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COMO A ECONOMIA ALEMÃ SE TORNOU MODELO PARA OS ESTADOS UNIDOS


País europeu conseguiu manter empregos na crise, sem perder competitividade  

A entrada da mansão neoclássica no Upper East Side de Nova York não traz nenhuma indicação do nome do seu habitante. Um portão de segurança aguarda atrás da pesada porta de ferro. Dentro, vê-se madeira escura, mármore e quadros valiosos. A partir dessa base, Steven Rattner administra a fortuna particular de Michael Bloomberg. O prefeito de Nova York confiou seus bilhões a Rattner porque há poucos tão talentosos quanto ele quando o assunto é multiplicar o dinheiro.

Rattner já trabalhou como conselheiro econômico do presidente Bill Clinton. Barack Obama pensava em fazer dele um dos secretários de seu governo, mas então o escalou para a função de resgatar a indústria automotiva durante a crise financeira. Em Washington, as pessoas escutam o que Rattner tem a dizer em se tratando do rumo que as coisas devem seguir no restante da estagnada economia americana. E Rattner está dizendo: "A Alemanha é um modelo para os Estados Unidos".
A essa altura, Rattner já se tornou um entendido no assunto. Ele chama a ideia alemã do Kurzarbeit de "modelo", referindo-se ao programa de "jornadas curtas" que o governo alemão usou durante a crise para evitar as demissões ao encorajar as empresas a reduzir a jornada de trabalho, ao mesmo tempo compensando parte dos benefícios e salários perdidos. Da mesma maneira, ele diz que o sistema alemão para o treinamento de trabalhadores qualificados é "um nítido modelo de comportamento para nós e para qualquer outro país", dizendo que políticas industriais inteligentes também devem ser imitadas pelos americanos.
Ele também elogia diretamente as abordagens criativas do programa alemão "Agenda 2010", as dolorosas e impopulares reformas no sistema de bem-estar social do país e no mercado de trabalho, e os feitos de Gerhard Schröder, o homem que abriu espaço para tais reformas quando atuou como chanceler alemão de 1998 a 2005. Rattner diz que Schröder descobriu como manobrar a Alemanha na direção certa de modo a fazer com que "um país desenvolvido se mantivesse competitivo mesmo num mundo em que gigantes econômicos como China e Índia estão emergindo".
Uma das maravilhas do mundo. Rattner não é o único a partilhar dessa opinião. A revista semanal americana Time publicou textos dizendo que a ampla gama de reformas econômicas e sociais na Alemanha foi "visionária" e que as empresas alemãs, somadas às reformas, forjaram "o setor industrial mais competitivo dentre as economias avançadas". O New York Times, por sua vez, diz que: "A economia alemã tem sido uma das maravilhas do mundo nos últimos anos".
Há poucos anos, quase ninguém - talvez nem mesmo o próprio Schöder - teria esperado que as reformas fossem elogiadas pela mídia anglo-saxônica. De fato, tinham sido principalmente os economistas e políticos americanos e britânicos que classificaram a economia alemã como um modelo desatualizado na era da globalização, descrevendo-o como demasiadamente inflexível e desajeitado, arcando com o peso das proteções do emprego, da promoção da igualdade social e de sindicatos poderosos. Nos centros financeiros de Nova York e Londres, a Alemanha era descrita como "o doente da Europa".
E agora? Enquanto os Estados Unidos gemem diante dos efeitos posteriores da crise financeira e subsequente recessão, a economia alemã continua a avançar, tornando-se até objeto de estudo. "Os americanos, entre eles os governantes, estão demonstrando um interesse cada vez maior nas reformas alemãs e em tudo aquilo que o país foi capaz de realizar nos últimos dez anos", diz Michael Spence, economista americano e ganhador do Prêmio Nobel de economia de 2001.
"Temos de ser mais parecidos com a Alemanha", concorda o presidente da GE, Jeffrey Immelt. E o ex-presidente Clinton elogiou a Alemanha por ter apresentado aquilo que ele descreveu como resposta correta à crise. Acima de tudo, a Alemanha é considerada um modelo de comportamento em decorrência do seu sucesso enquanto país exportador. Enquanto a Alemanha apresenta um superávit comercial de 120 bilhões, os EUA têm um déficit comercial de 423 bilhões.
Esse desequilíbrio preocupou muito pouco os americanos nos anos que antecederam a crise financeira. Da mesma maneira, preocuparam-se pouco com o declínio de sua base manufatureira. Os americanos consideraram a fabricação de maquinário, os produtos químicos e as indústrias pesadas - setores em que a Alemanha é tradicionalmente forte - como os setores econômicos do passado, setores que, ao menos no futuro imediato, deveriam ser deixados para as potências emergentes da Ásia.
EUA perdem empregos. Desde o início da década de 80, os EUA perderam em média mais de 200 mil empregos por ano nas indústrias manufatureiras e, hoje, pouco menos de 9% dos americanos são empregados em fábricas. Enquanto parcela do Produto Interno Bruto (PIB), a atividade manufatureira caiu para cerca de 12%, ao passo que, na Alemanha, essa proporção é de 26%.
Em vez disso, é o setor de serviços e principalmente a indústria financeira que têm aumentado seu poder e influência. De fato, houve momentos em que o setor financeiro correspondeu a 40% de todo o lucro obtido por empresas americanas. Mas tudo isso mudou muito desde o colapso do Lehman Brothers em 2008.
