Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado
A pedido do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o Senado aprovou nesta terça-feira (28) a versão vinda da Câmara da medida provisória da estrutura ministerial, tirando o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do guarda-chuva do Ministério da Justiça e enfraquecendo o titular da pasta, Sergio Moro.
A aprovação ocorreu após apelos de Bolsonaro, que chegou a enviar carta para convencer os senadores a aprovar a proposta —que prevê o órgão de inteligência sob a alçada do Ministério da Economia. O presidente temia o risco de a MP inteira expirar, invalidando a redução de 29 para 22 ministérios implantada no começo do mandato. O governo teve dificuldade para conter senadores do próprio PSL, que queriam mudar o texto para atender à reivindicação de Moro, que considera o Coaf estratégico no combate à corrupção.
Se a medida provisória sofresse mudanças, porém, precisaria voltar à Câmara, pondo em risco a versão completa da MP, incluindo o enxugamento de pastas —já que ela perderia validade em 3 de junho. Dos 81 senadores, 78 estiveram presentes, dos quais 29 deram voto para deixar o Coaf com o ministério de Moro. Bolsonaro acabou conseguindo conter os senadores de seu partido, o PSL — nenhum descumpriu o apelo do presidente, apesar dos discursos, inclusive nas manifestações de rua de domingo (26), em prol do órgão com a pasta da Justiça.
Senadores favoráveis a Moro fizeram questão de atribuir a derrota do ministro a Bolsonaro. De olho nas redes sociais, quem mudou de posição foi ao microfone se justificar. O texto-base foi aprovado inicialmente em votação simbólica. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), pediu votação nominal, em uma manobra para impedir que os destaques que tratam do Coaf também pudessem ser votados nominalmente.
Pelas regras do Senado, uma segunda votação nominal só pode acontecer uma hora depois de uma primeira. Mas alguns senadores alegavam que, se a votação fosse nominal, teriam que votar contra o apelo de Bolsonaro. No final da votação, os senadores a favor do Coaf com Moro que pediram que os votos deles fossem consignados. Em 1º de janeiro, Bolsonaro transferiu o Coaf do extinto Ministério da Fazenda para o da Justiça. No entanto, a comissão mista que avaliou a proposta e a Câmara devolveram o conselho para o Ministério da Economia.
O governo se viu numa encruzilhada e, nos últimos dias, passou a contrariar seus aliados e redes sociais e começou a defender que o Senado aprovasse o texto como saiu da Câmara para não ter o risco de ver toda a estrutura de governo desfeita.
Se o texto fosse alterado no Senado, teria que voltar à Câmara e ser aprovado até segunda-feira (3), quando perderia a validade. O centrão já havia emitido sinais de que não estava disposto a votar novamente a matéria. Se a MP caducasse, os atuais 22 ministérios voltariam a ser os 29 do governo Michel Temer. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), começou a sessão depois de duas horas de reunião entre líderes partidários em que não se chegou a nenhum acordo para a votação.
Durante o encontro, ele leu uma carta assinada não só por Bolsonaro, mas também pelos ministros Sergio Moro (Justiça), Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil). A carta também foi lida em plenário. Na carta, Bolsonaro repetiu o apelo que já havia feito outras duas vezes e que foi feito também por Moro em telefonemas a alguns senadores. "O referido projeto, que versa sobre a reforma administrativa, urgente à austeridade e à sustentabilidade da máquina pública, saiu da Câmara dos Deputados com mais de 95% de sua integralidade", diz o texto, dando destaque à redução de 29 para 22 ministérios.
"Solicito, portanto, que as senhoras e os senhores senadores aprovem a medida provisória nº 870, de 2019, conforme o texto recebido da Câmara dos Deputados", afirmam os missivistas. Bolsonaro e os ministros lembram na carta que, se a MP não fosse aprovada até segunda-feira, perderia a validade, "resultando em um retrocesso que causará prejuízos a toda a nação brasileira".
"Conclamo a união de esforços de todos os Poderes da República em nome das demandas autênticas de mudanças almejadas por toda a população brasileira", encerra a carta. Procurado por senadores para confirmar a assinatura na carta sobre a votação da medida provisória que reorganiza o governo, Sergio Moro afirmou considerar a derrota "um pouco desconfortável". De acordo com senadores que contataram Moro, o ministro disse que "mais adiante" pode tentar "trazer o Coaf de volta para o ministério da Justiça". Segundo o ex-juiz, sua decisão foi baseada na convicção do governo de que havia grande risco de "perder a MP inteira".
O ministro afirmou lamentar o revés e admitiu que ficar mais feliz se o órgão permanecesse em sua pasta. "A batalha real é a reforma da Previdência e o pacote anticrime", disse Moro aos senadores. Para convencer os senadores, Moro voltou a usar o argumento de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, se comprometeu a manter a estrutura do órgão. Diante do apelo de Bolsonaro e dos ministros, o PSL, partido do presidente, mudou de posição e parou de brigar para manter o Coaf com Moro. "Não dá para você defender uma situação em que o defendido não quer ser defendido", afirmou o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).
