Pular para o conteúdo principal

EUA devem deixar a Europa liderar diplomacia na crise da Ucrânia

Os EUA devem recuar, a UE deve avançar e a comunidade internacional deve garantir que a Rússia pague um alto preço por suas ações na Crimeia

Opinião: EUA devem sair de cena e deixar a União Europeia lidar com a crise na Ucrânia
Opinião: EUA devem sair de cena e deixar a União Europeia lidar com a crise na Ucrânia (Reuters)
Como a anexação da Crimeia pela Rússia prossegue, os Estados Unidos devem recuar, a União Europeia deve avançar e a comunidade internacional deve garantir que a Rússia pague um alto preço político e econômico por as suas ações, e que os nacionalistas russos e ucranianos não joguem os dois lados em uma espiral mortal de violência.
Saiba mais: Conflito com a Ucrânia pode fazer economia russa encolher em 2014 
Até agora, os líderes ocidentais jogaram suas fichas o melhor que puderam, à exceção dos primeiros passos em falso dados pela chanceler alemã Angela Merkel, que descreveu uma afirmação calculada dos interesses regionais da Rússia como o comportamento de um líder que estava fora da realidade. A escalada da crise pelos EUA nesta fase apenas favoreceria o presidente russo, Vladimir Putin, e exporia o ocidente como um tigre de papel.
Para saber o porquê, é útil recordar uma parte da história. Ao longo do século XX, os EUA intervieram várias vezes para derrubar ou subverter governos latino-americanos de que não gostavam: em Cuba, Nicarágua, República Dominicana, Panamá, Guatemala, Haiti, El Salvador, Chile e Granada, para citar apenas os casos mais importantes. Durante a guerra fria, sucessivos presidentes dos EUA sentiam-se bastante confortáveis em enviar tropas, direta ou indiretamente, para garantir que os governos amigos prevalecessem nas Américas (e além). Agora, lembre-se das respostas do ocidente às incursões soviéticas e russas em países estrategicamente importantes: Hungria em 1956, a Tchecoslováquia em 1968 ou Geórgia em 2008. Em cada uma delas, os EUA recusaram-se a se envolver militarmente com o Estado que possuía o maior número de armas nucleares no mundo.

Narrar esta história não é aprová-la, mas sim tentar compreender como os russos podem interpretar a legitimidade das ações de Putin. Há também a dinâmica política universal pela qual uma ameaça estrangeira ou crise pode fortalecer um líder internamente. Putin está batendo seu recorde de popularidade com sua aventura na Crimeia, como atingiu um alto índice a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher com a guerra das Malvinas, em 1982. Até mesmo os intelectuais de esquerda estão se alinhando para apoiar Putin a proteger os cidadãos de etnia russa do que o Kremlin e sua imprensa aliada apresentam como nacionalismo ucraniano "fascista".
Leia também:
Kiev ordena saída de seus soldados da Crimeia
União Europeia e Ucrânia assinam acordo de associação
Obama: Rússia ameaça vizinhos por fraqueza, não por força

Com este pano de fundo, o secretário de Estado americano, John Kerry, quer deixar claro que a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) não está contemplando qualquer tipo de envolvimento militar. Ele faria ainda melhor se entregasse a responsabilidade de principal negociador e porta-voz da crise para um grupo da União Europeia liderado pela chefe da diplomacia, Catherine Ashton, Merkel, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, e primeiro-ministro polonês, Donald Tusk.
A UE como um todo tem laços econômicos muito mais extensos e, consequentemente, mais influência junto ao governo russo do que os EUA. O bloco é o maior parceiro comercial da Rússia – os EUA estão em quinto lugar, atrás de China e Ucrânia. Quase a metade dos investimentos diretos estrangeiros da Rússia em 2012 foi para Holanda, Chipre e Suíça (que não é membro da UE, mas está sujeita à pressão do grupo), enquanto cerca de 75% do investimento direto estrangeiro na Rússia, calcula-se, vêm de países da UE. Enfim, as oligarquias russas possuem mais propriedades em Londres e no sul da França do que em Nova York ou Miami.

Além disso, a pressão da EU sobre a Rússia envolve menor risco de fazer aflorar um sentimento nacionalista entre os russos do que a "interferência" dos EUA na região. Pra começar, a Ucrânia também está na região da UE. Mais importante, a UE não relembra diariamente os russos de suas perdas pós-URSS e de sua humilhação global da como fazem os EUA. Os EUA têm hoje, na política, muitos menos especialistas em Rússia do que há duas décadas, porque a maioria dos os legisladores americanos que trata de política externa tem prestado muito mais atenção à China, Índia e Oriente Médio. Nenhum país, muito menos uma antiga superpotência, gosta de ser ignorado.
Leia mais:
Tanques russos atacam base aérea ucraniana na Crimeia
Chanceler ucraniano diz que risco de guerra com a Rússia é alto
Estratégia equivocada de Putin na Ucrânia deve expor fragilidade russa

Finalmente, se os EUA recuarem, a União Europeia, as Nações Unidas e até a China podem fazer os russos se lembrarem das consequências políticas da flagrante violação do direito internacional e incorporação de territórios empobrecidos e em convulsão, que serão muito mais difíceis de digerir do que resultados de um referendo de resultado fixo sugeririam.
Os tártaros muçulmanos – aproximadamente 15% da população da Crimeia – se opõem fortemente à anexação pela Rússia e podem se tornar um problema, juntamente aos 25% de habitantes da península que falam ucraniano que foram silenciados nos últimos dias.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular