Privatização da Eletrobras indica luz no fim do túnel
A venda da estatal de energia é tão relevante quanto foram a da Vale e a do Sistema Telebras nos anos 1990. Tornou-se mais fácil falar nisso agora do que era há poucos meses
A venda de estatais hoje deve encontrar menos resistência do que há poucos meses. O momento não poderia ser mais acertado. A reação negativa da sociedade aos aumentos de salários nas corporações e às tentativas de elevação de imposto mostra que boa parte do esforço para cumprir a meta das contas públicas deverá vir da redução drástica do Estado. A sociedade já entendeu que a era da alquimia que marcou o governo Dilma Rousseff acabou.
A venda da Eletrobras é mais um capítulo do desfazimento do gigantismo do Estado gerado pelos governos do PT. No setor elétrico, o raio destruidor de Dilma é evidente. A famosa Medida Provisória (MP) nº 579, de 2012, que pretendia reduzir artificialmente as tarifas, caiu no setor como uma bomba atômica. A proposta de renovação de concessões que ela trazia era tão ruim financeiramente que só a Eletrobras aceitou mudar seus contratos – e por imposição da União, cujo voto foi considerado abuso do acionista majoritário, na avaliação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão fiscalizador do mercado de capitais.
A MP 579 atingiu de morte a Eletrobras e tem efeitos amplos e prolongados. Ela desorganizou contratos, levou o Tesouro a usar recursos escassos para prolongar o congelamento de tarifas, fez crescer a judicialização e aumentou o risco jurídico e regulatório de um setor já complexo. O país só não passou por um racionamento de energia porque o mesmo governo criou uma recessão sem precedentes, o que reduziu a demanda por energia nos últimos dois anos. A pretendida redução das tarifas não passou de ilusão e desembocou num tarifaço, como sempre acontece em experiências de congelamento de preços.
A principal responsável pela decisão deste governo de vender o controle da Eletrobras é a ex-presidente Dilma. Não fosse a situação financeira inviável gerada pela combinação desastrosa de aumento de investimentos com redução de receita, que ela impôs à empresa, a privatização não estaria sendo cogitada.
A desestatização da Eletrobras faz parte do início de um processo de reconstrução do setor. Ela vem em paralelo à recente proposta do Ministério de Minas e Energia, apresentada em consulta pública, de desfazer erros introduzidos pela MP 579, com destaque para a possibilidade de a estatal poder trocar os contratos que foram renovados a um preço irreal e que a obrigam a vender energia a preços baixos demais. Pela proposta, ela terá a opção de, mediante pagamento à União, aderir a contratos com preços de energia realistas, num processo que ficou conhecido como “descotização”. Mas a Eletrobras não tem recursos para pagar por esses contratos mais vantajosos. Entre 2012 e 2015, ela acumulou prejuízo de R$ 31 bilhões, consequência de um aumento da dívida, que ultrapassou os R$ 45 bilhões, e de redução das receitas.
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A guinada na condução dos negócios feita na atual administração, e a excelente governança que existe hoje na empresa, permitiu uma melhora de indicadores. A dívida chegou a ser oito vezes superior ao caixa – hoje, corresponde a quatro vezes. Ainda assim, não há recursos suficientes para a Eletrobras competir com o setor privado pela concessão das usinas que serão “descotizadas”. Em consequência, seu parque gerador encolheria substancialmente. Para a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobras, com sede no Recife e parque gerador principalmente no Nordeste), significaria a perda de 74%. Para Furnas (outra subsidiária da Eletrobras, com sede no Rio de Janeiro e parque gerador espalhado pelo país), significaria perder 40% de suas usinas. Não faria sentido algum. É evidente que privatizar é uma opção superior.
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Ainda não há os detalhes necessários sobre a forma de venda do controle. Mas as primeiras notícias sugerem que o governo encontrou uma solução engenhosa. Em uma operação de oferta de ações, a União, sociocontrolador, se deixará diluir até perder o controle acionário. Os recursos obtidos com a operação de entrada dos sócios privados poderão ser usados pela Eletrobras para a compra dessas concessões por mais 30 anos. O aumento de receita ajudará a ajustar o perfil de endividamento da companhia e fará com que ela consiga tomar dinheiro emprestado com juros menores e condições mais favoráveis. O dinheiro novo obtido com a venda de ações aumentará a capacidade de investimento e competição da empresa.
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Evidentemente, haverá resistência à venda. Ela será de três tipos. Uma virá dos que verdadeiramente consideram energia um recurso estratégico. Estes devem ser ouvidos e suas sugestões, a fim de melhor administrar nossas bacias em meio a mudanças climáticas irreversíveis, incorporadas. Há também quem tema que o gigantismo dessa nova corporação, que resultará da operação de privatização, impeça a necessária competição no mercado de geração de energia – e a competição é um fator importante para que o preço de energia caia no médio prazo. É importante atentarmos a essas questões. Elas devem ser respondidas pela regulação, seja a empresa de controle público ou privado. A experiência brasileira mostra que a regulação e o controle se dão de forma muito mais rigorosa sobre empresas privadas.
Tenho certeza, porém, de que o terceiro e maior tipo de resistência virá dos que perderão os privilégios, dos que vivem agarrados às benesses do Estado. Virá das bancadas regionais no Congresso, que não mais indicarão seus políticos para diretorias e Conselhos, dos sindicatos que não mais poderão impor acordos coletivos e políticas salariais incompatíveis com a realidade da empresa. Estou otimista: acredito que esses terão uma resposta à altura, vinda de uma sociedade que não suporta mais nichos protegidos indevidamente pelo gigantismo estatal.
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