O avanço do populismo na Europa central – visto de perto
República Tcheca e Áustria são apenas os casos mais recentes numa região do mundo especialmente receptiva ao discurso contra a imigração, os refugiados e a União Europeia
Os dois resultados indicam que a Europa Central vem optando, nas urnas, por líderes populistas de direita e partidos extremistas escudados no nacionalismo e na xenofobia.
Babis é um magnata e populista de direita. Tornou-se um clichê defini-lo como versão local do americano Donald Trump. O partido de direita fundado e liderado por Babis, o ANO (Ação dos Cidadãos Insatisfeitos, em tradução livre ao português), deve requisitar o apoio do radical Partido da Liberdade e da Democracia Direta (SPD), com 11% dos votos, para a formação do novo gabinete.
A principal promessa de Babis para atrair o eleitorado conservador é o fechamento das fronteiras tchecas aos imigrantes, em desrespeito ao esquema de cotas da União Europeia. Entretanto, o país passou incólume à movimentação dos refugiados pelo continente nos últimos dois anos. Magnata do agronegócio e das comunicações e dono de uma fortuna de US$ 4,1 bilhões, a segunda maior do país nas contas da revista americana Forbes, Babis também insistiu que governará a República Tcheca como uma empresa, no mesmo tom de outros políticos mundo afora que emergiram do setor empresarial.
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Por fim, Babis fez do "combate à corrupção" o terceiro pilar de sua campanha. Justo ele, alvo de uma investigação federal sobre fraudes para a obtenção de subsídios da União Europeia. O escândalo levou o atual primeiro-ministro, o social-democrata Bohuslava Sobotka, a demiti-lo no final de maio passado do cargo de ministro das Finanças. A popularidade de Babis, porém, manteve-se intacta, e o partido ANO continuou a ser o mais poderoso do Parlamento tcheco. "Estão dizendo que sou um perigo para a democracia deste país, o que é ridículo. Sou perigoso é para o sistema de corrupção", disse o magnata à imprensa na semana passada.
Política do medo
"Assistimos à ascensão de líderes hábeis em conduzir a política do medo. Nestes tempos instáveis na Europa, esses políticos preferem alimentar os temores da opinião pública a apresentar agendas positivas. O resultado é uma plataforma de governo da direita mais radical", afirmou Vladimir Bilcik, diretor do Programa de União Europeia da Associação de Política Externa Eslovaca (SFPA), a ÉPOCA.
Uma guinada como essa causaria receios em qualquer região do mundo. Ali, essa conjuntura gera preocupação ainda maior - trata-se de um conjunto de territórios com história turbulenta - em parte invadidos e controlados pelo Nazismo há mais de 70 anos, muitos deles depois oprimidos por ditaduras comunistas ao longo de décadas, e por fim integrados ao projeto da União Europeia e seus princípios liberais. Em boa parte da região, porém, não houve tempo para que esses valores liberais se sedimentassem e instituições democráticas contemporâneas amadurecessem.
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O rumo das eleições tchecas causou maior apreensão depois da vitória do Novo Partido do Povo (OPV), na Áustria - a legenda democrata-cristã liderada pelo "garoto-prodígio" Sebastian Kurz, um político de carreira vienense de 31 anos e ministro das Relações Exteriores desde 2012. O OVP obteve 32% dos votos na eleição legislativa e tenderá a aliar-se ao Partido da Liberdade (FPO), legenda de extrema direita que conquistou 24% da votação, para garantir a formação do gabinete de Kurz. O FPO foi fundado por um ex-oficial da SS nazista e, atualmente, está sob o comando de Heinz-Christian Strache, um político atrelado no passado a grupos neonazistas.
Três semanas antes, Kurz viajara para a sessão de abertura da Assembleia-Geral das Nacões Unidas em classe econômica. Discursara como se a Áustria ainda fosse o Império Áustro-Húngaro e mantivera sua resistência ao ingresso de mais imigrantes no continente europeu. Seu país recebeu 90 mil refugiados, desde 2015, mas as fronteiras foram fechadas no ano seguinte por sua determinação.