Mas integrantes de Podemos, Rede e PSD não recuaram e insistiram em fazer a alteração. Líder do Podemos, o senador Alvaro Dias (PR), também foi procurado pelo ministro. Mesmo assim, disse que, se o Coaf deixar o Ministério da Justiça, ingressará com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) alegando inconstitucionalidade da mudança.
Nesta tarde, os parlamentares receberam um documento com relatadas 200 mil assinaturas pedindo a mudança do texto da Câmara e devolução do Coaf ao Ministério da Justiça. Além disso, vários senadores se disseram pressionados pelas manifestações ocorridas no domingo (26), que pediam, entre outras coisas, que o Coaf voltasse para a pasta de Moro.
"Estamos recebendo hoje uma carta de rendição ao que você tem de pior na forma de fazer política, não de troca de cargos, de barganhas, mas a política feita de impostação, de enrolação em rede social. Coerência não se vende na feira. Quem fez campanha defendendo o combate à corrupção tem que ter coerência daquilo que pensa", disse Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
O senador acenou inclusive para as redes sociais, que pressionaram senadores a votar a favor de Moro. "É importante registrar para que as redes sociais, para que os robôs, para que aqueles seguidores fanáticos assinalem na sua cabeça com toda clareza: quem não quer o Coaf no MJ é Jair Bolsonaro".
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, reagiu. "A carta não é uma rendição. É uma mão estendida", afirmou. "A história não perdoa quem desiste no meio da batalha. O povo do Amazonas não me mandou para atender cartinha de presidente ou de ministro", disse o senador Plínio Valério (PSDB-AM). Líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), afirmou que a mudança de opinião do ministro Sergio Moro "em cima da hora" não convenceu a Casa.
"O ministro Moro errou muito. Assinou uma carta de manhã e, depois, em Portugal, disse 'paciência'", afirmou o senador, indicando referendar a tese de que o ministro da Justiça foi voz vencida dentro do governo. Ao defender a permanência do órgão no guarda-chuva de Moro, Otto criticou o endosso de Bolsonaro às manifestações de domingo.
"Essa carta deveria ter chegado na sexta-feira, antes de seus seguidores participarem de atos nas ruas atacando o Congresso Nacional, chamando de política velha." "Qual é a política velha? É a do ministro do Turismo, que está no laranjal e não é demitido? Essa é a política velha, que está nos pés do presidente da República, para atacar o Congresso nacional com a bandeira da moralidade e a imoralidade lá dentro do Palácio do Planalto, no ministério do Turismo".
Presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), a senadora Simone Tebet (MS), diz entender que é possível que Bolsonaro tente mexer na localização do Coaf por meio de decreto presidencial. A senadora Rose de Freitas (PODE-ES) disse que Bolsonaro "não precisa criar esta confusão nem jogar o povo contra o Congresso", já que a Constituição garante ele o direito de fazer a alteração por decreto.
"Faça lembrar a ele que esta Carta vigora no país", disse a Freitas, com uma Constituição na mão, a Davi Alcolumbre. O Palácio do Planalto informou que posteriores avaliações serão realizadas se acharem necessário. Os ataques de alguns senadores se estenderam ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Façam este apelo ao presidente Bolsonaro e o presidente Bolsonaro faça uma carta ao presidente Rodrigo Maia para que ele analise o destaque que nós vamos votar aqui, da mesma forma como ele está fazendo conosco", disse Omar Aziz (PSD-AM).
Soraya Thronicke (PSL-MS) disse que Bolsonaro e os ministros foram "obrigados" a assinar a carta "porque não confiam no comando da Câmara dos Deputados". "Está todo mundo aqui apontado para o governo quando, na verdade, ninguém lembrou de apontar para a Câmara, para o comando da Câmara e para deputados que deixaram chegar nesta situação. Deixar chegar no Senado no apagar das luzes é uma falta de respeito sem tamanho. A gente fica discutindo aqui e eles estão dando risada lá", afirmou.
TERRAS INDÍGENAS
Em meio aos discursos que antecederam a votação da MP, Thronicke afirmou que o presidente não vai demarcar nenhuma terra indígena. Foi uma referência a um dos destaques da MP, que tira a Funai (Fundação Nacional do Índio) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a devolve para o Ministério da Justiça.
A pasta também retomará a atribuição de demarcação de terras indígenas, que Bolsonaro havia deixado com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura. "Quero deixar claro para os produtores rurais que, independente do que acontecer agora, o presidente Bolsonaro não vai assinar mais demarcação de terras indígenas. Não assinou desde o dia 1º de janeiro e não vai assinar. Porque o presidente entende que os índios nunca tiveram as terras, sempre foi da União", afirmou a senadora.
"O projeto para os indígenas é que eles tenham a titularidade da terra, então não vai atrapalhar ninguém. Vai ser bom para os índios e vai ser bom para os produtores rurais, independentemente de onde quer que esteja", disse Thronicke.
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