar as portas das empresas. De forma alguma. Queremos que  ela se mantenha firme, porém que ela repare todo o prejuízo causado por todas as condutas irregulares. Porque esses recursos são da população. São recursos do povo, que precisam ser revertidos a toda a população através de políticas desenvolvidas pelo Estado brasileiro.

ÉPOCA – Mais recentemente, a AGU tem se manifestado em relação ao acordo firmado com a JBS, que também parece seguir nessa linha.
Grace –  Correto. Todo o trabalho em relação à JBS vem sendo feito no sentido de avaliar a intensidade desse prejuízo, em termos de valores, provocada por esses desvios que macularam os cofres públicos. Se teve propina, qual foi o valor dela? Em que essa propina se reverteu em benefícios para a empresa? Não é um trabalho simples. Existe uma equipe concentrada nessa análise para dar o passo seguinte. Nosso esforço agora é avaliar toda a extensão do prejuízo causado ao Erário. Se foi através dos contratos firmados com o BNDES ou se foi prejuízo causado ao mercado, por meio de uma manipulação de regras para fins de benefício direto.
ÉPOCA – E já tem um valor fechado, desse prejuízo, no caso da JBS?
Grace – Ainda não. É um trabalho que ainda está sendo realizado.
ÉPOCA – Mas é possível que seja um valor superior ao acordado na leniência fechada com o MPF (de R$ 10,3 bilhões)?
Grace – Sim, é possível. Na prática, as ações a serem ajuizadas pela AGU em face da JBS retratam, hoje, talvez a maior ação de ressarcimento movida pela AGU nestes últimos tempos.
ÉPOCA – A senhora espera que a nova gestão da procuradora-geral da República resulte em mudança de postura com relação às leniências?
Grace – Acredito que a nova procuradora-geral terá toda a tranquilidade de contar com uma AGU disposta a dialogar, a aprimorar a política de leniência. Tenho certeza que é de interesse da procuradora-geral da República, também, aprimorar para que os acordos sejam realizados com segurança jurídica. Até porque trabalhamos em função do mesmo interesse, que é o interesse público. A postura e a forma com que ela [Raquel Dodge] vem se manifestando, em relação aos acordos de leniência, caminham no mesmo sentido que acreditamos. No sentido do diálogo. Tenho a expectativa de que, nessa gestão da nova procuradora da PGR, nós vamos conseguir avançar em relação à política de leniência.
ÉPOCA – É possível que uma instituição procure a outra?
Grace – Sem nenhuma dificuldade.
ÉPOCA – A senhora assumiu a AGU há um ano, com o país vivendo tempos turbulentos nos campos polÍtico e econômico. A turbulência não passou. Como está sendo esse período?
Grace – Veio com uma responsabilidade diferenciada, em função, especialmente, do momento econômico do país. É a realidade das reformas que, necessariamente, já vinham sendo planejadas e implementadas. Então, é uma responsabilidade muito grande trazer a segurança jurídica, imprescindível para que todas essas reformas pudessem ser viabilizadas, da perspectiva de uma atuação preventiva eficiente. Um papel de consultoria e assessoramento  jurídico, no sentido de minimizar pontos que pudessem vir a ser objetos de questionamentos judiciais. Então tivemos um olhar totalmente diferenciado para essa advocacia preventiva, mas também um aprimoramento contínuo no âmbito do contencioso. Na medida em que todas essas medidas são questionadas, vem a opção por fazer valer as escolhas do gestor, no caso do Estado. Nesse contexto de reformas, assumir um cargo dessa natureza é algo que exige muita responsabilidade e a certeza de que os desafios seriam intensos.
ÉPOCA – Como a AGU  tem colaborado para o processo de recuperação fiscal do país?
Grace – Sem sombra de dúvidas tem colaborado. É nessa frente de atuação que a AGU entra com o desenvolvimento, entra com sua missão de apresentar assessoramento jurídico para todas essas ações relacionadas à área econômica. O esforço da instituição vem nessa linha, de prestar um excelente assessoramento jurídico na formulação da política. Em um ano, conseguimos reaver ou economizar R$ 55 bilhões, sendo R$ 27 bilhões nos seis primeiros meses de gestão. Acabamos de finalizar nossos relatórios e temos esses números. A AGU já moveu ou está movendo 12 ações de leniência, envolvendo algo em torno de R$ 37 bilhões que permeiam toda essa expectativa de retorno para os cofres públicos. Onde tiver constatado prejuízo aos cofres da União, a AGU estará lá para atuar.

ÉPOCA – Com relação aos leilões e ao pacote de concessões anunciados pelo governo, é possível que aconteçam de forma integral?
Grace – Sim. Todo o esforço da instituição, nas diversas Pastas ministeriais, é para trazer essa segurança jurídica na fase preliminar. Então, é um trabalho documental muito atento que antecede todo esse pacote. A AGU acaba desenvolvendo essa linha de trabalho no momento do estabelecimento das regras e dos editais. Agora, a partir do momento em que o pacote vier a ingressar no ordenamento jurídico pátrio, a AGU já tem toda a expertise no sentido de se organizar, em todo o território nacional, para viabilizar a implementação da política. Estamos de plantão 24 horas para agir, por exemplo, no caso de acontecer alguma liminar suspendendo um leilão. É a segurança jurídica dada à escolha feita pelo Estado.
ÉPOCA – No caso específico do último pacote de concessões, que foi aprovado às pressas  num momento de frustração de receitas, é possível que a AGU enfrente maior número de questionamentos judiciais?
Grace – Nós ficamos sempre muito atentos. Não tivemos, neste último pacote, dificuldade de nos organizar. Tanto que, as liminares que enfrentamos, nós conseguimos derrubar.
ÉPOCA – Como tem sido sua relação com o presidente Michel Temer, especialmente neste momento em que ele começa a enfrentar a segunda denúncia na Câmara? 
Grace – O papel do advogado-geral da União é desempenhar sua função jurídica junto ao Executivo, e o chefe do Executivo é o presidente da República. É muito comum, é ordinário e faz parte do dia a dia esse nosso esforço de trazer a segurança jurídica que o presidente precisa para a tomada de suas decisões. Que são decisões de governo. Ou seja, é a própria sociedade e a própria coletividade que estão sendo representadas.
ÉPOCA – O leilão da Cemig está parado por força judicial. Quais são as estratégias da AGU para reverter essa situação? 
Grace – Temos várias frentes caminhando, no sentido de buscar conciliação, que acabaram sendo suspensas por conta de uma ação do TCU. Temos uma ação no STF que discute a mesma questão. Também há uma suspensão no âmbito do STJ  e uma decisão no TRF que suspendeu o leilão das usinas. Estamos atuando, e o cenário jurídico é esse.
ÉPOCA – Há novos acordos de leniência em vista?
Grace – Sim. Temos algumas comissões constituídas. Depois do primeiro acordo, as empresas passaram a nos procurar com mais frequência. São procedimentos que correm sob sigilo. Temos alguns em fase mais avançada, mas o ponto importante é que a política vem caminhando, vem avançando.

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