A formação do novo governo não se mostra fácil. Kurz, considerado bem mais moderado que Strache, não tem alternativa senão incluir o FPO no seu gabinete - para podar suas iniciativas mais radicais ou para dar vazão a projetos ansiados pelo eleitorado de direita. O FPO, porém, exige pelo menos um de três ministérios nos quais causará curto-circuito com a União Europeia - Relações Exteriores, Defesa e Interior. Há ainda a possibilidade de Kurz compor com o Partido Social Democrata (SPO), do atual primeiro-ministro, Christian Kern, o que traria a balança ideológica do governo ao equilíbrio.
"A discussão sobre como será o gabinete de Kurz deve levar meses e ainda pode não se materializar. Enquanto isso, a social democracia continuará governando", explicou Heinish.
Na Áustria, o retorno da direita ao poder não gera riscos de abalos nas instituições democráticas ou mesmo de adoção de medidas contrárias aos seus compromissos na área de direitos humanos. Em 2006, houve maiores preocupações, quando o OVP venceu as eleições e se compôs com o FPO. A União Europeia impôs sanções contra a Áustria, e Israel retirou seu embaixador em Viena como protesto. A coalizão, porém, não chegou a sair da linha e terminou seu mandato medíocre cinco anos depois, sem se reeleger. Mas sérios apelos tem sido enviados a Viena.
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"Um partido que toca uma plataforma de intolerância xenófoba e contra os imigrantes não pode conseguir uma cadeira na mesa de governo", declarou Moshe Kantor, presidente do Congresso Judaico Europeu, ao apelar para que Kurz forme uma coalizão de centro e não inclua "um partido de extrema-direita".
Mas o destino da República Tcheca, sob o comando de Babis, pode seguir os passos da Polônia e da Hungria, onde a conduta de seus governantes têm caráter autoritário e a proteção aos direitos humanos se vê fragilizada. Governada desde 2015 pelo Lei e Justiça, partido do ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski, a Polônia tem recebido advertências da União Europeia por suas restrições à liberdade de expressão. Escudado no seu partido de direita Fidesz, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, vem adotando um perfil cada vez mais arbitrário. A vitória do Fidesz e o crescimento do da legenda Jobbik, de extrema-direita, nas eleições húngaras de 2014 acentuaram as preocupações de Bruxelas, de onde o comando da União Europeia ainda reflete valores mais social-democráticos e humanistas.
"A democracia não está totalmente consolidada nesses países. Suas instituições são mais vulneráveis do que as da Europa Ocidental e estão mais suscetíveis aos temores da população e à retórica dos líderes populistas", afirmou Bilcik.
Ressentimentos
A imigração está no centro dos temores e da insatisfação popular em praticamente toda a Europa e tem sido fermento dos partidos de direita e de seus líderes populistas. O discurso xenófobo, envernizado pela defesa da cultura e dos modos de vida locais, disseminou-se em palanques eleitorais e se acentuou especialmente a partir de 2015, quando milhões de refugiados do Oriente Médio e da África desembarcaram na Europa. Aos poucos, desdobrou-se em discurso contra o Islã.
Como ministro de Relações Exteriores, Kurz respaldou projetos de lei para impedir o financiamento externo das mesquitas na Áustria - a Lei Islã - e defendeu que os muçulmanos tenham acesso apenas à versão germânica do Corão aprovada pelo governo. Também apoiou a proibição do uso do véu por mulheres muçulmanas. Essas iniciativas não geraram apenas desconforto entre os muçulmanos da Áustria, mas também nas comunidades judaicas e de outras minorias étnicas e religiosas.
