‘À Sombra do Poder’: o impeachment, da janela do Planalto
Ex-secretário de imprensa da Presidência da República lança o primeiro relato do afastamento de Dilma Rousseff feito do ponto de vista dos perdedores
Resultado dessa experiência, À Sombra do Poder — Os Bastidores da Crise que Derrubou Dilma Rousseff é o primeiro livro sobre o impeachment escrito por um insider. Nessa condição, escapa do que seria a sua pior sina — virar uma peça de defesa póstuma da gestão petista. Almeida, também um cientista político com experiência acadêmica, esforçou-se para produzir um relato em que figura sobretudo como observador da história que se passou diante de seus olhos. Se sua obra traz poucas informações que já não tenham sido veiculadas pela imprensa, ela tem o mérito de revelar como os protagonistas do poder enxergaram cada episódio do impeachment que o Brasil acompanhou pelo noticiário. O trabalho de Almeida também ajuda a tornar um pouco mais nítido o retrato de uma presidente que ele classifica como “íntegra, honesta, porém difícil”. Seu livro revela vislumbres de uma Dilma avessa a sentimentalismos, temerosa de ser enganada por assessores e surpreendentemente suscetível em alguns momentos.
O motivo pelo qual a ex-presidente nunca engoliu a indicação do hoje ministro Henrique Meirelles para a Fazenda em seu governo, por exemplo, deveu-se não apenas às diferenças de visão econômica, mas a uma razão pessoal. Dilma jamais perdoou a Meirelles depois que, em 2010, ao saber que ela enfrentava um câncer, ele se ofereceu a Lula para ser candidato à Presidência em seu lugar, relata o exsecretário. “Em nome da vontade incessante de ser presidente da República, Meirelles não foi solidário nem no câncer, ela pensou.”
A descrição que Almeida faz dos métodos de ação da chefe confirma a lenda de que, diante de qualquer problema, a primeira reação de Dilma era sempre montar um grupo de trabalho. Em dado momento, só os que levavam a rubrica “gestão de crise” somavam cinco: o grupo da tragédia de Mariana, o grupo da microcefalia, o grupo da zika, o grupo do impeachment (sob a ótica da crise política) e um segundo grupo do impeachment, este para tratar o tema sob o aspecto da comunicação. “Esse tipo de ação era o que fazia a presidente se sentir mais confortável: realizando reuniões, juntando ministérios, designando missões e objetivos, cobrando resultados. Para alguns, uma virtude. Para outros, uma vocação excessiva para os detalhes e a burocracia, algo incompatível com o cargo que ocupava.” Estão no livro também algumas das proverbiais explosões de fúria da presidente, cujo alvo, mais de uma vez, foi o próprio autor. “Rodrigo, não me responda. Para de me responder. Não me responda!”, diz Dilma ao seu secretário numa discussão por telefone. Na conversa em questão, o assunto era Pasadena. A compra da usina americana pela Petrobras, na época em que Dilma presidia o conselho da estatal, era um tema que tinha o condão de tirar a presidente do sério, conta Almeida.
Como responsável pelo contato entre o Palácio do Planalto e a imprensa, o ex-secretário reserva críticas à cobertura de diversos veículos, VEJA incluída. A reportagem informando que o doleiro Alberto Youssef dissera ao Ministério Público que suspeitava de que Dilma e Lula “sabiam de tudo” sobre as bandalheiras na Petrobras causou especial irritação à presidente. Por causa dela, diz Almeida, Dilma “jamais daria espaço para um possível diálogo com a revista — nem a VEJA reduziria a intensidade dos ataques ou modificaria seus métodos”.
O livro de Almeida presta um serviço à história também ao dar o devido crédito aos responsáveis pelas piores ideias surgidas e postas em prática no governo Dilma. Nesse ponto, ninguém mereceria ser mais lembrado do que o ex-ministro da Casa Civil Aloizio Mercadante. Almeida lhe faz justiça ao anotar que, no início do segundo mandato, Dilma “se encantou com um conselho de Mercadante” — o de criar um novo bloco de apoio no Congresso, sob responsabilidade de Gilberto Kassab e Cid Gomes, com o intuito de livrar-se da dependência do PMDB. O conselho encantador resultou, entre outras coisas, no surgimento do arqui-inimigo Eduardo Cunha e na perene indisposição de parte do PMDB com o governo de Dilma, dois fatores que se mostrariam letais para o destino da petista. À Sombra do Poder nem sempre alcança o distanciamento que almeja — como quando atribui o estado de crise permanente do governo a “problemas surgidos por obra e graça de uma oposição forte e implacável, favorecidos por uma sucessão de erros da presidente e de seus aliados”, numa evidente inversão da ordem das coisas. Merece, porém, ser lido tanto por quem gritou “Fora, Dilma” quanto por quem chamou de “golpistas” os apoiadores do impeachment. As credenciais do autor o recomendam, assim como a possibilidade que o leitor terá de entrever, por meio de fonte insuspeita, os descompassos, os equívocos e as fraquezas morais que levaram o governo Dilma à sua caminhada em direção ao abismo.
Plantações palacianas
“Encerrada a reunião, o Planalto começou a espalhar a versão de que o vice teria, na audiência com Dilma, desqualificado o pedido de impeachment. Jaques Wagner e Edinho Silva foram mais longe ainda: forçaram a mão ao dizer para a imprensa, em declarações on the record, que Temer assessoraria a presidente na batalha contra o impeachment.”
“Era uma estratégia arriscada. A ideia: forçar um posicionamento público do vice-presidente, uma forma de evitar aquele silêncio inquietante a que ele optara. O Palácio do Planalto buscava, com isso, induzi-lo a alguma mensagem de apoio, ou de solidariedade, durante
a tramitação do processo. Ou, no mínimo — para usar uma expressão dita reservadamente pela presidente —, evitar que ele se movimentasse com tanta desenvoltura. O problema é que ninguém combinou com os russos alojados na Vice-Presidência.”
“Quem manda é o Lula”
“A chegada de Lula à Casa Civil significaria, para a quase unanimidade dos auxiliares mais próximos da presidente, a salvação de um governo acuado e incapaz de sair das cordas (…) Boa parte da imprensa, no entanto, reagia com rudeza e desconfiança. Os prognósticos eram desabonadores: o país terá dois presidentes da República. O verdadeiro poder estaria não mais no 3º andar, onde ficava o
gabinete presidencial, mas no 4º, local onde despachava o chefe da Casa Civil. ‘Vai dar confusão’, era o vaticínio unânime. Recomendação de um dos ministros: ‘Se der confusão, a ordem para os ministros é: desobedeçam à presidente. Quem manda é o Lula’”
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