Em entrevista concedida ao Spiegel dois anos atrás, Paul Volcker, que era na época o principal conselheiro econômico do presidente Obama, já tinha dito que a crise tinha chamado os EUA a "despertar" para a necessidade de restabelecer sua competitividade e reforçar o setor das exportações. "Quem me dera tivéssemos mais engenheiros mecânicos do que engenheiros financeiros", disse ele na época, acrescentando: "Contem-me o segredo dos alemães, que mantêm isto em funcionamento".
Jennifer Granholm foi governadora do Estado de Michigan, o qual, sendo o coração da indústria automotiva do país, sofreu muito com o acentuado declínio da produção industrial americana. Em entrevista concedida em junho de 2011 ao Daily Beast, ela comentou a questão. "A Alemanha é um exemplo perfeito", disse ela. "Como eles fazem para conservar o setor manufatureiro?"
Na busca pelas causas do sucesso alemão, os americanos descobriram com relativa rapidez o setor das Mittelstand, as firmas pequenas e médias que compõem a maior parte da base manufatureira alemã, funcionando de maneira distinta de suas equivalentes americanas, que são com frequência relacionadas em bolsas de valores. Trata-se de empresas que "são de propriedade familiar, têm um horizonte de longo prazo, não precisam se preocupar com os lucros do próximo trimestre, contam com uma base proprietária estável" e, como resultado, apresentam vantagens competitivas, diz Rattner, que teve seu primeiro contato com a estrutura da economia alemã depois de investir na emissora particular de TV ProSiebenSat.1. "Essas empresas se dedicam à produção de bens sofisticados que os mercados emergentes têm dificuldade para replicar."
Enquanto isso, Obama estabeleceu a meta de dobrar as exportações americanas até 2015, dizendo que o "made in USA" precisa recuperar a importância que já teve, trazendo ao país uma maior parte da produção industrial.
Um modelo adequado? Apesar de tal entusiasmo, restam as dúvidas quando à real adequação da economia alemã enquanto modelo e à possibilidade de reproduzir seu sucesso em outras regiões.
Na verdade, poderíamos perguntar se alguns críticos têm razão na sua avaliação segundo a qual o atual milagre econômico alemão decorre do fato de esta produzir precisamente o tipo de produto que as economias asiáticas emergentes gostariam de ter. Esses críticos defendem que, simplesmente, não há um plano mestre por trás do modelo alemão, e sim um forte elemento do acaso.
Michael Spence, o economista e especialista em globalização que leciona na Universidade de Nova York, crê que há muito a aprender com o exemplo da Alemanha. Ele suspeita que a evolução econômica mundial vai obrigar os países industrializados promover com regularidade a "reestruturação e reorientação de suas economias por meio de grandes mudanças nas políticas públicas".
Da mesma maneira, ele acredita que a Alemanha já obteve considerável sucesso nesta tarefa com suas reformas sociais e no mercado de trabalho, bem como sua adoção de políticas industriais apropriadas. Ele prevê também que "os EUA terão de passar por um processo semelhante".
Um foco particular desse debate é o sistema alemão de treinamento técnico. Em termos de treinamento técnico e científico e da consideração dedicada aos engenheiros e profissões técnicas, Rattner diz que a Alemanha deveria servir como "modelo" para os EUA.
Os EUA não contam com nada equivalente ao sistema alemão de treinamento nem com programas comparáveis de treinamento e progressão do ensino.
Como resultado, apesar do alto desemprego, ainda existe uma escassez de trabalhadores qualificados para preencher posições na indústria manufatureira. Os acionistas anglo-saxônicos enxergam a tendência alemã de manter os empregos em momentos de incerteza como uma desvantagem competitiva.
Por isso, um declínio econômico nos EUA leva a cortes mais ágeis e drásticos nos empregos, cujo objetivo é garantir o lucro no curto prazo, diferentemente do que ocorre na Alemanha. Entretanto, a mentalidade prevalecente do "contratar-e-demitir" também desestimula as empresas a investirem na formação básica e avançada de seus empregados.
Obama pretende agora alterar este quadro - usando também o apoio financeiro do governo. Durante o discurso sobre o Estado da União feito no dia 24 de janeiro, Obama se estendeu ao falar em como uma nova fábrica alimentada por uma turbina de gás na Carolina do Norte servia como exemplo modelar de como dar a um maior número de americanos as "capacidades que levarão diretamente a um emprego".
A empresa "formou uma parceria com a Universidade Comunitária Central Piedmont... (e) ajudou nos cursos universitários dedicados ao treinamento com lasers e robótica". O programa também recebeu apoio do governo. A empresa responsável pela turbina de gás e pela parceria era a gigante exportadora alemã Siemens.
A empresa contratou 30 recrutadores para procurar os trabalhadores necessários para sua expansão de longo prazo nos EUA - mas a tarefa não foi fácil. "Existe uma discrepância entre os empregos disponíveis e as pessoas que encontramos no mercado", disse ao Financial Times o diretor executivo da Siemens nos EUA, Eric Spiegel, em junho de 2011. "Há uma escassez (de trabalhadores com a qualificação certa)."

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