Em outros países da região, mesmo os que estiveram imunes à crise humanitária, o discurso anti-imigração e anti-Islã também tornou-se celeiro de votos. "Nós temos uma meia dúzia de refugiados aqui na Eslováquia, que nunca foi destino preferencial deles. Ainda assim (discursando contra a imigração), o Partido do Povo da Nossa Eslováquia conquistou 14 cadeiras no Parlamento neste ano e tende a crescer com as eleições regionais de novembro", constatou o cientista político Grigorij Meseznikov, do Instituto para Assuntos Públicos, de Bratislava, referindo-se à legenda de cunho fascista criada por Marian Kohleba, atual governador da região Banská Bystrica, no centro da Eslováquia.
Segundo Meseznikov, o terreno se mostra fértil para os partidos radicais de direita em toda a Europa Central porque há preconceitos arraigados na sociedade e ainda não espiados. Boa parte dessa região foi suscetível e passiva, no século passado, às perseguições étnicas movidas pelo Nazismo e às restrições à liberdade religiosa do regime Comunista. A Eslováquia, onde a população muçulmana não chega a 0,2%, impede por lei que o Islã seja considerado como religião desde 2016 e há mais tempo proíbe a existência de mesquitas no país.
O desembarque de 2,2 milhões de refugiados da África e Oriente Médio desde 2015 desencadeou paranoias e preconceitos que se supunham sublimados nas últimas décadas. A impressão de que os Estados nacionais não tinham poder para proteger suas fronteiras foi alimentada no diálogo entre eleitores e políticos. As soluções de cunho humanista traçadas pela União Europeia pareceram desconsiderar as suscetibilidades de cada país. "O ressentimento tem sido expresso nas urnas", completou Meseznikov.
Os países da Europa Central resistem à adoção das cotas de refugiados criada por Bruxelas, onde está sediado o comando da União Europeia. O sistema de cota leva em consideração indicadores econômicos e sociais de cada país membro para definir quantos cada um terá de acolher, de modo a desafogar a concentração de imigrantes na Itália e na Grécia e permitir a melhor integração deles na Europa. No entanto, a maior crise humanitária desde a 2a Guerra Mundial está longe de acabar. Entre janeiro e setembro deste ano, mais 140 mil refugiados ingressaram no continente, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). De cada seis, um é criança.
Segundo Bilcik, há ainda outros componentes a empurrar o eleitorado para a direita. O primeiro é a sensação de boa parte da população da Europa Central de ter sido negligenciada na repartição dos benefícios do desenvolvimento econômico e de não ser ouvida pela União Europeia. Da mesma forma, a crise da dívida pública na zona do Euro, a partir de 2009, despertou a região para o fato de que tomar parte do bloco europeu não significa apenas desfrutar dos seus investimentos, benesses e subsídios, mas também assumir obrigações e custos. O mais pesado, para os sócios da zona do Euro, foi a ajuda financeira do Banco Central Europeu aos países que acumularam dívidas estratosféricas e detonaram a crise econômica dos últimos anos.
"Em toda a região, as pessoas se perguntavam por que ajudar a Grécia", afirmou Bilcik. "A crise da dívida fez ressurgir, entre os europeus membros da união monetária, a questão Leste-Oeste. Os países centrais e do Leste resistiram a pagar essa conta."
Aparentemente, não há entre os novos governos de direita propostas de saída da União Europeia, como a levada a cabo pelo Reino Unido, no chamado Brexit. Essas ideias se restringem a alguns partidos da extrema-direita eleitoralmente fracos, e o tema não parece agradar aos eleitores. Mas a guinada à direita no centro do continente não deixa de ser sentida em Bruxelas, que se ressente do Brexit e se vê desafiada pela política externa de Trump, nos Estados Unidos, e de Putin, na Rússia. Segundo fontes da diplomacia, haverá pressão para que a União Europeia considere com maior atenção os pontos de vista nacionais ao deliberar sobre temas importantes para a região. Entre eles, o da imigração.
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